Contos | Edra Moraes

O amor morreu

F oi encontrado hoje, pela manhã, em decúbito dorsal o cadáver de um jovem. Os curiosos chegaram antes da polícia. E a TV logo em seguida abriu caminho entre a multidão. Mexeram daqui; dali e, por fim, deram o nome Amor. O Amor estava ali estatelado, na frente de todos. Os policiais se olharam, o inspetor escreveu na caderneta: HOMÍCIDIO. O curioso que olhava por cima do ombro espalhou: assassinado, o Amor foi assassinado. A multidão aglomerada como um telefone sem fio passava a informação: assassinado. Nas orelhas só se repetia: assassinado.

A imprensa pressionava os policiais tentando encontrar algo mais palpável, qualquer tipo de especulação para o espetáculo da tarde chuvosa. Perguntado sobre as conclusões, o inspetor disse: “Entre traições como vingança, bala perdida, tanta gente que atira para todo lado, descasos, pode ser muito coisa”. A repórter insistiu. O detetive de homicídios olhou os olhos azuis da repórter e não resistiu, então disse baixinho no ouvido dela: “Envenenamento”, e se foi. A multidão continuava suas apostas: fome. É muitas vezes ainda menino que se morre de fome. O Amor em tempos de ódio morreu de depressão, por estar fora de moda. Da própria multidão apareceu a resposta. Alguém havia dito, que alguém havia ouvido, que alguém havia visto, o inspetor falar em “suicídio”. Não havia dúvidas, depois de semanas de posts depressivos, e frases de autoajuda, o Amor suicidou-se. Como? Era a próxima pergunta repetida pela multidão, entre selfies e a busca por melhores ângulos.

Frágil, o pequeno corpo foi retirado. A multidão se dissipou. Em seus celulares, acompanhando a matéria, souberam: era envenenamento. O Amor toma um copo de cólera em casa, em desespero saiu pela rua já cambaleando e sofrendo a queimação das borboletas que morriam no estômago. Uma testemunha havia visto ele checar o WhatsApp e o Facebook, e então cair. O Amor é mais uma vítima do egoísmo sem tréguas dos novos tempos.


Amor nos tempos de luxúria 

Patrícia amava Paulo e transava com Antônio, mas paquerava Marcos, que amava Rodrigo. Que tinha uma relação “cliente” com Marli. Transexual lésbica que se prostituía para sustentar sua namorada Carla, que gostava de joias e de passear no Lamborghini. Por isso chupava André, que apesar do Lamborghini, tinha vergonha do seu minúsculo pênis e amava José, lutador de MMA, casado, pai de dois filhos com Andreia, que usava cabelo azul, e amava Claudinha, sua melhor amiga. Claudinha transava sodomia e bestialidade com seu amado cão Brutos, que acreditava que a ração era amor. 

Carlos, que não era do grupo, deixou Carla para ser feliz com Gisele, que tinha 500 ml em seios e coxas trabalhadas a ferro. Apesar disto, era frígida e fingia orgasmos, o que só sua amiga Tati sabia. Tati era livre, pois deixou o marido Rodolfo ao se descobrir gay na última Parada, e estava ainda sem namorada. Rodolfo, que agora acreditava ser Valentino, trocava de meninas e camisetas com grande esmero estético, toda sexta-feira com paixão.

Raquel frequentava a igreja da região e gostava de ser chamada de Ruth desde que fora trocada por sua prima Sara pelo namorado de longa data Daniel. Daniel flertava com Cristina, que era bem-sucedida aos 40, sem filhos, e se esmerava em presentes a cada enlace. Mas os enlaçados partiam levando seus pertences, o que a motivava a ganhar ainda mais. Sempre que conhecia alguém, “lacrava”.

Linda, cujo nome não a definia, era recatada e moça de fino trato. Masturbava-se escondida no quarto enquanto definhava sozinha em sonhos de amor com sua tia Maria. Maria ainda chorava o fim do casamento de 12 anos, levando as crianças para a escola, quando soube pelo status da rede social que seu ex estava em um relacionamento sério com sua melhor amiga. Sua melhor amiga a amara e a invejara 12 anos, era justo uma revanche, pensava ela enquanto, ainda entre lágrimas, avistou Marcelo, professor de educação física dos filhos que sempre a cortejara, mas que devido ao casamento, ela sempre manteve só no flerte. Limpou as lágrimas, retocou o lápis e o batom e perguntou: 

“Estou sem companhia para o último jogo da seleção de vôlei, minha melhor amiga não poderá ir, você já tem ingresso?”

Marcelo passou a mensagem pelo WhatsApp para a noiva informando que ela podia ir tranquila para o encontro com as amigas, pois seu amigo Gustavo iria ao jogo com ele. Assinou com três coraçõezinhos.


Edra Moraes nasceu e vive em Londrina (PR). Produtora e curadora cultural, fez sua estreia em livro com os poemas de Da divina, da humana e da profunda (2010). Em 2016 lançou sua segunda coletânea de poesia, Para ler enquanto escolhe feijão.