Conto
Progressões de balcão
No bar:
— Tá esperando alguém?
— Não.
— Tá sozinha?
— Tô.
— Aceita companhia?
— Tô sozinha porque quero.
— Mas e vem pro bar ficar sozinha?
— Saí porque queria ficar sozinha.
— É casada?
— Não.
— Namorado?
— Não.
— Mora com alguém?
— Com os gatos.
— Por que precisou sair pra ficar sozinha, então?
— Porque eu quis, moço.
Silêncio.
— O que você faz?
— Sou escritora.
— Ah, é? E escreve o quê?
— Livros.
— De que tipo?
— Livros de histórias.
— Que tipo de histórias? Contos, romances?
— Os dois.
— E de onde você tira as suas ideias?
— Das ruas. Da vida. Sei lá, as ideias vem.
— E o que mais?
— Como, o que mais?
— O que mais você faz? Você vive de escrever?
— Vivo de escrever várias coisas.
— E dá dinheiro?
— Não acho essa pergunta muito polida, moço.
— Relaxa, baby.
— Não me chama de baby.
— Estou começando a entender por que você é sozinha...
— Eu sou sozinha porque quero.
— Duvido. Ainda mais tratando as pessoas assim, seca desse jeito.
— Estou apenas respondendo as suas perguntas.
— Mulher tem que ser simpática.
— Mulher, meu querido, tem que ser como quiser.
— Assim você não vai conseguir homem.
*Suspiro*
— Amigo, você está bem equivocado nessa vida, hein?
— Tô apenas tentando ajudar.
— Olha só, eu disse que saí pra ficar sozinha e você está aqui
tagarelando nos meus ouvidos. Está me ajudando em que, exatamente?
— Sei lá, tô tentando melhorar essa sua cara.
— Eu estou ótima.
— Mas não parece, bebendo, sozinha aí.
— Ninguém nunca te ensinou que não se julga um livro pela capa? Eu
estou ótima, moço.
— Duvido, sozinha no balcão...
— Eu não estou sozinha. Eu estava sozinha, estava sozinha porque
queria. Agora você está aqui falando comigo.
— Posso te pagar um drink?
— Não.
— Por quê?
— Porque eu tenho dinheiro pra pagar meus drinks.
— Você é o que, feminista, é?
— Sou.
— Ih, sabia. Feminista não gosta de homem.
— Feminista não gosta de gente que invade espaços e caga regras, moço.
- Moço, você é chato, será que eu poderia continuar em silêncio curtindo
minha cerveja com 10% de álcool sem você estragar o momento?
— Aff, fica à vontade, ô mal comida.
— Moço... Sai daqui?
— Logo vi que era assim, sentada aqui com essa cara. Também, gorda
desse jeito, ninguém deve querer.
— Moço, não me obrigue a desperdiçar minha cerveja cara na sua fuça.
— Puta.
— Tchau, moço.
Paz, enfim.
Clara Averbuck é escritora. Está relançando todos os seus livros pela editora 7Letras, entre eles Máquina de pinball e Vida de gato. Também prepara a coletânea de contos Cidade grande no escuro e o romance Eu quero ser eu. Vive em São Paulo (SP).
Ilustração: Iuri de Sá