Cândido, 133 - Especial: 155 anos da BPP

Farol Cultural

Fundada em 1857, a Biblioteca Pública do Paraná, ao longo do século XX, se tornou palco para as mais diversas manifestações culturais, o que a transformou em uma das instituições mais importantes do Estado

capa


Em 1853, ano em que a Província do Paraná fora desmembrada da Província de São Paulo, em Curitiba existiam quatro igrejas, 27 quarteirões, em que moravam 5.819 pessoas, 308 casas, 35 armazéns, um seleiro, nove sapateiros, uma padaria, uma tipografia, que imprimia o jornal oficial, Dezenove de Dezembro, e um liceu, criado em 1846 e que, uma década depois, em 7 de março de 1857, viria a se tornar a Biblioteca Pública do Paraná, uma instituição cuja história se confunde com a própria trajetória de Curitiba e do Paraná.

catalago
Desde a segunda metade do século XIX, a Biblioteca Pública do Paraná não é apenas uma das instituições mais antigas do Estado, mas também uma espécie de guardiã da memória paranaense. História centenária escrita por 41 diretores e milhares de funcionários e usuários, que há décadas fazem da BPP uma das bibliotecas públicas mais visitadas e de maior acervo do Brasil.

“Nenhuma livraria, nenhuma biblioteca existia para atender aos alunos e professores. Então a criação de uma Biblioteca Pública era necessária para que a população pudesse ter acesso aos livros”, diz o historiador Ernani Straube, autor do livro Biblioteca Pública do Paraná — Sua história, que traça o percurso cultural e administrativa da instituição.

Apenas a trajetória de suas treze sedes já é suficiente para contar parte importante da história arquitetônica da cidade. A primeira sede (1859 a 1873) ficava entre as ruas Saldanha Marinho e Cruz Machado, onde hoje funciona a Secretaria de Estado da Cultura (SEEC). No bojo das mudanças estruturais do então recém-criado Estado, em um período em que o livro era objeto raro, o primeiro regulamento, entre outras normas, impedia a “saída de qualquer obra para fora da Biblioteca, a título de empréstimo ou sob qualquer pretexto.”

Ainda no século XIX, quando a BPP passou por seis mudanças de sedes, nomes importantes da política e das artes do Paraná, como Victor Ferreira do Amaral, Ermelino de Leão e Romário Martins, dirigiram a instituição. Depois de passar por prédios históricos da cidade na primeira metade do século XX, como o Museu Paranaense (7ª sede, entre 1929 e 1931) e o Colégio Estadual do Paraná (12ª sede, entre 1949 e 1954), em 1954 a BPP finalmente se estabelece no atual prédio, na Rua Cândido Lopes, número 133, no Centro de Curitiba.

Palco de debates

À sua rica e centenária história, soma-se uma atuação de destaque na área cultural do Estado. Abrigo de intelectuais, músicos e escritores, a BPP teve papel fundamental não apenas na formação de grandes nomes da cultura local (muitos deles tiveram sua iniciação intelectual no prédio da Cândido de Abreu), mas também como um espaço que deu guarida às mais diversas manifestações artísticas, seja na música, nas artes plásticas ou na literatura.

carro BPP
“Nos anos 1960, quando Curitiba ainda não era essa cidade enorme que é hoje, a Biblioteca era o berço da cultura local. Nada se comparava à sua programação cultural, era um centro das artes plásticas, da literatura. Poucos locais na cidade se dedicavam à cultura como a BPP. As possibilidades eram poucas na cidade”, diz Marilene Zicarelli Millarch, que comandou a instituição entre 1995 e 2002.

Ser um espaço de difusão cultural, que vai além da função básica de empréstimos de livros, sempre foi uma das marcas mais visíveis da Biblioteca Pública do Paraná, o que a transformou em um farol da cultura local. Nas artes plásticas, um segmento em que a cidade sempre teve uma forte cena, a BPP foi e continua sendo palco importante para exposições. Durante muitos anos, a Biblioteca foi o local em que se divulgavam os vencedores do Salão Paranaense, tradicional concurso de artes plásticas criado em 1944 e que hoje acontece de dois em dois anos. Em 1969, o jornal O Estado do Paraná noticiava que os artistas Poty Lazzaroto, Arcângelo Ianelli e Fernando Veloso, “que fazem parte da comissão julgadora do Salão, se reuniam na Biblioteca Pública do Paraná para anunciar os vencedores da 26ª edição do Salão Paranaense”.

