Especial | Caio Fernando Abreu

Pela passagem de uma grande dor

Publicado em 2009, com nova edição prevista para este ano, Para sempre teu, Caio F., da jornalista Paula Dip, apresenta a trajetória do escritor gaúcho, principalmente a partir do convívio dele com a autora


Marcio Renato dos Santos
Arquivo de Paula Dip / Reprodução
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Caio Fernando Abreu e Paula Dip tiraram fotos um do outro em frente ao prédio da Editora Abril, em São Paulo, em 1980.


Perdidos na selva

Durante a obra, Paula Dip procura definir quem foi Caio Fernando Abreu. Ela conta quais foram as suas primeiras impressões a respeito do amigo: “Afinal, qual era a dele? Cínico, louco, tímido, meigo, Caio tinha um jeito meio David Bowie de ser, e nada ficava muito claro: ele gostava de meninos ou meninas? Queria ser meu bem, meu zen, meu mal, ou nenhuma das anteriores? […] E era meio bruxo: fazia horóscopo, interpretava tarô, tinha pais de santo e orixás, dava conselhos, lia o que escrevíamos, distribuía elogios, ou nem tanto, nos mostrava seus contos, pedia opinião, apontava caminhos.” 

Paula também observa que Caio F., como ele costumava assinar cartas e bilhetes, tinha uma personalidade complexa: “Caio era briguento, não tinha papas na língua e encarava uma briga, saía no braço sem hesitação: às vezes fazia o tipo justiceiro, outras vezes era debochado e encrenqueiro.” 

A jornalista, para quem ele dedicou o conto “Pela passagem de uma grande dor”, do livro Morangos mofados, conta que eles tiveram uma “única rusga” no início da amizade, que teria sido esquecida imediatamente — uma vez que, no dia seguinte ao incidente, Caio enviou duas dúzias de rosas brancas pedindo paz. 

No entanto, ela se surpreenderia no futuro: “Quando, anos mais tarde, li cartas ele trocou com outros amigos, observei que muitas vezes criticou minhas atitudes, como fazia com todos, pois era esta a sua natureza, crítica e ferina, mas sua alma era grande: sabia aceitar diferenças e de certa forma vivia delas, pois criava em suas histórias seres contraditórios, divididos, um pouco como todos nós, perdidos na selva da cidade.”

Trajetória ziguezagueante 

Além de expor situações pessoais, por meio das quais revela nuances do comportamento do escritor — por exemplo, Caio era, de acordo com Paula, um sujeito que ficava com ciúme quando uma amiga se apaixonava —, Para sempre teu, Caio F. traz, sem linearidade, mas com uma considerável quantidade de informações, alguns dos episódios mais conhecidos do percurso do escritor, por exemplo, o interesse precoce pela leitura, escrita e música, que o acompanhariam por toda a vida, e o período em que viveu no Sítio Casa do Sol, da escritora Hilda Hilst, em Campinas, no fim da década de 1960. 

Nascido em Santiago do Boqueirão, interior do Rio Grande do Sul, dia 12 de setembro de 1948, Caio circulou. Na década de 1970, viajou para a Europa, onde sobreviveu por meio de subempregos, além de alternar temporadas entre Porto Alegre e São Paulo, com passagens pelo Rio de Janeiro. 

Acima de tudo, a obra evidencia a relação visceral de Caio com a palavra escrita, seja a dedicação dele para a literatura e a luta que empreendeu para ganhar a vida trabalhando como jornalista. Alguns dos melhores momentos do livro coincidem com os trechos nos quais a autora descreve o ambiente da redações de revistas em São Paulo, do fim da década de 1970 em diante. 

Se, a exemplo do trecho que é mencionado no início deste texto, Caio terminou a sua trajetória em Porto Alegre, em decorrência da Aids, dia 25 de fevereiro de 1996, sem bens materiais, após a sua partida, cada vez mais a obra dele adquire relevância — e valor: “Caio não teve filhos. Seu legado são suas histórias e nossas memórias, compartilhá- -las é mantê-lo vivo entre nós.”