Perfil do leitor | Allan Sieber

Ataque “sincericida”


Conhecido pelo humor sarcástico, inclusive sobre si mesmo, o quadrinista se diz influenciado por escritores fortemente autobiográficos


Omar Godoy

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Faz sentido que a “praia literária” de Allan Sieber seja a dos autores que não têm medo de escancarar a própria vida, a ponto de chocar pela extrema sinceridade de seus relatos. Afinal, boa parte do sarcasmo presente em seus quadrinhos é direcionada para ele mesmo. Traumas de infância, neuroses, problemas de relacionamento e, mais recentemente, os desafios da paternidade são o motor de uma produção marcada pela autoironia, o humor negro e a crítica de costumes.

“Acho que a literatura que mais influencia o meu trabalho é a de tom confessional. De Crumb a Bukowski, passando por Philip Roth e J.M. Coetzee”, afirma o artista gaúcho de 43 anos, radicado no Rio de Janeiro desde 1999. Nos quadrinhos, sua grande referência é o norte-americano Robert Crumb, ícone do underground. “Ele é supremo para mim. Aquela abordagem autobiográfica e o nível ‘sincericida’ em que ele chega sempre me marcaram muito.” 

Ainda no campo das HQs, Sieber cita duas obras clássicas e de cunho histórico que tiveram impacto direto em seu imaginário. Maus, do sueco Art Spiegelman, recria os sacrifícios enfrentados pelo pai do autor, um judeus polonês, para sobreviver ao Holocausto. E Gen — Pés descalços, do japonês Keiji Nakazawa, mostra como o quadrinista (então com 7 anos de idade) e sua família encararam as consequências do bombardeio atômico na cidade de Hiroshima. “Também leio muito o Daniel Clowes [mais conhecido no Brasil pela graphic novel Wilson], provavelmente o sujeito que melhor domina a narrativa em quadrinhos. É alta literatura”, recomenda. 

Entre os escritores propriamente ditos, Charles Bukowski é o nome mais forte de sua formação. “Leio e releio desde a adolescência. Ele estabelece uma cumplicidade única com quem se fodeu minimamente na vida. Por conta dele, passei a gostar de John Fante também”, conta o quadrinista, que também acompanha, desde sempre, o conterrâneo Luis Fernando Verissimo (cuja produção inclui, além do texto, tiras e cartuns). 

Reinaldo Moraes, Ricardo Lísias, Clarah Averbuck, Fausto Wolff e Philip Roth são algumas de suas leituras preferidas dos últimos anos. Sobretudo Roth, de quem Sieber procura ler tudo, especialmente os títulos mais recentes (como Homem Comum, Fantasma sai de cena, A humilhação). “São livros de velho, bem deprimentes, em que a morte e a decadência estão sempre presentes”, explica. 

Sobre a poesia, o artista reconhece que o gênero simplesmente “não bateu” para ele. Admira Mario Quintana, mas acredita que sua obra resvala na fronteira da prosa. Por outro lado, gosta dos microcontos de Dalton Trevisan, que considera quase poéticos. No fim das contas, considera- se “tosco” para entender o texto lírico. “Talvez eu tenha conhecido poetas muito ruins que me fizeram construir um muro antipoesia na minha vida”, diz Sieber, que se interessou pelos livros graças ao incentivo dos professores. 

“O hábito da leitura nunca esteve muito presente na minha casa. Meu pai gostava de quadrinhos, tinha muitas revistas Spirit, Fantasma, Gibi, essas coisas. Se ele leu três livros a vida inteira, foi muito”, ri. A profissão do “Seu Jouralbo”, no entanto, influiu diretamente na carreira do filho. Desenhista de publicidade, vivia cercado de material de desenho e histórias em  de quadrinhos “Além disso, eu sempre fui muito na minha, então ler era uma atividade prazerosa para mim”, lembra. 

Ainda sobre Jouralbo Sieber: em 2010, aos 80 anos, ele publicou, em parceria com o filho, seu primeiro livro de quadrinhos, Ninguém me convidou (reeditado em 2015). Ainda neste mês, a dupla lança outro título, O mundo segundo Jouralbo, em que mais de 40 quadrinistas de todo o Brasil desenham histórias escritas pelo veterano. “São quase 300 páginas, estou trabalhando nesse projeto desde 2012”, revela Allan, autor de mais de 15 livros do gênero. 

Apesar do currículo extenso, ele não se empolga com o mercado editorial de quadrinhos para adultos. “A [editora] Conrad puxou um bonde no final dos anos 90, e começou a ter uma sessão de quadrinhos bem fornida nas livrarias. Mas, em geral, o brasileiro ainda acha que o quadrinho é coisa para criança, retardado, ou as duas coisas. Não vende, simplesmente”, afirma o artista, que tem vontade de escrever ficção. “Sou muito autocrítico, mas é uma ideia que me persegue, principalmente por ser sem desenho. Já pensou que maravilha? Desenhar às vezes cansa.”