Perfil do Leitor: Guilherme Weber
Estante variada, leitor feliz
Um dos fundadores da Sutil Companhia de Teatro, o ator e diretor curitibano Guilherme Weber se diz “disponível” para qualquer tipo de literaturaOmar Godoy
Surgida em Curitiba há quase 20 anos, a Sutil é uma das companhias de teatro brasile iras que mais apostam em adaptações de obras literárias contemporâneas. Seu portfólio inclui peças baseadas em livros de autores como Dalton Trevisan, Nick Hornby, Sam Lipsyte e até nos quadrinhos de Will Eis
ner. “Um grupo de artistas se reúne em uma sala com a obra de um autor. Depois de um tempo, saímos de lá com um espetáculo inédito e totalmente pessoal”, conta o ator e diretor Guilherme Weber, de 40 anos, cofundador da companhia com o amigo Felipe Hirsch.
Leitor assíduo e eclético, Weber cita uma frase do cineasta Federico Fellini para explicar seu paladar para livros: “Meu mestre é a disponibilidade”. “Sempre gostei desta afirmação. Acho que um leitor feliz se faz a partir da variedade. Literatura pop e alta literatura devem conviver em uma estante realizada. Nabokov e Hornby são vizinhos felizes na minha”, diz, justificando também a aproximação da Sutil com o rock and roll, o cinema e os quadrinhos.
Mas se engana quem pensa que o ator se interessou pelos livros por influência dos grandes poetas do rock, como boa parte de sua geração. Incentivado pela família e a escola, Weber iniciou seu percurso literário muito cedo, “copiando” os adultos ao redor. “Tenho uma foto de quando era pequeno, sentado ao lado dos meus pais, que liam enquanto eu segurava um livrinho de cabeça para baixo, fingindo ler. Imitava o hábito deles, o que me faz pensar que pais leitores formam filhos leitores”, diz.
O artista também lembra que as crianças da casa só recebiam presentes em datas comemorativas — a não ser que pedissem livros, liberados a qualquer momento. Nessa primeira fase, envolveu-se com Monteiro Lobato, Érico Verissimo e a literatura policial de Maurice Leblanc e Agatha Christie (a preferida de sua avó). Outra “sorte”, segundo ele, foi ter estudado em um colégio cujo currículo incluía a disciplina “Biblioteca”, em que os alunos podiam mergulhar livremente no acervo da escola.
“Lá, encontrei uma enciclopédia sobre a vida dos santos e descobri o prazer das biografias, além de um pouco de mitologia grega e narrativa fantástica. Lembro de ter uma tabela com a correspondência dos nomes dos deuses gregos para os romanos. Eu estudava aquilo como se fosse material para uma prova. A sorte de ler livros e autores certos nas épocas certas foi um privilégio que jamais deixou eu me afastar da leitura”, afirma.
Questionado sobre as primeiras obras que realmente o emocionaram, Weber tem as respostas na ponta da língua: O jardim dos esquecidos (V.C. Andrews), Bibi meia longa (Pippi Långstrump), Capitães de areia (Jorge Amado) e O apanhador no campo de centeio (JD Salinger). Este último, ele conta, foi seu primeiro contato com uma linguagem de estilo. “As peripécias de Holden Caufield por Nova York durante um final de semana marcaram na minha vida a transição entre a aventura e a alta literatura.”
Samuel Beckett também faz parte de seu cânone pessoal — seja por meio de textos teatrais, novelas, romances e estudos. “Foi o primeiro grande autor que eu li, que me marcou profundamente e me acompanha até hoje, ganhando cada vez mais fôlego na minha vida”, diz o ator, que também foi apresentado pelo teatro a Shakespeare, Tchecov, Moliére, Jean Racine, Bernard Shaw, os gregos.
Entre os autores mais recentes, Weber destaca o que chama de “santíssima trindade norte-americana”, formada por Philip Roth, Saul Bellow e John Updike. Também celebra nomes como Joseph Brodsky, Vladimir Nabokov, Michael Cunningham e Don DeLillo. E cita brasileiros: Marcelo Mirisola (seu favorito entres os contemporâneos), João Gilberto Noll, Milton Hatoum, Santiago Nazarian, Raimundo Carrero e os conterrâneos Dalton Trevisan, Paulo Leminski, Manoel Carlos Karam, Wilson Bueno e Cristovão Tezza.
Com tantos autores na bagagem, o artista acredita que a “angústia da influência” paralisou uma possível carreira literária. O que não o impede de se aventurar em adaptações de livros para o teatro e o cinema. Em 2011, transformou O altruísta, de Nick Hornby, na peça homônima estrelada por Mariana Ximenez (e que marcou sua estreia na direção). Agora se prepara para dirigir o primeiro longa-metragem, Deserto, cujo roteiro, baseado num romance do mexicano David Toscana, leva a assinatura dele e da escritora carioca Ana Paula Maia.
“O primeiro passo para começar esse tipo de trabalho é entender que adaptar uma obra para outro veículo é, de alguma maneira, reescrevê-la. Mas, como Beckett dizia, a receita é ‘Fracassar. Fracassar de Novo. Fracassar Melhor’. É um bom mantra para seguir sonhos impossíveis e não desistir deles. A voz de Beckett ecoa muito no roteiro de Deserto”, afirma.