Perfil do Leitor: Adriana Vieira

A literatura é uma viagem


Para Adriana Vieira, a leitura é um percurso afetivo que a remete a vida marcada por viagens e cidades


Daniel Zanella

adriana

Adriana Vieira é formada em Fisioterapia, administra uma cafeteria e ler Os Miseráveis, de Victor Hugo, é um de seus objetivos mais urgentes. “Todo mundo me recomenda, mas ainda não consegui começar a leitura.” Adriana não tem uma memória afetiva de seu primeiro contato com os livros, mas lembra que, na infância, não desgrudava de gibis. “Depois, na faculdade, passei a ler muitos livros técnicos, indo, aos poucos, expandindo meu contato com o texto”, comenta.

Nascida em Londrina, desde 2007 Adriana é proprietária do CantataCafé, no centro de Curitiba. O nome foi inspirado em uma composição de Johann Sebastian Bach e o local acabou virando ponto de encontro de escritores e intelectuais. Adriana morou em Wenceslau Braz, Astorga, Santa Helena, Medianeira, Rio de Janeiro e Paris até resolver fincar pé em Curitiba, em 2006. Tem uma relação peculiar com a cidade. A adaptação à capital paranaense e à má fama de seus habitantes foi um processo lento. “Demorei para me ambientar, entender a dinâmica das relações sociais, a forma de distribuição de afeto do curitibano.” Mas hoje já pensa diferente, chegando até a encarar bares em dias chuvosos, comportamento considerado por ela um sinônimo de “curitibanidade”. “Estou aprendendo a viver aqui, não sou mais tão estrangeira.”

Depois que deixou a profissão de fisioterapeuta, a literatura entrou em sua vida de modo mais incisivo. Por indicação de amigos e escritores, muitos deles frequentadores de sua cafeteria, intensificou a leitura e passou a conhecer novas obras e autores. Gostou muito de Sidarta, do escritor alemão Herman Hesse, ganhador do Prêmio Nobel de 1946. Também se encantou com Muito além do nosso eu, último livro do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis e, agora, está lendo Os devaneios do caminhante solitário, do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, história que, por sinal, se passa em Paris. “Sou fascinada pela França, leio um pouco em francês e procuro coisas que relembrem, de alguma forma, minha passagem por lá. Dia desses, inclusive, vi Meia noite em Paris, do Woody Allen. Achei maravilhoso.”

Apaixonada por vinhos, Adriana também é fã de artes plásticas e tem grande admiração por artistas como Claude Monet, Claude Cézanne, Edouard Manet e Edgar Degas, “apesar de não conhecer muito a história deles”. Adriana sempre teve fascínio por biografias, sendo que Olga, de Fernando Morais, faz parte de sua biblioteca afetiva. “Tenho um afeto único por essa biografia porque foi a única vez que chorei ao ler um livro. O filme... Bem, o filme é bom, mas falta
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muita coisa ali. Eu tenho outro filme na cabeça, bem melhor.” Talvez por isso, Adriana nunca fez o caminho inverso: ler o livro por conta de sua adaptação para o cinema. Adriana acredita no caráter documental das biografias em que, segundo ela, pode-se aprender sobre os mais variados assuntos.

Para 2012, Adriana impôs uma meta à sua vida de leitora: ler pelo menos um livro por mês. Admite, porém, que a rotina de comerciante afunila o tempo dispensado à leitura. “É ótimo trabalhar com comércio, acabo conhecendo muita gente boa, interessante, escritores, músicos... Só que tem a parte burocrática, o dia a dia do negócio... Se eu quero ler — e as cafeterias são muito apropriadas pra isso —, não pode ser no meu café. Senão a leitura não anda e não consigo entrar no livro”, diz, levantando-se da mesa para atender um cliente no caixa.

Das inúmeras histórias com clientes, lembra de um assíduo frequentador do café que a levou até a livraria para lhe presentear com um livro. Título escolhido — uma coletânea de poemas em espanhol de Federico Garcia Lorca —, o simpático senhor fez uma caprichada dedicatória, se despediu e desejou uma boa leitura. O inusitado: despediu-se sem pagar o livro, problema que coube à presenteada. “Acabei me dando o livro”, relembra Adriana. No dia seguinte, Adriana acabou viajando e o senhor, apercebido de seu ato falho, foi até o café para desfazer o mal entendido. Chegou a fazer uma ligação internacional para pedir desculpas, além de comprar um outro livro.

De uns tempos pra cá, Adriana tem observado mais a rotina dos escritores que frequentam sua cafeteria. “Parece que vejo a construção dos personagens.” Para ela, escritores são pessoas muito detalhistas, com um tipo específico de tristeza, que veem a vida em câmera lenta. “É até um pouco assustador no início...”

Adriana arrisca algumas anotações, entre a crônica e o diário, que escreve em um pequeno caderno recheado de grifos. Nunca ninguém leu o que está ali, embora, depois que conheceu alguns escritores, tem feito leituras mais críticas daquilo que escreve. “Tenho uma espécie de diário, minhas impressões sobre determinados acontecimentos. É um tipo de terapia, uma relação minha com a escrita. Exponho para fora de mim, mas não ao outro.”