Os editores | Plínio Martins

Livros sobre livros

Na sétima entrevista da série “Os Editores”, Plínio Martins fala sobre o difícil começo de carreira, a convivência com grandes intelectuais e o trabalho que desenvolveu nas editoras Perspectiva, Edusp e Ateliê

Ronaldo Bressane

O mundo editorial recebeu a notícia com estranheza: Plínio Martins Filho saía da Edusp, casa editorial da Uni versidade de São Paulo que dirigiu por 26 anos, substituído por Valéria de Marco, professora do departamento de Letras Modernas sem nenhuma experiência editorial. A notória discrição de Martins — que, em vez de sair atirando, preferiu publicar uma carta de despedida agradecendo pelas oportunidades —, encobriu a esquisita nomeação. “Claro que eu não pensava em me eternizar no cargo”, contou ele. “Mas esperava pelo menos por um telefonema do reitor dando uma satisfação”, conta Martins, que soube da exoneração lendo o Diário Oficial. O ex-reitor Marco Antônio Zago teve atuação polêmica à frente da USP, marcada por congelamentos de salários, greves de professores e mais afagos ao baixo clero que acenos na direção dos luminares da universidade. No tocante à gestão da Edusp, cometeu no mínimo uma deselegância.     

Elegância é um dos eixos cruciais da carreira de Martins, que prefere falar de livros em lugar de comentar sobre alguma frustração aqui ou outra ali — e todo grande editor é um perpétuo insatisfeito, pois “fazer livros é um trabalho sem fim”, já dizia o Eclesiastes. Os milhares de livros que editou se caracterizam pela sobriedade e pelo apuro artesanal. Desde a Perspectiva, onde começou, aos 20 anos, um “semianalfabeto” acolhido por Jacó Guinsburg, passando pela Edusp, para onde foi convidado pelo professor João Alexandre Barbosa, até a Ateliê, sua editora familiar, em que já publicou 700 títulos. As editoras onde trabalhou acumulam dezenas de prêmios literários; ao sair da Edusp, legou à USP a melhor editora universitária do país, com 80 Jabutis na bagagem. Uma trajetória e tanto para este sofisticado capiau nascido no interior de Tocantins, filho de agricultores que nunca teve nenhum livro em casa e só foi calçar sapatos aos 12 anos.

Eu já o conhecia de outros carnavais: em 1999, a Com-Arte, editora do curso de Editoração da USP criada por ele, publicou meu primeiro livro, Os infernos possíveis. Foi portanto como um papo entre compadres que esta conversa fluiu — com direito a indiretas, diretas e várias cutucadas no mundinho editorial —, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, onde hoje Martins dá expediente. Algumas horas depois, já no café, o editor era comunicado que seu fundamental Manual de editoração e estilo havia vencido o Jabuti. Mais um para a coleção deste sujeito que adora publicar livros, e, principalmente, livros sobre livros.

Fotos: Rafael Roncato
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Depois de tanto tempo na Edusp, por que sair?
Saí por causa dessas coisas... no mundo hoje tudo ficou muito politizado. E quando tem uma eleição, os caras loteiam os cargos. Uma professora que vai para o seu lugar sem nunca ter sido editora... é algo político. É lógico que se espera que um editor dirija uma editora. Sobrevivi a seis reitores, menos a este. Apesar de ser um cargo político, sempre foi considerado um cargo técnico. Devo ser o único dirigente que ficou tanto tempo no cargo na USP: quase 26 anos. Tanto foi algo político que ninguém me ligou avisando. O chefe de gabinete só me comunicou que eu sairia: “Sua exoneração como presidente vai ser publicada amanhã no DO”, disseram. Numa boa, saí, espero que não destruam. Continuo funcionário da USP, meu salário é igual, então segui para a ECA, para a Com-Arte. Sou funcionário da USP e professor: cumpro 12 horas como professor e 40 como funcionário. 

Com essa saída abrupta, sente que deixou algo por fazer na Edusp?
Exercer a presidência da Edusp era uma designação dos pró-reitores. Nunca pretendi ser eterno, mas a ideia era criar e estabelecer uma editora aqui, um desafio que tive a chance de realizar. Entrei em 1989. Até então a Edusp não publicava nada, só financiava livros de editoras particulares. Editei 1600 títulos nesta fase. Hoje a editora tem autosuficiência financeira, não depende de investimento da reitoria, toda renda industrial é reinvestida nela mesma.

