Conto

O sonho dos velociraptors


Cadão Volpato
conto

No futuro, os meninos achados ou comprados na rua, que tenham entre seis e sete anos, cuidarão dos velociraptors. Os velociraptors foram revividos enquanto espécie por uma experiência genética que partiu do DNA de um fóssil encontrado no deserto de Gobi, em 1923.

O velociraptor é um dinossauro plumado e inteligente, cujo nome científico quer dizer “ladrão veloz”. Suas garras retráteis são usadas para furar a jugular ou a traqueia da vítima. Por isso, de acordo com a lei, não se poderá levar o animal a passeio sem a proteção adequada.

Um menino de seis ou sete anos que tenha mais ou menos a altura de um velociraptor (cerca de um metro e meio) será perfeito para se entocar ao seu lado desde o ovo, num lugar bem aquecido, e ensinar-lhe tudo o que é necessário. Só então o animal poderá acatar as ordens do dono.

Acontecerá às vezes de um velociraptor menos dócil cravar as mandíbulas poderosas no pequeno treinador. Isso poderá se transformar num incômodo, pois estarão perdidos para sempre o treinador e o animal, pervertido pelo gosto adocicado da carne humana. Deve-se, portanto, proceder com toda a atenção e manter o animal aquecido e bem alimentado.

Contudo não se podem evitar certos ferimentos — os velociraptors são perigosos mesmo nas demonstrações de afeto. Convém proteger o menino com peças de couro, que têm a mesma função das braçadeiras em que pousavam os falcões. Devem-se preservar o pescoço, os membros e o abdômen da criança.

Os treinadores dos velociraptors serão como os pequenos limpadores de chaminé do século XIX, vendidos pelos pais, sempre cobertos de fuligem, trabalhando nus para poder entrar em qualquer buraco estreito, sem se lavar por seis meses, com joelhos, tornozelos e espinha deformados, aposentados aos sete anos sob a tutela do pároco local, grandes demais para voltar às chaminés.



Cadão Volpato é jornalista e escritor. Autor, entre outros, do livro infantojuvenil de poemas Meu filho, meu besouro (2011). O conto publicado nesta edição do Cândido faz parte do livro inédito Conversa futura. Vive em São Paulo (SP).

Ilustração: Rafael Cerveglieri