Especial Capa: Formadores de Escritores
Formadores de Escritores
Luiz Rebinski JuniorLuiz Antonio de Assis Brasil
O gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil é tão conhecido por seus romances quanto pela sua famosa Oficina de Criação Literária que, desde 1985, funciona, de modo ininterrupto, no âmbito do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Letras da PUCRS. Por sua Oficina já passaram 450 alunos, entre eles escritores hoje estabelecidos no cenário literário nacional, como Michel Laub, Amílcar Bettega, Cíntia Moscovich e Daniel Galera. Autor de romances importantes, como Cães da província (1988) e Videiras de cristal (1990), Assis Brasil é também um teórico da escrita. Na entrevista abaixo, o autor comenta o sucesso de seu curso e os principais equívocos que autores iniciantes costumam cometer.
Depois de muita discussão, as oficinas literárias se espalharam e se firmaram no país. Que tipo de benefício esses encontros podem trazer a quem pretende escrever ficção?
A oficina é uma etapa a mais que o escritor pode acrescentar à sua formação. A oficina não é o começo nem o fim de nada. É um espaço em que o maior benefício é a oportunidade de discutir os textos com colegas de ofício, sob a supervisão e conselho de um escritor sênior. Não se esperam maravilhas, nem milagres, mas apenas o amadurecimento necessário a quem deseja dedicar-se profissionalmente à escrita literária.
Quais são os principais equívocos que as pessoas que participam de oficinas cometem em relação ao texto propriamente dito?
Achar-se um gênio. Achar-se um idiota. Outro equívoco é sacralizar seus textos, impedindo a intervenção alheia. No plano puramente textual, o grande erro é o excesso, isto é, dizer com abundância aquilo que pode ser dito com essencialidade.
Nos Estados Unidos e na Inglaterra os cursos de escrita criativa estão na grade curricular das universidades. Por que acha que ainda não temos essa prática disseminada em nossas faculdades?
Creio que é, em parte, o natural medo do novo: “por que mexer nessas coisas, se está tudo tão bem, há tantas décadas?” Os cursos de escrita criativa ainda não se propagaram, em parte, pela falta de docentes — lembre-se que os docentes devem ser escritores e doutores. Isso afunila muito o número de professores disponíveis. Com o tempo isso será superado, como superado está nos países citados e em outros. Agora temos o novíssimo mestrado e doutorado em Escrita Criativa na PUC-RS, instituído a partir de março de 2012. A procura foi espantosa, mostrando o quanto havia uma — como se diz — demanda reprimida. Já começa bem e exitoso.
Vários escritores que hoje estão estabelecidos no cenário nacional participaram de sua oficina. Qual foi a contribuição de seu curso para a carreira desses autores?
Creio que a contribuição maior foi reuni-los com seus iguais, colocando-os em situação de diálogo e apoio mútuo. Para quem é despido de preconceitos, escutar os outros é o primeiro passo para a boa aprendizagem. Orgulho-me dos meus ex-alunos, naturalmente, e vê-los brilhar me deixa muito feliz. Gosto quando eles me põem como referência em suas trajetórias, mas o fato é que não temos como avaliar empiricamente o meu papel — sei, apenas, que não pode ser superestimado. Sou, no caso, apenas um professor.
Paradoxalmente, apesar das muitas alternativas que o escritor iniciante tem para publicar, como blogs e editoras independentes, a maioria deles quer mesmo se associar a uma grande editora e publicar no formato tradicional. O crivo das editoras ainda funciona como uma espécie de filtro?
Sim, ainda funciona. Há toda uma mitologia em torno do editor, o que vejo como muito natural. O livro em papel, entretanto, está em processo de superação e transformação, e para que ele circule, a presença do editor ainda é imprescindível. Talvez ainda o seja quando os meios digitais tornarem-se dominantes. O editor, afinal, é uma poderosa instância legitimadora. Publicar num blog dá certo nível de conforto, mas a bênção editorial significa, nas entrelinhas: meu livro deve ser bom, porque a editora x quis publicá-lo, e pretende ganhar dinheiro com isso.
A influência de um escritor querido é um dos obstáculos a ser superado por um autor iniciante. Quais são os caminhos para encontrar uma voz própria?
