Especial | Literatura de fantasia

E a literatura fantástica no Brasil?

O editor e escritor Thiago Tizzot analisa a trajetória do gênero no país, seus autores, editoras e público

Divulgação

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Presente em mais de 20 países, a Comic Con Experience é o maior evento nerd do mundo. No Brasil, foram realizadas duas edições.

Hoje parece estranho contar para alguém que há alguns anos encontrar um bom livro de literatura fantástica era uma tarefa tão difícil quanto derrotar um dragão ou todo um império. É mais ou menos como explicar à minha filha que, antes, para acessar a internet, era preciso discar determinado número no telefone, e não o celular. “Ah vá, pai”, é o que ela me responde e compreendo que seja o que um leitor novo de fantasia responderia também se eu dissesse que, naquele tempo, se você já tivesse lido O senhor dos anéis, Harry Potter e não soubesse inglês, não restariam tantas opções assim para sua próxima leitura.

Escrever era uma tarefa complicada também, poucas editoras abriam espaço para um romance fantástico. Assim como era difícil convencer as livrarias de que literatura fantástica não era apenas coisa de adolescente. Pode parecer um texto rabugento, talvez seja, mas era como as coisas funcionavam. Existiam sim projetos, produção e boas iniciativas, mas em um mundo bem menos conectado do que o de hoje era difícil saber o que estava acontecendo.

É impossível dizer quando ocorreu a mudança, o momento exato que a literatura fantástica passou de ignorada para uma das mais rentáveis do mercado atual. O sucesso de Harry Potter talvez tenha sido o primeiro sinal do que a literatura fantástica realmente poderia ser. Porém foi preciso a força do cinema e um fenômeno que extrapolou a literatura — o “ser nerd é legal” — para que a literatura fantástica ganhasse espaço de fato. Um bom exemplo é o George R.R. Martin e seu Crônicas de gelo e fogo. O livro foi publicado em 1996 e era um grande sucesso de vendas e público, porém aqui permanecia praticamente desconhecido. Veio a série de TV, os livros venderam absurdamente e qualquer coisa que tivesse o nome do escritor americano na capa atraía a atenção do público.

Hoje o mercado oferece inúmeros títulos, séries, autores e até guias que explicam os universos fantásticos que aparecem nos livros. Autores importantes como Asimov, LeGuin, Pratchett, Moorcock, antes esquecidos, agora recebem edições caprichadas. A oferta é farta e de qualidade.

Mas como ficam os autores nacionais que ainda não têm o apoio de adaptações cinematográficas ou para a TV? O caminho é mais tortuoso, escorregadio, mas eles estão chegando lá e conquistando seu espaço. Hoje quase todas as grandes editoras tem um selo dedicado ao fantástico, selos especializados cresceram e se tornaram protagonistas do mercado. Já os autores brasileiros são responsáveis por intermináveis filas em bienais e eventos literários.

O fato interessante é que apesar de todo o interesse e números incríveis, tanto de vendas quanto de leitores, o mercado brasileiro sempre foi cauteloso com apostas nacionais. Eduardo Spohr é o grande nome, depois de quatro livros, angariou uma legião de fãs. Seus romances sempre estão entre os mais vendidos. Mas é um dos poucos, pois a grande maioria dos lançamentos e apostas das editoras são de autores estrangeiros, que já chegam com a segurança de números de vendas expressivos no exterior.

E entramos em uma questão que não é exclusiva da literatura fantástica, a aposta e construção de novos autores pelas editoras brasileiras. Hoje as grandes editoras, que têm a possibilidade de conquistar espaço em livrarias e na mídia, preferem esperar os autores que ganham projeção em pequenos selos ou na imprensa para então contratá-los. São poucos os nomes que surgem como novidade nas grandes casas editoriais. Normalmente, o autor já tem um trabalho e uma jornada percorrida. No caso de Spohr, foi um site que divulgou sua obra e o ajudou a chegar em um grande grupo editorial.
Para a literatura fantástica, a situação se complica um pouco mais porque não estamos falando de apostar em um autor, mas na construção de um gênero que até pouco tempo atrás praticamente não existia para o grande público. Inevitavelmente é necessário um período de aprendizagem por parte dos leitores, editoras e também dos autores. Este momento passou, todos tiveram tempo para traçar seus planos e aprender com seus erros. Alguns desistiram, outros evoluíram e começam a mudar o mercado.

A Bienal do Rio de 2013 foi o ponto de virada definitivo, a literatura fantástica foi uma das protagonistas e a partir daquele momento as editoras decidiram que precisavam tomar uma atitude. Selos foram criados, livros comprados e muitas traduções apareceram. Hoje a oferta de bons títulos de literatura fantástica é enorme. Eventos como a Comic Con Experience, em São Paulo, reúnem um número incrível de pessoas e é cada vez mais frequente a visita de escritores estrangeiros por aqui.

Depois de anos de extrema dificuldade, tudo indica que a vez da literatura fantástica chegou. Então este não é um texto rabugento, mas de esperança. Nunca as coisas foram tão boas como agora, e o futuro parece incrivelmente promissor. Ainda é preciso andar uma boa parte do caminho, estamos longe do ideal, mas a cada ano chegamos mais perto. Os leitores estão lá, os livros não param de chegar e as editoras parecem comprometidas a continuar trabalhando com o fantástico. Então, o que falta?

O autor nacional. Ele está presente nas editoras menores, entre os leitores mais informados, mas ainda não chegou ao grande público. Com algumas exceções, que aumentam a cada ano, os autores e autoras brasileiros ainda permanecem desconhecidos. Não sei se pode se falar em culpa, mas as razões para tal situação passam pelas editoras, pelos leitores e pelos autores. As editoras ainda precisam compreender que, com apenas um livro, não se pode saber se determinado autor dará certo ou não. É preciso um trabalho de construção e um pouco de insistência para que se crie uma base de leitores. Apesar de ter diminuído bastante nos últimos anos, ainda existe preconceito com autores nacionais de literatura fantástica. E os autores precisam entender que se você escreve e quer que seus livros sejam publicados, vendidos e lidos, você está dentro do mercado. E para entrar e conquistar seu espaço, é necessário conhecer como ele funciona, quem são seus leitores e o que fazer para suas histórias chegarem até eles. Ou seja, ainda precisamos amadurecer como editores, leitores e escritores, algo que vem com o tempo e a experiência.

Então a literatura fantástica no Brasil vai muito bem, mas queremos mais.