REPORTAGEM | Na porta de casa 25/02/2022 - 12:33

Curadoria é o foco dos clubes literários de assinatura, que impulsionaram seus negócios no país durante o isolamento social

Murilo Basso e Natalia Basso

 

O brasileiro está lendo mais. Entre janeiro e setembro de 2021, 36,1 milhões de exemplares de livros foram vendidos no país, com faturamento de R$ 1,52 bilhão, segundo dados do levantamento Painel do Varejo de Livros no Brasil, divulgado pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) a partir de pesquisa realizada pela Nielsen BookScan. Trata-se de um aumento de quase 40% em comparação com o mesmo período do ano anterior e de indicativo de tendência de crescimento em relação a 2019, período anterior à pandemia do novo coronavírus.

Não chega a ser uma surpresa o fato de que o isolamento social levou os brasileiros a encontrarem outras formas de lazer que não passeios em shoppings e encontros em bares, restaurantes e baladas. Mas, em um país que historicamente lê pouco, os índices são comemorados pelo setor. O hábito se reflete nos números dos clubes de assinatura: os de livros representam 26% da fatia desse mercado no Brasil, sendo os preferidos dos consumidores, conforme dados divulgados pela empresa de tecnologia e e-commerce Betalabs em novembro do ano passado.

Um dos clubes literários impactados positivamente pela crise sanitária foi o Literatour. Sócio-diretor da empresa, Luan Lima conta que o negócio dobrou de tamanho durante as duas primeiras ondas da pandemia de Covid-19, em 2020 e 2021.

“Logo que as pessoas viram que a quarentena não iria durar apenas 15 dias, como pensamos inicialmente, elas começaram a adaptar suas vidas para ficar mais em casa. Foi aí que nos beneficiamos. Esse fenômeno se repetiu junto a alguns parceiros nossos. Definitivamente, as pessoas passaram a ler mais na pandemia”, afirma Lima.

Essa também é a percepção da jornalista e influenciadora Marina Fabri, criadora do @livrosdamarina, perfil no Instagram onde compartilha dicas de leitura e promove book clubs com os seguidores. Ela mesma, que se considera uma leitora inveterada, conta que passou a ler mais nos últimos dois anos.

“Especialmente em 2020, os livros foram um descanso das telas. Em casa, passávamos o dia todo trabalhando no computador e as opções de lazer acabavam sendo outra tela, como a televisão, ou os livros. Muita gente acabou preferindo ler”, comenta.

Para Marina, outro indicativo de que as pessoas estão lendo mais como passatempo, além dos números da Snel, é a presença de escritores de ficção, como Itamar Vieira Jr., autor da maior febre literária brasileira recente, Torto Arado, e a curitibana Giovana Madalosso, finalista da edição de 2021 do Prêmio Jabuti com Suíte Tóquio, nas listas dos mais vendidos das livrarias nacionais, ranking que antes era ocupado majoritariamente por publicações de autoajuda.

 

O poder das redes 

A social media Ana Hirahara e a analista de marketing Lívia Perretto têm algo em comum além das profissões ligadas à área da comunicação. Ambas são assinantes do TAG Livros, o maior clube do gênero no Brasil, que no primeiro semestre de 2021 contava com cerca de 70 mil assinantes. Ambas já tinham a literatura como hobby e apontam o mesmo motivo decisivo que as levou a optar pela TAG: a presença das marcas nas redes sociais, em especial no Instagram.

“Assinei a TAG Livros porque a empresa bombou quando a febre dos clubes de assinatura começou no país. Eles sempre apareciam no meu feed nas redes sociais e gostei bastante da proposta, dos livros, da curadoria”, diz Ana, que optou pela modalidade “Inéditos”, que envia em primeira mão para os associados obras da literatura contemporânea ainda sem lançamento no Brasil. “Eu gosto muito do clube porque ele vai além do livro. A gente recebe uns ‘mimos’ [caderneta, marcador de página, figurinhas, etc.] que tornam o processo uma experiência.”

Lívia também aponta os posts caprichados do clube no Instagram como o motivo que a levou a realizar a assinatura. A analista de marketing conta que era bastante impactada por publicações patrocinadas, que lhe chamaram a atenção. Ao se informar melhor sobre o serviço, achou interessante, viu que era confiável e decidiu se tornar associada, tanto que ela sequer fez pesquisas de preço ou diferenciais competitivos sobre outros negócios da modalidade.

A jovem se tornou assinante no auge da pandemia do novo coronavírus e comenta que a possibilidade de receber as publicações em casa todo mês, sem precisar se deslocar até uma livraria ou ficar navegando nas lojas virtuais — fazendo aumentar, consequentemente, seu tempo de tela após um dia exaustivo de trabalho em frente ao computador — foi outro fator que a levou a ter certeza de estar fazendo um bom negócio. Assim como Ana, ela escolheu o “TAG Inéditos”.

