Conto

Progressões de balcão
clara


No bar:

— Tá esperando alguém?

— Não.

— Tá sozinha?

— Tô.

— Aceita companhia?

— Tô sozinha porque quero.

— Mas e vem pro bar ficar sozinha?

— Saí porque queria ficar sozinha.

— É casada?

— Não.

— Namorado?

— Não.

— Mora com alguém?

— Com os gatos.

— Por que precisou sair pra ficar sozinha, então?

— Porque eu quis, moço.

Silêncio.

— O que você faz?

— Sou escritora.

— Ah, é? E escreve o quê?

— Livros.

— De que tipo?

— Livros de histórias.

— Que tipo de histórias? Contos, romances?

— Os dois.

— E de onde você tira as suas ideias?

— Das ruas. Da vida. Sei lá, as ideias vem.

— E o que mais?

— Como, o que mais?

— O que mais você faz? Você vive de escrever?

— Vivo de escrever várias coisas.

— E dá dinheiro?

— Não acho essa pergunta muito polida, moço.

— Relaxa, baby.

— Não me chama de baby.

— Estou começando a entender por que você é sozinha...

— Eu sou sozinha porque quero.

— Duvido. Ainda mais tratando as pessoas assim, seca desse jeito.

— Estou apenas respondendo as suas perguntas.

— Mulher tem que ser simpática.

— Mulher, meu querido, tem que ser como quiser.

— Assim você não vai conseguir homem.

*Suspiro*

— Amigo, você está bem equivocado nessa vida, hein?

— Tô apenas tentando ajudar.

— Olha só, eu disse que saí pra ficar sozinha e você está aqui
tagarelando nos meus ouvidos. Está me ajudando em que, exatamente?

— Sei lá, tô tentando melhorar essa sua cara.

— Eu estou ótima.

— Mas não parece, bebendo, sozinha aí.

— Ninguém nunca te ensinou que não se julga um livro pela capa? Eu
estou ótima, moço.

— Duvido, sozinha no balcão...

— Eu não estou sozinha. Eu estava sozinha, estava sozinha porque
queria. Agora você está aqui falando comigo.

— Posso te pagar um drink?

— Não.

— Por quê?

— Porque eu tenho dinheiro pra pagar meus drinks.

— Você é o que, feminista, é?

— Sou.

— Ih, sabia. Feminista não gosta de homem.

— Feminista não gosta de gente que invade espaços e caga regras, moço.

- Moço, você é chato, será que eu poderia continuar em silêncio curtindo
minha cerveja com 10% de álcool sem você estragar o momento?

— Aff, fica à vontade, ô mal comida.

— Moço... Sai daqui?

— Logo vi que era assim, sentada aqui com essa cara. Também, gorda
desse jeito, ninguém deve querer.

— Moço, não me obrigue a desperdiçar minha cerveja cara na sua fuça.

— Puta.

— Tchau, moço.

Paz, enfim.

Clara Averbuck é escritora. Está relançando todos os seus livros pela editora 7Letras, entre eles Máquina de pinball e Vida de gato. Também prepara a coletânea de contos Cidade grande no escuro e o romance Eu quero ser eu. Vive em São Paulo (SP).

Ilustração: Iuri de Sá