Na biblioteca de Benett

Tudo pode dar certo

Alberto Benett reuniu ao longo da vida pouco mais de mil livros, que revelam a trajetória de sucesso do cartunista que descobriu sua profissão graças às primeiras leituras


Kaype Abreu
Fotos: Kraw Penas
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Alberto Benett, 42 anos, diz que os autores que mais impactaram sua vida de leitor foram Jaguar, Angeli e Charles Schulz, todos desenhistas com atuação na imprensa. Coincidência ou não, Benett também se tornou um desenhista e trabalha em jornais, atualmente na Gazeta do Povo e na Folha de S. Paulo. 

Trinta anos separam o primeiro contato que ele teve com livros com a sua biblioteca, que hoje soma mil e duzentos títulos, de literatura, quadrinhos, cartuns a romances gráficos. Inicialmente, ele teve acesso principalmente a clássicos literários, entre os quais Volta ao mundo em 80 dias, de Júlio Verne, Fausto, de Goethe, e As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift — que integravam a coleção da casa dos seus pais, não leitores. “Naquela época, não havia livrarias em Ponta Grossa, cidade onde nasci e morei por algum tempo. Então, eu e um amigo íamos em busca de livros em papelarias e na biblioteca da cidade.” 

Adolescente, conheceu a obra dos escritores Charles Bukowski, Jack Kerouac e John Fante — que atualmente já não despertam o interesse de Benett. “Foi mais uma fase”, diz. Entre os livros que ele costuma reler figuram a obra completa de Millôr Fernandes, O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger, e Dread & Superficiality, de Stuart Hampley (uma espécie de Woody Allen do cartoon, segundo Benett). 

Autor dos livros Benett apavora! — Para toda família disfuncional!!! (2007) e Amok — cabeça, tronco e membros (2013), Benett diz que atuar como desenhista, seja por meio de livros ou na imprensa, exige repertório e responsabilidade. Durante o ensino médio, ele teve uma breve passagem como cartunista em sua cidade natal. “O curso de jornalismo me ajudou a ser crítico, mas não infantil”, comenta o jornalista formado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). 

Benett também escreve, já publicou crônicas na Gazeta do Povo, coordenou a revista Zongo Comics, que trazia até entrevistas, e em seu espaço na internet (http://benettblog.zip.net/), produz sistematicamente textos que revelam as suas leituras, com muitas referências, principalmente a Woddy Allen, um de seus autores favoritos. 

A sua rotina atual exige uma divisão de tempo, uma vez que, além do trabalho, divide o tempo com a mulher e dois filhos. Mas não abre mão dos livros e de conferir os Simpsons na TV. “Acho que minhas leituras de certa forma construíram quem eu sou”, diz.

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O super-homem vai ao supermercado, de Norman Mailer 

“O livro narra a cobertura das convenções democratas para escolher os candidatos a presidente dos Estados Unidos. O Mailer acompanhou todos os debates e comícios”, diz. O super-homem vai ao supermercado também retrata o contexto social dos anos 1960, com a Guerra Fria, o movimento hippie, a revolução sexual e a guerra do Vietnã.

Dread & Superficiality, de Stuart Hampley

“São as gags que o Woody Allen tinha de gaveta. Um quadrinista transformou em quadrinho. Isso me influenciou muito o meu estilo de humor: o tipo da piada, a temática. Descobri Woody Allen quando passou na TV pela primeira vez Sonhos de um sedutor. Eu me identifiquei porque era um personagem meio desastrado.” 

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É pau puro!, de Jaguar 

"É um livro só de cartuns, quase um manual para quem está começando, desde o desenho até o estilo do humor. O Jaguar é histórico. Na época (eu tinha 13 anos) em que eu adquiri era um tesouro perdido. Não existia internet, para conseguir uma coisa dessa tinha que vasculhar em sebo.”

Vida no inferno, de Matt Groening

“Matt Groening é o cara que criou o Simpsons. Esse é o primeiro trabalho dele. O Groening tem um tipo de humor muito particular, é autobiográfico e pessimista. Mas é uma autocrítica com humor, não é vitimista”, conta Benett. Vida no inferno foi criada no final dos anos 1970 e publicada por mais de 25 anos na imprensa. 

Millôr: obra gráfica

“Millôr consegue unir o desenho com um texto que é magnífico. Não existe no mundo alguém com tantas frases brilhantes e que seja também um excelente desenhista. Tem uma simplicidade aparente, mas é muito difícil fazer o que ele faz”, diz o Benett. O livro reúne 500 originais, que abordam os principais temas dos 70 anos de produção de Millôr.

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The Peanuts Collection, de Charles M. Schulz 

“Gosto mais do Charlie Brown do que do Snoopy. Ele é mais existencialista — é quase um espécie de Woody Allen dos quadrinhos”, conta. Ambos os personagens fazem parte da série Peanuts, uma das mais populares do mundo.

Factotum, de Charles Bukowski

“Quando eu tinha uns 20 anos, Factotum era um dos meus prediletos. Eu tinha interesse em saber como era o underground americano e acho que o livro mostra bem isso”, diz. O livro conta a história de Henry Chinaski, um desempregado alcoólatra que cruza os Estados Unidos trabalhando em empregos temporários e se dedicando à escrita.

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O apanhador no campo de centeio, de J.D. Salinger 

“O que me cativou em Salinger foi a postura dele. O narrador é um pouco niilista, confuso e com uma vontade imensa de sair daquilo que o destino tinha reservado para ele. Salinger me inspirou a criar o Amok, personagem que lancei em 2013”, diz. O livro narra um fim de semana na vida de Holden Caulfield, um jovem adolescente que, na volta de um internato, reflete sobre a vida.

O melhor da Disney — As obras completas de Carl Barks

“Carl Barks fazia as histórias de aventura da Disney. Ele que inspirou Indiana Jones. As narrativas dele geralmente envolviam busca de lugares inexplorados, fugindo do óbvio”, conta. Barks é criador de, entre outros personagens, Tio Patinhas, Irmãos Metralha e Professor Pardal.