E como está sendo recomeçar a carreira aqui na Biblioteca Mindlin?   
Estou à frente das publicações da Biblioteca Brasiliana Mindlin desde março de 2016, chamado pelo ex-reitor Jacques Marcovitch, que faz parte do conselho da biblioteca. Sigo fazendo o que gosto: livros sobre livros. Editamos o Manual do aprendiz do bibliófilo, estou criando uma revista, e também transformando a Com-Arte em editora profissional. 

De onde vem sua paixão pelos livros?
Nasci goiano, mas mudaram o Estado então agora sou tocantinense (risos). Nasci em uma cidade chamada Pium, que quer dizer “borrachudo”. Era um lugar bem pobre. Meu pai era vaqueiro. Eu tinha sete irmãos. Fui o primeiro a estudar e chegar à universidade. Lembro que a primeira vez que fui à escola foi um dia feliz. Pobre não sonha: sobrevive. Minha irmã me ajudou muito, tanto em Porto Nacional quanto em Goiânia e Ceres, quando eu morava com ela. Eu não tenho apego à família, porque só conheço dos meus pais pra cá — meus avós vieram do Maranhão. Foi minha irmã quem me tirou de Tocantins. Será que se eu fosse para outra empresa eu teria sido outra coisa?

Como chegou à Perspectiva?
Por acaso: quando vim a São Paulo, meu irmão já trabalhava lá, no depósito, e ele me arranjou um emprego. Tinha 20 anos. Comecei morando na zona leste e estudava na Vila Mariana, chegava em casa já na hora de sair (risos). Depois morei num cortiço na alameda Santos. Na hora do almoço tinha curiosidade em ver como faziam livro. Vim de um meio sem a mínima formação intelectual, mas era fascinado por aquele mundo. Eu não lia nada. Era um analfabeto funcional, com 20 anos não tinha terminado o colégio. O único livro em casa era a Bíblia, que servia para colocar o dinheiro dentro, porque roubar o dinheiro da Bíblia era pecado (risos).  

Então foi difícil esse começo... 
O Jacó Guinsburg, por ser migrante, aceitava migrantes em sua editora. Tinha nordestino, gente do Centro-Oeste, judeus-europeus, era uma curva de rio sujo. Em 1971 ainda havia a seção de revisão, que já era uma escola. Comecei ali. Mal sabia ler. Às vezes eu passava um dia todo lendo uma página. Me sentia muito ignorante. Aí entra aquele orgulho em não voltar, típico do migrante. Fiquei com o Jacó durante 10 anos. Quando acabaram com os departamentos de revisão e vendas, ficamos só eu e ele. Aprendi a conhecer composição de tipos, processos gráficos. Me especializei então na produção, onde fiquei durante 18 anos. Jacó é um professor por excelência, então quando eu não queria trabalhar, enganava ele fazendo uma pergunta e ele passava a manhã falando (risos). 

Mas depois você teve uma formação acadêmica.
Fiz um curso de psicologia clínica na Faculdade Paulistana. Mas quando vi que os custos para abrir um consultório eram altos, doei todos os livros e resolvi me dedicar à edição. Com os contatos que fiz com os professores da USP, através da Perspectiva, o Jacó me sugeriu fazer uma pós-graduação. O curso de editoração na época era todo teórico. Então a professora Jerusa começou a me convidar a dar palestras, em 1986 — a editoração existia desde 1973. Resolvi fazer um mestrado sobre a Edusp, quando o João Alexandre Barbosa me chamou para trabalhar lá. Então comecei a dar aula e a estudar de fato o livro. Jacó ficou doente quando saí! A Gita me ligava e eu ia duas vezes por semana só pra conversar com ele. Mas ele tem tamanha grandeza que nunca me cobrou, sempre me ajudou.

O Jacó é outro sujeito loucopor livros que falam de livros.
São os editores quem decidem o que as pessoas vão ler. Por isso na Com-Arte começamos a coleção Editando o Editor, com depoimentos de editores como Ênio da Silveira, etc. Temos de cordel a Zahar, o Jiro Takahashi vai ser o décimo número da coleção. O projeto era da Marina Watanabe, que fez a maioria dos projetos da Edusp. Talvez eu seja o editor que mais publicou livros sobre livros no Brasil — uma compensação por eu não ter uma formação de editor. Hoje ninguém pode reclamar que não existe uma bibliografia sobre o assunto, como na época em que comecei. Minha biblioteca hoje é basicamente de livros sobre livros. Construí uma biblioteca fora da minha casa. Ficou linda. Deve ter uns 10 mil livros e um terço é de livros sobre livros. Tem também todos os livros que eu editei na Edusp, na Com-Arte, na Perspectiva e livros de trabalho, como os grandes clássicos universais.  

