Minicontos
Só poeira
Luiz Bras
Bolas de feno ao sabor do vento
Preste atenção a tudo o que não faz sentido ou não tem importância. A tudo o que não encaixa direito. São sinais, eles podem estar tentando se comunicar com você. Preste atenção aos detalhes irrelevantes. Recolha todas as peças, não deixe escapar nada. O despertador que atrasou dois minutos. O tijolo faltando no alto do muro. A nuvem com formato engraçado. A meia que sumiu. Sinais, compreende? Monte o quebra-cabeça. Eles podem estar tentando falar especificamente com você. Preste muita atenção, tome nota de tudo o que parecer tolo ou trivial. Meio século atrás eles descobriram nosso planeta, a civilização humana. Reuniram toda a energia disponível e dispararam em nossa direção uma série de mensagens amigáveis e entusiasmadas. Preocupados com nosso futuro incerto, mandaram pra nós, de presente, soluções científicas e espirituais. Coitados. O esforço foi tão grande que seu planeta foi pulverizado, seu sol também. As mensagens chegaram, mas em frangalhos. As ofertas de amizade e colaboração dispersaram-se na atmosfera. Viraram chuva semiótica. Uma placa meio torta indicando a rua errada? O silêncio súbito numa avenida de trânsito intenso? O desenho esquisito na mancha de óleo? Os clichês nos filmes americanos? Preste muita atenção, tome nota. São sinais, principalmente os clichês nos filmes americanos. São eles tentando se comunicar com a gente. O herói desativando a bomba no último segundo. O vilão frio e calculista com um tapa-olho e um gato. A família sempre atrasada no café da manhã. As bolas de feno ao sabor do vento nas cidadezinhas do Velho Oeste. O raio e o trovão acontecendo ao mesmo tempo. O cartão de crédito ou o arame abrindo qualquer porta. Sinais, compreende? Acenos de uma civilização distante, agora desaparecida.
Luiz Bras é romancista, contista e ensaísta. Autor de Sozinho no deserto extremo, Paraíso líquido entre outros, é colunista do jornal Rascunho, onde todo mês assina a coluna “Ruído Branco”. Os minicontos “Só poeira” e “Bolas de feno ao sabor o vento” são inéditos e integram uma nova coletânea, Pequena coleção de grandes horrores, que sairá pela Terracota Editora, em março de 2013. Vive em São Paulo (SP).