Realizei pesquisa acadêmica, financiada pelo CNPq, acerca dessa influência. Um dos quesitos perguntava aos ex-alunos o quanto ainda necessitavam da palavra do ministrante. A resposta foi que 48,54% precisavam desse apoio, o que é, na prática, quase a metade. A partir desse resultado alarmante, estabeleci estratégias para que eu me fosse “despedindo” dos alunos a partir do terço final do curso; preciso dar-lhes autonomia intelectual e autoral, caso contrário a oficina irá de encontro à própria essência da literatura, que é a liberdade. Parece estar funcionando. É o que mais desejo. Os caminhos para encontrar uma voz própria? Se são escritores de fato, essa voz própria acontecerá, mais cedo ou mais tarde. E isso pela singela razão de que é natural à escrita o caminho da originalidade.
Raimundo Carrero
Além dos premiados romances que escreveu, como Minha alma é irmã de Deus (2009), vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, Raimundo Carrero já escreveu três livros que tentam desvendar os mistérios da ficção: Sinfonia para vagabundos (1992), Os segredos da ficção (2005) e A preparação do escritor (2009). São livros que, de alguma forma, resultam dos longos anos de Carrero à frente de uma das mais antigas oficinas de criação literária do país, que, entre seus alunos, teve nomes como Marcelino Freire. Mais de mil alunos já passaram pela sua sala de aula desde 1989. Sobre esses alunos e a experiência de “ensinar” literatura Carrero fala a seguir.
Depois de muita discussão, as oficinas literárias se espalharam e se firmaram no país. Que tipo de benefício esses encontros podem trazer a quem pretende escrever ficção?
O problema é que o Brasil ainda é um país romântico. E toda a literatura nasce dessa inspiração romântica, espontânea. Em consequência, o escritor deve ser um aventureiro do sonho. Com o tempo isso foi passando e as pessoas foram verificando que a escrita é um exercício da intuição com técnica. Dom Casmurro, por exemplo, é um livro de um grande estrategista. É preciso estudo, muito estudo. Os escritores mais jovens do Brasil foram entendendo isso e frequentando oficinas. Estudando e estudando.
Quais são os principais equívocos que aos participantes de oficinas cometem em relação ao texto propriamente dito?
Aqui começa o inverso do romantismo. O escritor acredita que fazer uma oficina é suficiente. Nem pensar em intuição nem em técnica. Não é assim. Primeiro vem a ideia e depois, claro, a materialização. Escreve-se tudo aquilo que é imaginado e, em seguida, encontra-se a técnica — narradores, diálogos, cenas, cenários. Imagina-se a mágica, e só depois vem a mágica.
Nos Estados Unidos e na Inglaterra os cursos de escrita criativa estão na grade curricular das universidades. Por que acha que ainda não temos essa prática disseminada em nossas faculdades?
Nos Estados Unidos e na Europa, grandes escritores escreveram sobre suas dúvidas, inquietações e realizações literárias, e as universidades realizaram grandes encontros para discuti-los. Com o tempo, os encontros foram transformados em cursos e os cursos ganharam fundamentação teórica, pedagógica. A partir daí, a criação literária foi vista como profissão e os escritores tornam-se profissionais com diploma e tudo. Para o pragmatismo europeu e norte-americano era o suficiente.
Vários escritores que hoje estão estabelecidos no cenário nacional participaram de sua oficina. Qual foi a contribuição de seu curso para a carreira desses autores?
Em primeiro lugar, eles são escritores porque sempre estudaram. Uma oficina não é uma escola de mágicos. Não transforma iletrados em escritores. É possível que tenham apenas disciplinado a criação. E isso é bastante.
Paradoxalmente, apesar das muitas alternativas que o escritor iniciante tem para publicar, como blogs e editoras independentes, a maioria deles quer mesmo é se associar a uma grande editora e publicar no formato tradicional. O crivo das editoras ainda funciona como uma espécie de filtro?
A editora consagrada é uma espécie de afirmação intelectual. Todos precisam disso, mesmo os conhecidos e famosos. É uma espécie de selo de qualidade. Inevitável. Além disso, o escritor acredita que assim o livro chega logo ao leitor.
A influência de um escritor querido é um dos obstáculos a ser superado por um autor iniciante. Quais são os caminhos para encontrar uma voz própria?
Outro selo de qualidade. A apresentação defende o iniciante das críticas e garante um certo respeito imediato, dá ao autor uma certa garantia para enfrentar o leitor, sem dúvida.