Perfil do leitor | Igor Filus e Leandro Delmonico

Mentes dilatadas

Os primos e fundadores da banda Charme Chulo revelam seus autores preferidos — uma lista que vai de Salinger a Wilde, passando por Pessoa, Dostoiévski e um certo vampiro curitibano


Omar Godoy

Agora vai. Sem lançar um disco desde 2009, a banda paranaense Charme Chulo promete apresentar seu terceiro álbum cheio ainda neste ano. Com gravações marcadas para o período da Copa do Mundo, o registro deve ter cerca de 20 faixas que, segundo os músicos, transitam por gêneros ainda não explorados pelo grupo — reggae, jazz, glam, punk, eletrônico. Mas sem abandonar a sonoridade “rural” que é a marca registrada do quarteto, atualmente formado por Igor Filus (voz), Leandro Delmonico (guitarra, viola caipira), Hudson Antunes (baixo) e Douglas Vicente (bateria).

As letras, eles dizem, também trarão novidades. Serão mais ousadas e diretas, até um pouco agressivas. Fruto, talvez, de um amadurecimento dos integrantes, que voltaram a ter “vidas normais” depois de uma temporada vivendo de música em São Paulo. Leandro é jornalista e produtor de eventos na capital do estado, enquanto Igor trabalha na empresa da família em Ponta Grossa (Hudson e Douglas são novos na banda). “Acho que finalmente vamos mostrar o nosso lado chulo”, brinca o guitarrista.

 
Soraya Sugayma

Foto: Soraya Sugayama

O fato é que, apesar de chamar a atenção por causa de seu rock acaipirado, o grupo também se preocupa muito com os textos, assumidamente influenciados pela literatura de Oscar Wilde e Dalton Trevisan. “Do Wilde, a gente gosta da ironia, da forma como ele critica a elite”, diz Leandro, 29 anos. “O Dalton nos inspira pelos tiros curtos e pela temática sempre ácida, sombria. Eu diria que o Leminski está para o rock and roll clássico assim como o Dalton está para o pós-punk”, compara Igor, 33 anos.

Nascidos em Maringá, os primos se tornaram amigos para valer apenas na adolescência, quando Leandro se mudou para Curitiba — onde Igor vivia desde a infância. Já mergulhado no universo do rock, o mais velho apresentou ao recém-chegado seus achados literários, todos envolvidos de alguma forma com suas bandas e artistas preferidos. Wilde, por exemplo, veio por meio de Morrissey, fã declaradíssimo do escritor. Rimbaud foi “indicação” de Jim Morrison. Thomas Mann, de Renato Russo (que chegou a escrever uma canção chamada “A Montanha Mágica”). E por aí vai, com direito também a biografias e livros-documento como Dias de luta (sobre o pop brasileiro dos anos 1980) e Mate-me por favor (apanhado de entrevistas com figuras importantes da cena punk americana).

Antes disso, porém, a literatura simplesmente não tinha lugar na vida da dupla. “Nossos pais, trabalhadores do interior, não valorizavam a cultura. Mesmo a música era limitada a Roberto Carlos e duplas sertanejas. Nem gibi eu lia”, confessa Igor. “Não posso dizer, como outras pessoas, que ‘eu fuçava, encantado, a estante de livros do meu pai’. Porque simplesmente não tinha estante com livros lá em casa. Eu via muita tevê, isso sim”, conta Leandro. Eles até admitem terem gostado de alguns autores clássicos e obrigatórios do ensino médio (Machado de Assis, Lima Barreto, Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles), mas foi mesmo a aproximação com o rock que os colocou na trilha dos livros.

Hoje, os dois revelam seu Top 5 literário na lata, sem pestanejar. Leandro vai de O apanhador no campo de centeio (J.D.Salinger), A imprudência de ser prudente (Oscar Wilde), O vampiro de Curitiba (Dalton Trevisan), Música caipira: As 270 maiores modas de viola de todos os tempos (José Hamilton Ribeiro) e “qualquer coletânea com o heterônimos do Fernando Pessoa”. Igor lista A redoma de vidro (Sylvia Plath), De profundis (Oscar Wilde), Pico na veia (Dalton Trevisan), O homem do subsolo (Dostoiévski) e A montanha mágica (Thomas Mann).

“Quando você termina de ler um livro imenso e complexo como A montanha mágica, sente que chegou num novo patamar de conhecimento, bem mais alto. Nesse sentido, ler é dilatar, exercitar a mente. Passa a caber mais coisa na cabeça”, afirma Igor. Para conhecer o trabalho da banda, acesse www.charmechulo.com.br.