Perfil do Leitor | Charles Gavin

Para entender o Brasil

O baterista e pesquisador indica livros sobre música e futebol — assuntos que, para ele, são espelhos da realidade do país


Omar Godoy
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Parafraseando (pela enésima vez) a letra dos Titãs: Charles Gavin está lendo tudo ao mesmo tempo agora. Livros sobre arte, esportes, História do Brasil, indústria do entretenimento, economia... A razão é um novo projeto que ele desenvolve para a televisão, derivado de um evento realizado no Rio de Janeiro em novembro do ano passado. “Eu e o [jornalista] Arthur Dapieve convidamos vários artistas e jornalistas esportivos para um bate-papo sobre a compreensão do país através da música e do futebol. O resultado foi muito positivo e vamos tentar formatar essa ideia para o audiovisual”, explica.

Enquanto o programa não sai do papel, Gavin prepara mais uma temporada de “O som do vinil”, atração fixa do Canal Brasil que comemorou uma década no ar em 2017. Sempre lembrado como baterista dos Titãs (foi integrante da banda entre 1985 e 2010), hoje ele também é reconhecido pelo trabalho como pesquisador da MPB, com um extenso currículo de álbuns relançados e mais de uma centena de entrevistas realizadas com artistas, produtores, técnicos, etc.

“Quando eu comecei a mexer com esses projetos de memória da música brasileira, era duríssimo conseguir bibliografia sobre o assunto. Hoje a oferta está bem maior, e o mesmo vem acontecendo com o futebol. Tenho colecionado todos os livros que saem sobre os dois temas”, diz o músico, que já publicou cinco volumes com transcrições de entrevistas exibidas no programa — o mais recente sobre o disco A peleja do Diabo contra o dono do céu (1979), do paraibano Zé Ramalho.

Empolgado com suas últimas leituras, ele cita alguns títulos que o surpreenderam. Como A canção brasileira: Leituras do Brasil através da música, da socióloga Santuza Cambraia Naves, morta em 2012. “Ela não era musicista, mas tratava do assunto como se soubesse tocar um instrumento. Os artistas costumam ter um certo preconceito com os críticos e acadêmicos, mas muitos deles sabem mais do que muita gente do meio”, afirma.

Um livro de músico que se arriscou nas letras também está entre os preferidos do ex-Titã. É A estrada da cura, relato da jornada pessoal do baterista Neil Peart (membro do trio canadense Rush) após perder a filha e a mulher em um curto período de tempo. “Ele nem fala tanto de música no livro. Tem uma ou outra informação sobre o dia a dia da banda. Mas é fantástico conhecer a engenharia emocional que ele desenvolveu para superar essas perdas.”

Outras descobertas recentes que ele indica são Veneno remédio, de José Miguel Wisnik (“Mostra, de uma forma muito especial, como o futebol pode explicar o nosso país”), Maestros, obras-primas e loucuras, do crítico britânico Normal Lebrecht (“Trata dos bastidores da música erudita e do impacto das tecnologia digitais na indústria do disco”), e Como matar a borboleta azul: Uma crônica da era Dilma, da economista Monica Baumgarten de Bolle (“Explica, para o leitor comum, como chegamos nessa crise em que vivemos”).

Já comprado, porém ainda na fila para ler, está Cada um por si e Deus contra todos, recém-lançada coletânea com 13 contos inspirados nas faixas do clássico titânico Cabeça dinossauro, lançado pelo grupo em 1986. “Estado violência”, um dos temas do disco, é uma rara composição com música e letra de Gavin. “Escrevi quando ainda tocava no Ira!, na época ela se chamava 'Homem palestino'. A versão final surgiu alguns anos depois, e foi baseada na prisão injusta do Arnaldo Antunes”, conta. [Em 1985, o vocalista foi preso por porte de heroína e ficou detido por um mês]

Gavin lembra que o ingresso nos Titãs marcou uma nova fase em sua vida, e não apenas em termos artísticos e profissionais — mas também no que diz respeito ao seu repertório literário e cultural. Liderado por vários (e bons) letristas, o grupo rapidamente despertou o interesse de poetas como Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos, Paulo Leminski e Wally Salomão, entre outros. “O convívio com essas figuras, além de cineastas, jornalistas e outros artistas importantes, foi a 'cola' que faltava na minha formação”, afirma.

Uma formação que começou por meio de enciclopédias e coleções de fascículos compradas pelo pai, empresário do ramo de importação de relógios. “Ele não gostava de política, mas tinha muita curiosidade sobre tecnologia, guerras, fatos históricos”, lembra. “Logo que eu me alfabetizei, meu pai me deu uma coleção de dez volumes chamada Primeiros passos da ciência. Ali eu aprendi as primeiras noções sobre luz, som, eletricidade, magnetismo. Conceitos que me acompanharam para sempre na minha carreira como músico e produtor”, completa.

E por falar em música, Gavin avisa que deve voltar aos palcos em 2017. Ele ainda se apresenta eventualmente com a banda Panamericana (ao lado de outros veteranos do rock oitentista, como Dado Villa-Lobos), mas não excursiona para valer desde a época dos Titãs. Agora, no entanto, o baterista tem ensaiado “a sério” com a jovem cantora Duda Brack, o guitarrista Paulo Rafael (músico de apoio de Alceu Valença) e o baixista Felipe Ventura (do grupo indie Baleia). “Acho que essa combinação de músicos jovens com experientes está ficando bem interessante. Quem sabe a gente não cai na estrada no ano que vem?”, diz, empolgado.