Como era trabalhar na Perspectiva?
A Perspectiva tinha um conselho que era o top do top. Antonio Candido, irmãos Campos [Haroldo e Augusto], Paulo Emílio Sales Gomes, Décio de Almeida Prado, Anatol Rosenfeld, Boris Schnaiderman, Teixeira Coelho... Um dia chegou o livo Três mulheres de três PPPs na minha mão, fiquei fascinado e disse ao Paulo Emílio. Ele recebeu meu elogio todo humilde; nunca me esqueço. Meu principal contato era o João Alexandre Barbosa, que eu editava na Perspectiva. Quando ele foi convidado pelo então reitor José Goldenberg para fundar a editora, me chamou. Tive de ir a um cardiologista, pois achava que não ia aguentar. Começamos a Edusp do zero. Foi uma briga enorme, você não tem ideia! Ninguém queria essa editora. Antes, a Edusp era uma mera agência de financiamento de editoras particulares, dominada por um grupo de pró-reitores. Um exemplo do patrimonialismo brasileiro, da pilhagem do Estado. João Alexandre denunciou a corrupção que havia. O Goldenberg nos dava muito apoio. Também comecei a trabalhar com alunos. Por isso todas as coleções foram criadas pela Marina Mayumi Watanabe, ex-aluna da ECA. Depois de um tempo renunciamos ao orçamento da USP para ter maior liberdade editorial, desde que a gente pudesse usar a renda industrial. E é até hoje assim, daí a Edusp ser uma editora autossuficiente. Tudo o que você vende, volta para o caixa da Edusp. Antes não havia autonomia. Hoje há um retrocesso.


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O retrocesso é geral, não?
As editoras universitárias tiveram seu auge cinco anos atrás. UFMG, UFRJ, todas elas foram grandes nos anos 2000. Hoje, todas as editoras de universidades estão afundando — a primeira foi a da UnB. Tínhamos estandes incríveis nas feiras pelo mundo, porque recebíamos muito apoio. Por dois anos seguidos ganhamos prêmios de uma feira no México como o melhor estande. As editoras universitárias tinham muita visibilidade. Da Unicamp, saiu o Paulo Franchetti, começou a afundar. Em Minas, tiraram o editor, começou a afundar. Agora começaram a falar que fazíamos livros caros e que querem fazer livros digitais, o que é uma piada. A única política da atual gestão é de fazer livros didáticos, o que é um retrocesso. A Edusp tem 20 pessoas na área editorial. Na comercial tem 40 pessoas. Por mim, deixaria só o editorial.

Por conta dos entraves burocráticos, das hierarquias e das tecnicalidades dos concursos, ter carreira de sucesso dentro do serviço público não deve ser fácil.
Olha, eu sou um workaholic obsessivo. Me dediquei a editar 24 horas por dia. Sempre fui o primeiro a chegar e o último a sair. Fui presidente logo depois que saiu o Sergio Miceli. Pedi pra que mudassem o estatuto: o presidente da Edusp seria o presidente da co missão. Tem o presidente da editora e o diretor-executivo. Na comissão entrou o Mindlin, como o presidente da comissão editorial, que defendia muito a editora. Ele escolhia os livros e eu os editava. Era um processo mais democrático. Com a saída do Mindlin, a comissão editorial passou a escolher os livros. Acabei com os financiamentos de co-edição. A partir daí, dividíamos as tiragens, mas só para viabilizar os livros. 

