Perfil do Leitor | Arnaldo Branco

Fome de humor

Filho de um crítico literário, o cartunista revela os livros e autores que influenciaram sua verve cômica

Omar Godoy


"Sou um descobridor tardio”, afirma Arnaldo Branco, com o tom autocrítico característico de sua produção de quadrinhos. Questionado sobre seus autores brasileiros contemporâneos preferidos, ele não cita nomes, apesar de atuar bastante no meio editorial. “Quando finalmente consigo ler o livro de algum colega, o sujeito geralmente já está na fase de negá-lo. Ou então já envelheceu demais para ser considerado um autor contemporâneo”, diz o cartunista de 45 anos, figura recorrente nos grande jornais e autor de livros de HQ como Mundinho animal, O mau humor de Arnaldo Branco e As aventuras do Capitão Presença.

Isso não significa que a literatura de ficção não faça parte de seu repertório. Pelo contrário. Filho do jornalista e crítico literário Aloísio Branco, Arnaldo cresceu vendo o pai cercado de livros. Além de possuir uma biblioteca imensa e escrever sobre o assunto, Aloísio também era amigo de autores, muitos deles célebres. “Às vezes eu atendia o telefone e do outro lado da linha estava alguém como o Drummond”, lembra

Seu pai, no entanto, parecia acreditar mais no poder do exemplo do que em alguma forma direta de “cooptação”. “O engraçado é que ele nunca forçou essa agenda. Apenas ficava lendo o tempo todo, fazendo aquilo parecer a coisa mais interessante do mundo”, conta o cartunista, iniciado (como muitos brasileiros hoje na faixa dos 40 anos) por meio da coleção Para gostar de ler, da editora Ática. Popularíssima entre as décadas de 1970 e 80, a série trazia as melhores crônicas de mestres do gênero como Fernando Sabino, Rubem Braga, Luis Fernando Verissimo, Paulo Mendes Campos. 

Mas o primeiro impacto literário veio com O apelo da selva, do norte-americano Jack London (também autor de O lobo do mar e Caninos brancos). “Peguei na biblioteca do meu pai, por causa do capa. O livro me emocionou tanto quanto pode emocionar um garoto que ama cachorros e encontra uma ótima aventura protagonizada por um deles. E que ainda por cima lidera uma matilha de lobos! O cão Buck foi o primeiro badass [“fodão”] da minha vida literária”, diz.

Passada a infância, Branco começou a procurar livros que não necessariamente eram indicados pelos professores. “Com certeza eu era o único da minha turma que fazia isso. Acho que ninguém lia na minha escola, era uma linha de montagem de engenheiros. Todo mundo está bem de vida, menos eu”, diverte-se. Segundo ele, foi um momento de descobrir autores que o ensinaram a importância de se ter um estilo. Uma lista que vai de Graciliano Ramos a John Steinbeck, passando por Nelson Rodrigues, Guimarães Rosa, Mark Twain, alguns beats.

Mas o artista realmente encontrou sua turma entre os escritores com inclinações humorísticas — figuras como Knut Hamsum, S.J. Perelman, David Lodge, Robert Benchely, P.G. Wodehouse, Graham Greene, Alberto Moravia. “Um dos livros que mais me fez rir na vida foi Fome, do Hamsum [sobre um jovem escritor miserável que vaga pelas ruas observando e narrando o cotidiano]. Foi mal aí, senhor Knut, se você queria denunciar com seriedade o descaso com que são tratados os aspirantes a artistas”, brinca. 

Como não poderia deixar de ser, os livros de quadrinhos completam a sua formação. Angeli, Robert Crumb, Lourenço Mutarelli, Adão Iturrusgarai, Laerte e Georges Wolinksi são suas principais referências na área — que, segundo ele, não avançou no Brasil em termos editoriais. “O mercado é inexistente, somos fantasmas em uma casa deserta. A gente fica só socializando para a cara transparente do outro. Somos praticamente um círculo do livro, lemos os livros dos nossos colegas e eles leem os nossos”, lamenta Branco, que também assina os roteiros de graphic novels baseadas nos clássicos Vidas secas (Graciliano Ramos) e Vestido de noiva (Nelson Rodrigues).

Essa faceta de roteirista é justamente seu foco no momento, porém na televisão. Depois de experiências na MTV (com a série Overdose), na Rede Globo (colaborou com o Domingão do Faustão e Casseta & Planeta Urgente) e no projeto independente Terminadores (exibido pela Bandeirantes e o canal pago TNT em 2016), o cartunista se dedica a uma série de empreitadas ainda não produzidas. “São projetos tão frágeis que podem se desfazer no ar se eu mencionar os nomes. Roteiros são tartaruguinhas correndo para o mar em um deserto. Vários vão morrer antes de encontrar um oásis”, explica. 

Arnaldo Branco