Especial Capa: A hora e vez dos vampiros

Gênero sem tradição no Brasil, a literatura de fantasia tem conquistado milhares de fãs e seus autores, best-sellers nacionais, incutido o prazer da leitura em adolescentes e jovens

Guilherme Sobota


Segmento dominado por sucessos estrangeiros, os livros de fantasia ganharam, nos últimos anos,
vampiro
best-sellers nacionais. Se antes dos anos 2000 o único vampiro que se tinha notícia na literatura brasileira era Nelsinho, o vampiro de Curitiba que gostava mais de sexo do que sangue, hoje o personagem de Dalton Trevisan tem a companhia de seres que fazem jus ao ofício de Drácula.

Hoje vampiros destruidores, que andam na companhia de anjos e demônios pelas ruas de cidades brasileiras, ganharam vez em nossa literatura. Com a expansão da internet, a literatura de fantasia estabeleceu um público fiel e numeroso, começou a ganhar espaço no cenário nacional e a ser publicada pelas grandes editoras do país.

Mas nossos vampiros encontraram muito crucifixo e alho até chegar às prateleiras das livrarias. Os percalços foram imensos. Com 13 romances publica
filhos
dos, o escritor André Vianco é um dos desbravadores da literatura de horror e fantasia no Brasil. Escrevendo há dez anos, Vianco teve um início de carreira curioso. Ao ser demitido de uma empresa de cartões de crédito, onde era operador de telemarketing, Vianco usou o dinheiro do FGTS para imprimir uma tiragem de mil exemplares do livro Os sete. De porta em porta, vendeu o livro para diversos livreiros de São Paulo e em pouco tempo esgotou a primeira tiragem. O que chamou a atenção da editora Novo Século, que passou a publicar os livros de fantasia do autor.

“Foi bem difícil publicar o primeiro livro, que acabou saindo de forma independente. Contudo, com o sucesso, tudo ficou mais fácil. Os sete já vendeu mais de 100 mil exemplares. Meus livros, no total, passam das 700 mil cópias vendidas. Com números assim, não há mais espaço para indiferença ou preconceito, editores gostam de livros que vendem bem. Hoje vejo que a literatura de fantasia nacional já tem um espaciosinho reservado nas prateleiras das livrarias”, diz Vianco.

Eduardo Spohr, outro best-seller do gênero de fantasia, passou cinco anos tentando a publicação de seu primeiro livro, A batalha do apocalipse. “Prefiro entender as dificuldades como obstáculos comuns a qualquer profissão, importantes justamente para que a gente supere os nossos limites”, diz Spohr, que publicou o livro primeiro de maneira independente, pela internet. Após a boa repercussão do romance pela rede, a editora Record foi atrás do autor e em seguida publicou o livro pelo selo Verus, em 2010.

Segundo Spohr, a internet foi fundamental para que as editoras compreendessem que existe potencial no mercado de literatura de fantasia. “A internet possibilita que os usuários se reúnam por afinidade. Esses grupos são potencializados, conversam entre si, transformam-se em formadores de opinião.” “A internet é uma das grandes democratizadoras do nosso tempo”, completa Vianco.

Mitologia brasileira

Vampiros, elfos, anões, anjos e demônios nunca tiveram muito espaço em nossa mitologia, mais afeita a
laura
criaturas como a “Mula sem Cabeça”, o “Boi Tatá” e o “Saci Pererê”. Ainda assim, foi a transposição do universo fantástico à realidade brasileira que fisgou nossos jovens leitores. Vianco é elogiado justamente por fazer essa ponte entre a tradição e o novo. “Os leitores curtem muito as incursões de boitatás, curupiras e sacis, mas claro que dou uma roupagem nova, mais articulada com nossa época, os leitores agora são bombardeados por filmes blockbusters norte-americanos, seriados, videogames, redes sociais, etc. É preciso saber escrever para esse público”, afirma.

“O Brasil, justamente por ter todo esse sincretismo, por ter paisagens das mais variadas e uma forte espiritualidade, é um cenário perfeito para esse tipo de narrativa”, afirma Eduardo Spohr. O autor ressalta, no entanto, que a produção de literatura de fantasia sempre existiu no país, mas que no passado as obras dificilmente chegavam ao grande público. Hoje em dia, além das pequenas editoras, que publicam em bom número, Spohr relaciona os eventos de literatura fantástica, como o “Fantasticon”, que acontece todo ano em São Paulo, e onde, segundo o autor, “há centenas de títulos de fantasia expostos”.

Os dois autores também citam Monteiro Lobato como um grande exemplo de boa literatura de fantasia feita – e bem aceita – no Brasil. “Acho que o que mais faltou foi uma pitada de ousadia nas criações dos escritores de fantasia para adultos e também perder um pouco do desdém ao se escrever fantasia para seduzir o leitor com a palavra, fugir dos textos extremamente cabeça e pegar a literatura para divertir o leitor”, diz Vianco, que acaba de lançar O caso Laura, romance que pende mais para a trama policialesca e de suspense.

Marcelo Amado, da Editora Estronho, voltada à literatura de fantasia, faz ressalvas a esse efervescente nicho de mercado. Com sede em Belo Horizonte, a Estronho só publica livros de fantasia de autores iniciantes. “Os leitores ainda têm medo de arriscar na compra de livros de autores nacionais do gênero – exclua aí os famosos. Por outro lado, as editoras esperam autores prontos e com vendas garantidas”, diz Amado.

Para o editor, o mercado de literatura de fantasia no Brasil ainda tem um longo caminho pela frente. “Há autores muitos bons que não têm uma real oportunidade de mostrar seu trabalho, a menos que estejam dispostos a desembolsar cerca de R$ 15 mil para bancar sua publicação nas 'grandes' editoras”