Como fundou a Ateliê?
Minha mulher, Vera Lúcia Belluzzo, trabalhava com publicidade. Quando vieram os filhos, pensamos em um negócio familiar. Os meninos estavam entrando na adolescência, um queria fazer arquitetura e o outro jornalismo. Meu filho Gustavo chegou a fazer sete livros, foi o mais jovem autor brasileiro, publicou com sete anos. Chamei um outro aluno e criamos a editora, que ficava na Vila Mariana. Eu precisava fazer uma terceira via, depois da Perspectiva e da Edusp. Fizemos 700 títulos em 20 anos. É sempre bom ter muita experiência, não fazer as coisas correndo. Editora tem que ter catálogo, não pode ter poucos livros. No fundo, hoje, a editora é da minha mulher. Fazemos 30 livros por ano, já fizemos 50. Essa é a crise mais duradoura de todas.                                                                                                                                                                                                                                                     

Comente a afirmação: “Livro no Brasil é caro”. 
Existe uma relação clara entre poder aquisitivo e venda de livro. Na época do Plano Real a gente tinha que entrar na fila das gráficas tal era a demanda. A primeira coisa que as pessoas cortam numa crise é a cultura. Com a crise, as livrarias não pagam… em 2016 a Livraria Cultura estava negociando dívidas para 2018! Como negócio, o livro talvez seja um dos piores do mundo. Não há produto mais difícil de vender. As tiragens são baixas, os livros são caros, o povo não lê. Uma edição de 2 mil exemplares de Os sertões custa 60 mil reais, o preço de um carro. Só que você não recebe esse dinheiro antes de seis meses, ao contrário de um carro. Na cadeia do livro o único agente que se compromete a pagar as contas é o editor. A livraria só devolve 90 dias depois, em consignação. É um negócio que só dá certo a longo prazo. Se o sujeito for obsessivo para ganhar dinheiro, consegue — o José Olympio não soube ganhar dinheiro, mas seus filhos, que criaram a Sextante, sabem ganhar dinheiro. O difícil é fazer o balanço entre a cultura e o negócio. O Jacó foi o primeiro a receber os originais de O nome da rosa, que custava 1.500 dólares. Ele disse: “Não é minha área, não é ficção”. Como negociante, pode ter comido bola, mas como editor, mostrou coerência. Agora, voltando à sua pergunta, o livro brasileiro não é caro — isso é desculpa de quem não compra livro. Vai comprar lá fora! Na França, nos EUA, em Portugal, na Alemanha, na Argentina, é sempre mais caro. A diferença é que lá eles têm hábito de leitura.  


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A Ateliê faz livros bem artesanais, não?
O primeiro livro da Ateliê foi O mistério do leão Rampante, do Rodrigo Lacerda, que trabalhava comigo na época. Levei o livro para casa, deixei em cima da mesa da cozinha, horas depois minha mulher vem dizer: que livro é aquele, tão bom? O livro foi um sucesso, ganhou Jabuti, etc. Esse livro tem um significado afetivo muito grande. Sim, sempre gostei de uma coisa mais artesanal. E gosto desse foco de livros sobre livros. Na coleção Arte do Livro, estou fazendo um livro sobre capas de livros brasileiros do século XIX a 1950, já fiz um com as capas do Santa Rosa, fiz um só com as capas do Eugênio Hirsch... estou fazendo também um livro sobre os mais de mil livros editados pelo Massao Ohno, com projeto gráfico do Gustavo Piqueira, que é hoje o meu designer favorito. Tem muito público para livros sobre livros. 

O que te diz o que é um bom texto literário?
Sempre me cerquei de bons conselheiros. Na área de literatura, era o Ivan Teixeira quem me dizia o que é um bom texto literário. Nunca faço o julgamento definitivo, preciso de outras pessoas, gosto de pareceristas, especialistas. Marcelino Freire foi um caso típico: quem me trouxe foi o João Alexandre.

Que livros quis mas não conseguiu publicar? 
Dois livros que não consegui publicar foram o História da leitura, do Alberto Manguel, que me foi indicado pelo João Alexandre, mas a Companhia das Letras pegou, e Elementos do estilo tipográico, que a Cosac pegou. Mas são frustraçõezinhas. Eu faço o possível.  

O que acha do e-book?
Você não deseja o que você não vê. E o livro digital você não vê. Daí eu entender o seu relativo insucesso. Como Eco dizia, depois da roda, do garfo e do livro, não há o que reinventar. O livro impresso você toca, você vê, você deseja. Nas teses de universidade, dificilmente alguém cita um livro digital, bem como sites e páginas. Eu acho que quem vende livro digital quer vender os suportes que vêm atrás, o e-reader, o celular, etc, e não o livro. Novas tendências vão existir, mas livros ficarão. 

