Perfil do Leitor: Fernando Naporano

Poesia para ler até perder o nome


naporano

O ex-crítico de música e vocalista da banda Maria Angélica Não Mora Mais Aqui fala sobre os poetas que fazem sua cabeça desde a infância — especialmente os portugueses

Omar Godoy

Durante as décadas de 1980 e 1990, Fernando Naporano militou em duas frentes: a imprensa e a música. Como jornalista cultural, colaborou com veículos como O Estado de São Paulo, Correio Braziliense, revista Bizz e Rede Globo, além de publicações dos Estados Unidos e da Inglaterra. À frente da banda paulista Maria Angélica Não Mora Mais Aqui, gravou três discos e escreveu seu nome na cena underground com canções em inglês e sonoridade “regressiva”, inspirada no rock dos anos 1960.

O grupo acabou em 1991, quando Naporano iniciou uma temporada de 15 anos como correspondente internacional (primeiro em Londres, depois em Los Angeles). Em 2004, de volta ao Brasil, decidiu largar também o jornalismo. “Cumpri 25 anos ininterruptos e me aposentei porque a profissão acabou. Me recuso a trabalhar pelo salário de uma diarista”, justifica, no tom ácido e bem-humorado que é uma de suas marcas registradas.

Vivendo atualmente em Curitiba, o ex-crítico e cantor se dedica quase que exclusivamente ao que chama de “pesquisas”. Passa incontáveis horas lendo sobre música, cinema e, acima de tudo, poesia. “Ficção não é a minha praia, embora eu goste de alguns autores. Um João Silvério Trevisan aqui, um William Faulkner acolá.”

Seu cânone particular passa longe do lugar comum. Giuseppe Ungaretti, Eugênio de Andrade, René Char, Joaquim Manoel Magalhães, Eugenio Montale, Herberto Hélder e António Ramos Rosa são alguns de seus autores preferidos. “Quanto mais sintética, espaçada e pura, melhor a poesia para mim”, explica.

Naporano conta que foi tão apaixonado pelos românticos e surrealistas portugueses durante a juventude que resolveu concluir a faculdade de Letras em Lisboa. “Ainda amo Mário Cesariny de Vasconcelos, Carlos Eurico da Costa, Pedro Oom, António Maria Lisboa. São poetas que amam até perder o nome. Mas, hoje em dia, me identifico mais com a plenitude e a abrangência de um Ungaretti, por exemplo.”

Entre os brasileiros, cita Rodrigo de Haro, Adauto de Souza Santos, Claufe Rodrigues, Claudio Willer e Afonso Henriques Neto. Todos ainda vivos e, segundo ele, donos de uma “originalidade à queima roupa”. De resto, ele admite pouca ou nenhuma afinidade com os grandes nomes da literatura brasileira.

Também não gosta dos autores da beat generation, como seria de se esperar de um rocker convicto. “Sempre achei uma geração de panfletários, exibicionistas, gente que utiliza o choque pelo mero prazer de chocar. Desprezo [Charles] Bukowski, um péssimo escritor que virou moda. Só respeito, com muitas reservas, Jack Kerouac e Allen Ginsberg. Aliás, auxiliei o [poeta, ensaísta e tradutor] Claudio Willer em sua primeira tradução do Uivo”, diz.

Willer, junto com Roberto Piva e Jorge Mautner, “adotaram” Naporano quando ele ainda era um garoto precoce que frequentava shows de rock e lançamentos de livros em São Paulo, na década de 1970. “Tive o prazer de contar com uma consultoria direta dessas figuras, que me sugeriam leituras e emprestavam livros. Passei muitas tardes no apartamento que o Mautner dividia com o [artista plástico] José Roberto Aguilar, onde conheci figuras como Jards Macalé, Luiz Melodia, Fagner.”

O gosto pela literatura, no entanto, surgiu ainda mais cedo. Nascido em São Paulo, mas de origem espanhola e irlandesa, Fernando Naporano passou a primeira infância entre Madri e Dublin, onde aprendeu a ler, em inglês e português, praticamente sozinho. Lembra do primeiro livro lido (Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll) e faz questão de mostrar a coleção completa da série Os mais belos contos de fadas, da Editora Vecchi, que guarda até hoje. Em tempo: a casa em que mora, no bairro do Seminário, é um verdadeiro museu, com milhares de LPs, fitas K7 e VHS, CDs, DVDs e, é claro, livros.

NAPO

“Nunca tive estímulo para ler. Pelo contrário. Meus pais achavam que eu ficava tempo demais enterrado no quarto lendo”, diz o jornalista, que não acredita na ideia de que um ambiente familiar com muitos livros possa fomentar nas crianças qualquer tipo de interesse literário. “O maior exemplo disso é a minha filha de 13 anos, que detesta leituras e só quer saber de esportes e dança”, lamenta.

Ainda menino, Naporano começou a escrever os primeiros versos, dedicados a uma professora por quem manteve uma paixão avassaladora — e nada secreta. “Tinha 9 anos e não me conformei com o fato de que ela não me aceitou como namorado. Continuei escrevendo para ela e só desisti quando me apaixonei por uma menina da minha idade, com quem também não consegui nada. Hoje, acho que o poema é um animal, não se dirige à ninguém. Há oito anos que não escrevo nada direcionado a uma pessoa em especial.”

O ex-vocalista do Maria Angélica diz que produziu sete livros de poesia e um “antirromance” entre 1984 e 1990. “Todos ainda inéditos por conta de situações que fugiram completamente ao meu controle, como mal-entendidos com editores, difamações sem pé nem cabeça, editoras que pegaram fogo com meus livros no prelo e planos econômicos que pararam o país.”

Seu desejo, contudo, é publicar duas obras de poesia “intimista e internalizada” produzidas nos últimos dois anos, A agonia dos pássaros e A coerência das águas. Ou melhor: ver publicadas por uma editora. “A autopublicação não me interessa, porque não há distribuição. Se a poesia já é um nicho, gostaria que pelo menos a minha se espalhasse por vários guetos. Como dizia Sérgio Sampaio, ‘Um livro de poesia na gaveta não adianta nada, lugar de poesia é na calçada’.”