Perfil do leitor | Marina Lima

Caderno íntimo

A cantora fala sobre poesia,  romancistas preferidos, seu primeiro livro e uma possível biografia


Omar Godoy


MarinaLima


No país das “cantoras ecléticas”, as mulheres compositoras nem sempre têm o mesmo destaque das intérpretes. Nomes como Dolores Duran, Maysa e Adriana Calcanhoto fazem parte de um pequeno grupo de autoras que realmente conseguiu atingir o grande público e deixar seu legado na história da música popular brasileira. Mas nenhuma delas foi tão longe quanto Marina Lima, que segue em atividade depois de mais de três décadas de sua estreia em disco.

Seu grande feito foi consolidar um estilo ao mesmo tempo pop e sofisticado, marcado por textos acima da média do que se ouve nas FMs. Não à toa, grande parte de sua obra é assinada em parceria com importantes letristas- poetas da MPB — Tavinho Paes, Alvin L, Arnaldo Antunes, Ronaldo Bastos, Vinícius Cantuária e, especialmente, Antonio Cicero, seu irmão dez anos mais velho. Co-autor dos maiores clássicos de Marina (“Fullgás”, “Pra Começar”, “Acontecimentos”, “À Francesa”, só para citar alguns), ele também é o responsável por incutir na artista o gosto pela poesia.

“Antes de compor comigo, o Cicero lia poemas em voz alta para mim. Poemas latinos, ingleses, Shakespeare. Foi através dele que entrei em contato com esse universo e, depois, descobri poetas brasileiros como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar. Eu também já gostava de poesia musicada, Caetano Veloso, Chico Buarque, Bob Dylan”, conta a cantora, que iniciou a colaboração com o irmão aos 16 anos (hoje ela tem 59).

Marina passou a infância nos Estados Unidos, onde seu pai atuou como executivo no Banco Interamericano de Desenvolvimento. “Ele tinha uma vasta biblioteca, com livros de Filosofia, Direito, Economia. Sabe aqueles intelectuais nordestinos cultíssimos? Pois então, ele era um desses. Além disso, havia um grande estímulo à leitura na escola, que vendia romances para pré-adolescentes em formato pocket. Eu mergulhava nesses livros por meses”, lembra.

De volta ao Brasil, a cantora viveu uma espécie de hiato literário por alguns anos, principalmente por falta de incentivo no colégio. O interesse por livros só voltou anos depois, com a carreira artística já iniciada. “Sempre gostei de fazer muitas coisas. Ouvir música, tocar, dançar, praticar esportes. Então eu dividia meu tempo e criava espaços para a minha rotina conter tudo isso. A literatura se tornou realmente importante na minha vida depois dos 20 anos”, afirma.

Sua lista de poetas preferidos inclui, além dos nomes já citados, Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Capinam, Waly Salomão e até Chico Science. “Todos os que lidam com o universo nordestino me comovem profundamente, pois me remetem aos meus pais”, explica. A poesia, no entanto, não tem ocupado muito o seu tempo ultimamente. “O que eu mais leio hoje em dia são romances. Silvia Avallone, Alice Munro, Inês Pedrosa, Orhan Pamuk. Gosto principalmente desses.”

Em 2012, depois de tantos anos escrevendo música, Marina Lima decidiu publicar seu primeiro livro: Maneira de ser, um apanhado de textos reflexivos, cartas antigas, fotos de arquivo e matérias publicadas na imprensa sobre o seu trabalho. Segundo a cantora, a obra não é uma biografia, e sim um “caderno íntimo”, em que ela repassa a própria trajetória e apresenta sua visão de mundo.

Mas e se alguém se dispuser a escrever sua história? Ela permitiria? “Sinceramente? Podem lançar uma biografia não autorizada mesmo. Não estou preocupada com isso. Se eu não gostar, procuro a Justiça. Simples assim”, afirma, deixando implícito que não deu muita bola para a polêmica levantada em 2013 pelo grupo Procure Saber, formado por artistas que discutem questões de direitos autorais e regulamentações na área musical.