Que acha do preço fixo?
Não funciona no Brasil. Vai proteger os grandes, não os pequenos. Não acho que seja uma solução. Acho que deveria haver é uma política de hábitos de leitura, estimulada pelo Estado. Porque mesmo que sejam oferecidos livros baratinhos, sem o hábito de leitura, ele não será vendido. Quem acabou com as livrarias foi o próprio governo. Quando o governo começou a comprar livros, as livrarias foram fechando, porque ninguém mais ia. Outro ponto é que o correio é muito caro e ineficiente. Segundo a Unesco, o ideal seria ter uma livraria a cada 50 mil habitantes — veja o déficit do Brasil. O livro de bolso é um apelo marqueteiro, porque não cabe nem no bolso, nem no formato. Nos EUA, o paperback é muito mais barato. Na França as pessoas não tem o fetiche do objeto, então pega qualquer edição e lê. Desenvolvi, ao lado do Plínio Coelho e do Manuel da Costa Pinto, um projeto chamado Escrínio, que custava R$ 3,70 o livro, faz uns 10 anos. Machado, Dostoiévski, etc, para vender em banca de jornal. Mas a distribuidora pediu uma campanha massiva de mídia, as gráficas reclamaram por causa do preço, e a livraria reclamava que o livro barato não pagava a nota. Ou seja, no Brasil a cadeia distributiva não se interessa pelo livro barato. O fetiche é outro problema. A ditadura do design pode matar o livro. Veja o caso da Cosac Naify. Você só ganha dinheiro com livro em alta tiragem. Agora estou de olho na Carambaia e na Ubu. Como vão sobreviver? Tudo bem, gostam de fazer, façam. Mas para ir longe tem de ter um olho no negócio. O retorno do livo é muito baixo. Você ganha com altas tiragens e grandes catálogos, é a cauda longa. A Amazon ganha dinheiro com o catálogo infinito que ela tem.  

Não seria uma boa o Estado cortar as asinhas da Amazon, como em outros países?
Se tivéssemos livreiros honestos, até defenderia a queda da Amazon (risos).A Livraria Cultura usou meu dinheiro para investir e não pagou o que me deve. Como defender? Já a Amazon paga, porque ela não pega livro em consignação. A Cultura começou a degringolar quando passou a demitir livreiros e a usar a consignação. Mas há livrarias sustentáveis, como a Martins Fontes, que só vende livro. A Livraria da Vila é meio mal administrada, nem eles sabem o que venderam. A última vez que estive na França fui a um centro de pesquisa de livro, que tem seu próprio jornal falando de lançamentos, eles têm um sistema online ligado a livrarias e editoras. Aqui não dá para ter certeza sobre os números dos livros vendidos... eu não confio nessas listas de mais vendidos, você confia?  

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Papel e correio são outros problemas... 
Livreiros e editores deveriam lutar para abaixar as taxas pagas aos correios pelo envio dos livros. Aqui, dependendo de para onde você manda o livro no Nordeste, tem de fazer seguro. Para Portugal é uma burocracia danada: se não provar que é um livro, o livro não entra, tem que passar por um processo de “desalfandegação”. Quanto ao papel, eu preferia que as indústrias pagassem imposto sobre o papel da linha branca, que hoje é imune. Porque as indústrias papeleiras exportam o papel bom e deixam aqui o ruim. Quem se beneficia é a indústria de papel, e não a do livro. 

Qual o livro que mais te fez a cabeça? 
Gosto muito d’O livro disso, de Georg Groddeck, um precursor do Freud, que é sobre o inconsciente. Foi a melhor terapia que já fiz sobre autoconhecimento. Consigo conversar comigo mesmo por causa desse livro. Fui lembrando de como, na infância, meus dedos estavam sempre cortados. Eu vivia chupando os dedos, porque sempre cortava os dedos. Só parei com isso quando quebrei o braço caindo de um cavalo. Ou seja, era algo inconsciente. Eu vivia me cortando, era um selvagem. Só fui calçar sapatos com 12 anos, só andava de salgabunda, o precursor das havaianas, que quando acabava o cachorro comia (risos). 

Acredita em sorte?
Sorte a gente faz. Cair no lugar certo, com as pessoas certas, ter boas amizades. Minha sorte foi trabalhar com uma pessoa culta e generosa como o Jacó. O acaso me levou. Sobrevivi e estou feliz com o que faço. Tenho muitos amigos e desprezo os inimigos, pois os desconheço. É isso.