Perfil do Leitor | Maureen Miranda

Um livro para cada hora

Da literatura minimalista de Dalton Trevisan à “quase autoajuda” de Comer, Rezar, Amar, há espaço para todo o tipo de leitura nas estantes da atriz e artista plástica paranaense

Omar Godoy

Foto: Lu Stocco

Maureen Miranda ainda guarda o primeiro livro que leu do começo ao fim: A tragédia de Anne Frank, numa edição de 1959, hoje quase esfarelada. “Antes dos 13 anos, eu gostava das histórias policiais e de suspense da revista Seleções. Até que encontrei esse livro na nossa casa de praia e me impressionei com aquele relato terrível sobre o Holocausto”, conta a atriz, figurinista, diretora e artista plástica nascida em Pato Branco (PR).

Atraída por temas mórbidos, ela ficou ainda mais assustada quando encontrou uma mecha de cabelo entre as páginas. “Não é para ficar arrepiada?”, diz, mostrando o tufo avermelhado que certamente foi de alguém de sua família.

Outra de suas relíquias, como ela mesmo chama, é uma pequena coleção com cordéis publicados por Dalton Trevisan nos anos 1970. “Já me roubaram três. Mas a minha obra preferida do Dalton é Arara bêbada. Foi a primeira vez que eu gozei lendo alguma coisa”, revela.

Filha de uma artista plástica e de um promotor de Justiça com talentos para a música e o desenho, Maureen sempre teve acesso à literatura. Mas virou leitora para valer a partir das dicas de um professor em Paranaguá, no litoral paranaense, onde viveu até a adolescência. Por meio dele, teve contato com autores clássicos como Machado de Assis, Augusto dos Anjos,Olavo Bilac, George Orwell, etc. “Ele indicava um livro para a turma e quatro para mim, pois sabia que eu vivia lendo. Ainda hoje, leio uma hora e meia todos os dias, onde eu estiver.”

Aos 16 anos, já radicada em Curitiba e envolvida com o teatro, ganhou de um colega de cena O apanhador no campo de centeio e mergulhou na literatura americana. “Acho que estou nessa fase até hoje”, afirma, tirando da estante obras de John Fante, Michael Cunningham, Jonathan Safran Foer e Paul Auster. Em tempo: o amigo ator é Guilherme Weber, que mais tarde fundaria com Felipe Hirsch a Sutil Companhia de Teatro, da qual Maureen também faz parte.

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“Sempre vou até o final, mesmo se eu não estiver gostando. Por isso fico brava quando ganho um livro ruim.”










Em seguida, a reportagem flagra a pilha de cabeceira da artista. São cerca de dez livros, de autores diversos (Freud, Tolstói, Leminksi, Fabrício Carpinejar, Carlos Machado, Marcio Renato dos Santos). “Dá para perceber que eu leio muita coisa ao mesmo tempo”, diz Maureen, que jamais abandonou uma leitura. “Sempre vou até o final, mesmo se eu não estiver gostando. Por isso fico brava quando ganho um livro ruim”, brinca.

E por falar em livro ruim — ou melhor, de gosto duvidoso —, destaca-se numa de suas estantes um exemplar de Comer, rezar, amar, o hit planetário de Elizabeth Gilbert. “Não tenho preconceito com livros. Esse eu ganhei e indico, porque li num momento em que precisava de um aconchego emocional. É quase uma autoajuda.”

Também chama a atenção a quantidade de livretos escritos pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner, fundador da Antroposofia (a “ciência espiritual”, segundo o próprio). “Sou atriz desde os 16 anos, já mergulhei profundamente em muitas outras vidas e universos. Com isso, acabei me deixando de lado, me desconectando espiritualmente de mim mesma. A descoberta da Antroposofia me possibilitou um autoconhecimento e um autorrenascimento. Parece piegas, mas dane-se.”

Dois mil e treze mal chegou na metade e Maureen já inaugurou duas exposições (Caveiras e A palavra é), idealizou uma série para a tevê aberta local e estreou a peça Algum lugar nenhum (com sua Cia de Teatro Clepsidra). Além de dirigir e atuar no espetáculo, ela também assina o texto— mas não se considera uma dramaturga. “Minha escrita é acidental, despojada. Me arrisco no teatro porque é uma área em que me sinto à vontade. Não tenho nenhuma intenção de publicar, ser escritora. Quem quiser ler o que eu escrevo fora do teatro pode acessar o meu blog [maureenmiranda.blogspot.com]”, diz a artista, que em 2005 lançou o livro Botei um ovo, com ilustrações e pequenos insights.