Com um rico acervo de literatura, a BPP também foi palco para grandes discussões literárias. Além de escritores locais, como Paulo Leminski, Helena Kolody e Wilson Bueno, autores como Luis Fernando Veríssimo, Antônio Callado, Fernando Sabino e Ignácio de Loyola Brandão também estiveram na BPP. O crítico Wilson Martins, por exemplo, foi, até sua morte, em 2010, o maior doador de livros da Biblioteca. Na Divisão de Documentação Paranaense, os escritores do Estado têm sua trajetória profissional arquivada em pastas personalizadas. Alguns deles, cuidam pessoalmente da atualização do acervo.


Acervo


Mas o caráter cultural da instituição certamente não existiria sem o rico acervo constituído durante décadas. Em uma espécie de círculo virtuoso, os leitores, em busca do conhecimento contido nos mais de 600 mil exemplares do acervo — entre livros, revistas, discos, mapas e documentos raros —, são fisgados pelas frequentes atividades culturais. Isso somado, fez com que a BPP se tornasse uma das maiores bibliotecas, em termos de frequência, de todo o Brasil. Com uma média de três mil visitantes por dia — mais de 800 mil visitas anuais —, a BPP é uma das bibliotecas mais visitadas do país .

“O que mais me marcou foi a satisfação de ter alcançado os maiores índices de frequência e empréstimos de
caixa estante
livros dentre as bibliotecas públicas brasileiras após os dois primeiros anos de gestão. Chegamos a atender 7,5 mil usuários e efetuar cerca de 2,5 mil empréstimos de livros por dia”, diz Valéria Prochmann, que dirigiu a instituição de 1991 a 1994.

Já o ex-diretor Cláudio Fajardo, lembra outro importante trabalho: o atendimento aos estudantes. “O acervo da BPP é riquíssimo. Escolas e até mesmo cursinhos pré-vestibular geralmente não oferecem bibliotecas. A BPP supre toda essa demanda de alunos que recorrem ao nosso acervo.” Fajardo se refere a estudantes como Michel Sales, de 16 anos, que está no 3º ano do Ensino Médio e vem de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, toda sexta-feira para emprestar livros. “Prefiro as histórias de ficção científica. Venho com algumas indicações das minhas pesquisas e sempre recebo boas sugestões dos funcionários”, diz o estudante.

Separada por nove Divisões, a Biblioteca atende os mais diversos públicos, dentro e fora da instituição. A Seção de Linguística e Literatura, que faz parte da Divisão de Obras Gerais, conta com um acervo de mais de 147 mil volumes e é um dos espaços mais visitados.

A Seção Infantil é outra referência. Tem grande visitação e oferece uma programação diversificada para crianças de até 13 anos. Além do acervo de literatura infantojuvenil, a Seção promove peças de teatro (“Aventuras Teatrais”), encontros com escritores (“Aventuras Literárias”) e a tradicional “Hora do conto”, contação de histórias que há décadas faz sucesso entre os pequenos.

Há ainda Seções de Ciências Sociais, Filosofia, Belas Artes, Referência, História e Geografia, que dão suporte não apenas aos estudantes, mas também a pesquisadores. Assim como a Divisão de Documentação Paranaense, que guarda mais de 100 mil itens em seu acervo — entre fotografias, jornais, revistas, partituras musicais e mapas — em seu acervo e é depositária da memória biográfica paranaense. A BPP também é referência para biblioteca menores do Estado. Por meio da Divisão de Extensão, desenvolve ações, há mais de 30 anos, para estimular a criação e o desenvolvimento das bibliotecas públicas municipais, além de enviar “caixas-estantes” para empresas e outras instituições com o objetivo de incentivar a leitura.

Para resguardar essa estrutura grandiosa e manter intactos documentos tão importantes, a Biblioteca conta com setores como a Divisão de Preservação, que restaura cerca de 250 livros por mês, e a Divisão de Processamento Técnico, responsável pelo recebimento, seleção e encaminhamento das obras que chegam à BPP. Para cuidar de tudo isso, duzentas e vinte pessoas (entre funcionários e estagiários) trabalham de segunda a sábado. Para o atual diretor, Rogério Pereira, além da história fantástica da instituição, construída ao longo do último século e meio, o empenho de quem trabalha e daqueles que já passaram pela instituição é de extrema importância. “A Biblioteca funciona extremamente bem por conta do envolvimento de quem trabalha aqui. Os funcionários têm grande amor pela instituição e cuidam de forma exemplar de sua estrutura.”