Especial Capa: Cinema Paranaense

Nossas páginas, nossas telas

O cineasta Fernando Severo traça um panorama dos filmes paranaenses realizados a partir de obras literárias


Fernando Severo

O cinema de ficção demorou a chegar ao Paraná. Nossos pioneiros eram mais voltados ao documentário
Guerra Conjugal
, até porque faltava a eles quase tudo: equipamentos, estúdios, equipe técnica, atores gabaritados e, principalmente, roteiristas. Antes de Sylvio Back estrear em 1968 na ficção com Lance maior, com roteiro original, pouca coisa havia sido filmada por aqui no gênero, e praticamente nada a partir da literatura. A primeira adaptação literária que acontece no Estado também é de Sylvio Back, que em 1971 lançou o longa-metragem A guerra dos pelados, baseado no romance Geração do deserto, do escritor catarinense Guido Wilmar Sassi. No boom “superoitista”, que marca a transição dos anos 1970 para os 1980, onde pouca coisa teve origem literária, um dos destaques é a versão não autorizada do conto “O Besouro”, de Dalton Trevisan, realizada pelo cine
a guerra dos pelados
asta argentino Hugo Mengarelli, radicado em Curitiba. O filme assinala a estreia no cinema do ator Luiz Melo, hoje consagrado nacionalmente.
Ainda na fase do Super 8, realizei o curta-metragem Escura maravilha, livremente inspirado num poema de Jorge Luis Borges, e Nivaldo Lopes filma Pela porta verde”, a partir de um conto do mineiro Roberto Drummond.

No começo dos anos 1980, Rui Vezzaro também filma uma versão não autorizada do conto “Casa Iluminada”, de Dalton Trevisan. Por conta de problemas de direitos autorais, o filme tem seu título alterado para Noturno. Dessa época o ponto alto é o trabalho de Valêncio Xavier, criador da Cinemateca de Curitiba, que produz uma das obras essenciais do nosso cinema, uma livre adaptação do poema “O Corvo”, de Edgard Allan Poe, em tradução originalíssima de Reynaldo Jardim, declamada em off no filme por Paulo Autran.

Os anos 1990 trazem um aumento da produção local, graças às leis de incentivo locais e nacionais, mas ainda assim poucas adaptações acontecem, os cineastas que filmam nesse período dão preferência a roteiros originais, alguns vagamente inspirados em outras fontes, como meu filme Os desertos dias, que tem como ponto de partida um conto de Borges. É nessa década que Estevan Silvera inicia uma série, que prossegue até os dias atuais, de filmes adaptados com a autorização oficial de Dalton Trevisan, sendo que o maior destaque é Balada do vampiro, codirigido por Beto Carminatti. Carminatti, por sua vez, é o
Nevermore
nosso mais prolífico adaptador literário, tendo levado às telas obras de Fernando Pessoa, Georg Büchner, Dalton Trevisan, Paulo Leminski e Valêncio Xavier,
em duas codireções com Pedro Merege, o curta O mistério da japonesa e o longa Mystérios. Também transformou em filme seu próprio livro de poemas Mapa imundi.

Um fato novo na produção paranaense deste milênio é o surgimento de uma nova geração de realizadores que estudam cinema no Curso de Cinema e Vídeo da Faculdade de Artes do Paraná, também conhecido como Cinetvpr. Dentre esses jovens, Adriano Esturilho é um dos poucos a transitar entre a literatura e o cinema, com vários de seus contos transformados em curtas, sob sua direção ou de outros cineastas locais. No início dos anos 2000, Luciano Coelho dirige uma adaptação de um conto de Marcel Proust , “O Fim do Ciúme”, e recentemente filmou um conto de Machado de Assis. Na produção atual bebem de fonte literária o longa em episódios de Paulo Biscaia, Nevermore — Três pesadelos e um delírio de Edgar Allan Poe, e a curiosa o
Ex isto
bra que o londrinense Rodrigo Grota realiza a partir de uma criação de seu conterrâneo Rodrigo Garcia Lopes, biografando um poeta fictício em Satori Uso.

Os escritores paranaenses contemporâneos raramente tiveram obras adaptadas por cineastas locais, mas diversos deles têm livros roteirizados para projetos ainda em fase de desenvolvimento por realizadores do Estado, entre eles Miguel Sanches Neto, Fábio Campana, Roberto Gomes e Domingos Pellegrini. Cristovão Tezza e Pellegrini têm obras com direitos adquiridos por produtores nacionais que devem ser filmadas em breve. O constante crescimento dos mecanismos de financiamento para a realização de filmes no Brasil, possivelmente vai aumentar o número de escritores do Paraná que terão seus livros transpostos para a linguagem cinematográfica.




Fernando Severo é cineasta e diretor do Museu da Imagem e do Som do Paraná (MIS-PR). Dirigiu o longa-metragem Corpos celestes e os curtas Visionários e Os desertos dias. Vive em Curitiba (PR).