Perfil do Leitor | Alexandre Nero
Formação Na Marra
“Educado pela televisão”, o ator e músico conta como desenvolveu, tardiamente, seu gosto pelos livros
Omar Godoy
Foto: Divulgação TV Globo
Em quase quatro anos de “Perfil do Leitor”, Alexandre Nero é o primeiro entrevistado que afirma ter lido Paulo Coelho. “Também é a primeira vez que eu tenho coragem de contar isso pra alguém”, brinca o ator e músico de 45 anos, que leu O diário de um mago na adolescência. “Até então, eu só lia as coisas obrigatórias da escola, e achava tudo meio chato. Com esse livro foi diferente, eu tinha vontade de voltar para casa e terminar de ler”, explica.
“Educado pela televisão”, como ele mesmo diz, Nero não cresceu num ambiente culturalmente inspirador. “Na minha casa, a leitura não era vista como uma coisa prazerosa. Na verdade, não se consumia nada muito sofisticado em termos de cinema, teatro, literatura”, lembra. A linguagem acessível de Coelho, portanto, serviu como elemento facilitador — além da temática “libertária”.
“O que me atraía no Paulo Coelho não era a magia, o mistério. Era aquele discurso utópico que sempre atrai o jovem, com frases feitas, otimistas. Tanto que, logo em seguida, me interessei pela obra do Roberto Freire”, conta, referindo-se ao escritor e psiquiatra, autor do best-seller Sem tesão não há solução e criador da somaterapia (técnica de fundo anarquista e baseada na teoria reichiana).
Curitibano criado em São Paulo, Alexandre Nero voltou à capital paranaense aos 17 anos, depois de largar a faculdade de Administração. Virou “músico da noite” para pagar as contas e acabou fazendo amizade também com gente de teatro. “Foi então que se abriu um universo novo para mim. Mas aí eu precisei buscar uma formação cultural ‘na marra’, na ‘unha’. Morava quase do lado da Biblioteca Pública do Paraná e ia lá praticamente todos os dias. Foi minha sala de aula”, afirma.
Dessa fase, em que já fazia curso de ator, ele lembra de emprestar todos os livros de Luis Fernando Verissimo. “O Verissimo é outro cara que me atraiu pela facilidade do texto. Mas também pelo bom humor, uma das características que eu gosto em literatura. A outra é a sujeira, me interesso por quem mostra um lado mais sacana, sombrio da vida”, diz Nero, que credita ao teatro boa parte de seu repertório literário. “Através das pesquisas para fazer peças, entrei em contato com a obra de vários autores, como Julio Cortázar, Millôr Fernandes, Dalton Trevisan.”
Outra fonte de referências foi a convivência com os integrantes do Fato, grupo curitibano de MPB conhecido por resgatar e incorporar elementos regionais paranaenses. “Os caras são eruditos, quase todos atuam como professores na universidade. As conversas entre eles rolam num nível altíssimo, e eu ficava tentando guardar todos os nomes citados para pesquisar depois. Foi assim com Nietzsche, Freud, Jung, etc. E com os escritores locais, que são mais importantes, na minha vida, que Drummond e Machado”, revela o artista, que fez parte do Fato entre 1997 e 2007.
Seu “cânone” de curitibanos inclui Paulo Leminski (“Já tive fixação por ele, adoro os jogos de palavras”), Manoel Carlos Karam (“Me identifico com a maluquice”), Dalton Trevisan (“Pela sujeira”) e Cristovão Tezza (“Tem muita sensibilidade”). Mas ele também cita Ricardo Corona, Luiz Felipe Leprevost, Alexandre França e Marcelo Sandmann, entre vários outros. “A grande maioria dos livros da minha coleção é de autores da cidade ou nacionais. A única exceção é o Woody Allen, compro tudo dele que sai no Brasil”, conta.
Já gravando sua próxima novela (A Regra do Jogo, com estreia marcada para agosto), o ator se ressente de não poder ler mais. “São quase quatro anos sem férias, emendando um trabalho no outro e gravando todos os dias, o dia inteiro. Mas ainda consigo ler algumas coisas na base da porrada. No momento, estou interessado em livros de quadrinistas. Tem quatro separados aqui na minha estante: André Dahmer, Bruno Maron, Ricardo Coimbra e Arnaldo Branco.”
A carreira musical também está em pausa por causa das novelas sucessivas. Tanto que seu próximo projeto na área está previstos apenas para 2016: um disco só com músicas para crianças — “Agora tenho um álibi para isso”, brinca Nero, que será pai em breve. Há, ainda, a possibilidade de Nero lançar seu primeiro livro de poesia, que reuniria letras de música, anotações pessoais e textos publicados na internet. “Ainda não saiu por falta de tempo, porque medo de ser julgado eu não tenho mais. Graças ao Leminksi, entendi que poeta é quem se considera poeta. Por que você pode dizer que é ator, que é músico, mas não pode dizer que é poeta? O Leminski é genial porque nos deu essa libertação, ajudou a tirar a poesia desse pedestal inatingível”, afirma.