“O que mais gosto no serviço é a praticidade e a seleção de títulos, autores e estilos literários que talvez eu não escolheria sozinha em uma livraria. Me identifiquei muito com o estilo de público do clube, então sabia que acabaria curtindo as obras. Também optei por um clube que trabalha com obras de ficção justamente para dar uma quebrada na rotina, nas leituras técnicas”, pontua Lívia.

É possível, portanto, cravar que assinar um clube de assinaturas é certeza de ler mais? Na visão de Lívia, sim — e esse era, inclusive, um dos objetivos que ela tinha em mente quando fez a assinatura. Ana, por sua vez, diz que a pergunta pode soar como uma armadilha, já que, invariavelmente, leituras ficarão acumuladas de acordo com o ritmo atual da vida. No geral, contudo, ela acredita que a resposta é afirmativa. Já Marina Fabri crava: para ler mais é preciso, simplesmente, ler — não necessariamente via clube de assinatura.

“Sei que parece óbvio, mas ler nem que seja por 10 minutos no dia faz com que você se engaje mais nas histórias e não perca o fio da meada. Penso que as assinaturas podem ajudar a descobrir gêneros e autores que talvez o leitor não buscaria por si próprio, então é válido, sim”, acrescenta.

 

Diferenciar-se é preciso 

Em meio a tantas opções de cubes literários de assinatura, ofertar diferenciais é questão de sobrevivência para os negócios. No caso da TAG Livros, a curadoria de publicações inéditas e os brindes que acompanham os livros são citados como atrativos para os assinantes. Já o Literatour tem como particularidade ser o primeiro clube de assinaturas do Brasil a trabalhar com livros seminovos e usados, tornando o valor mais competitivo e ajudando a fomentar negócios entre pequenos sebos parceiros de todo o país.

“As caixinhas são sempre únicas para cada assinante, de modo que o associado recebe obras especialmente selecionadas de acordo com seu gosto literário, informado no ato da assinatura. Também temos os famosos mimos e acesso a experiências digitais, como e-books de autores em ascensão e audiodramas [também chamados de podnovelas]”, explica o sócio-diretor, Luan Lima.

Para Diego Lautert, fundador do Calhamaço, o mais importante é fazer o básico de forma bem-feita. A seu ver, a curadoria é o coração do clube literário, o que impulsiona o negócio. O foco do Calhamaço é atrair pessoas que gostam de ler e estão dispostas a sair da zona de conforto.

“Muitas vezes, quando nos aproximamos de um clássico da literatura, chegamos a ele cheios de ideias preconcebidas. Nós trilhamos um caminho diferente, porque buscamos obras menos óbvias de autores já consagrados ou conhecidos, mas que por algum motivo não tiveram grande circulação no Brasil e nos desafiam a pensar sobre elas de forma crítica e independente. Enviamos um livro, um postal e uma sobrecapa exclusiva. Penso, porém, que o principal talvez seja o intangível, que é o conteúdo que produzimos para ajudar o leitor a aproveitar o máximo do livro. Nossos assinantes recebem newsletters exclusivas, entrevistas e até minidocumentários que aprofundam a leitura, tanto em seu aspecto formal como no contexto histórico e cultural das obras e de seus autores”, conta Lautert.

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Diego Lautert, fundador do Calhamaço: “Buscamos obras menos óbvias de autores já consagrados ou conhecidos”

 

Já o Amora, iniciativa da Pulp Edições e lançado agorinha, no início de fevereiro, quer valorizar as autoras mulheres. Os assinantes recebem em casa, uma vez por mês, uma caixa com um livro surpresa de uma escritora contemporânea, além de um minilivro com um conto inédito de uma autora estreante e surpresas especiais como marca-páginas, postais colecionáveis e adesivos, entre outras. O clube ainda conta com uma loja virtual com itens como ecobags, camisetas, canecas e cadernos.

Fernanda Ávila Ferreira, sócia-fundadora da Pulp Edições, acredita que a concorrência é saudável e que, apesar das variadas opções, ainda há espaço para o crescimento dos clubes de assinaturas de livros no Brasil.

“Principalmente para os de nicho e com propósito, como o nosso. Acho que a concorrência é muito importante para esse modelo de negócio porque ajuda a ‘educar’ o público, estimulando a criação de intimidade com esse tipo de produto [clubes de assinatura] que para muita gente, mesmo com muitas opções, ainda é desconhecido”, finaliza.

 

Sete clubes literários de assinatura para ficar de olho em 2022


TAG — Experiências literárias

Clube de assinatura do gênero mais conhecido no Brasil, tem periodicidade mensal e conta com duas opções de assinatura: Curadoria, que convida grandes nomes da literatura para indicar seus livros preferidos aos associados, e Inéditos, que envia em primeira mão aos assinantes títulos que ainda não foram lançados no Brasil.

 

Literatour

Primeiro clube literário do Brasil a trabalhar com livros seminovos e usados. A curadoria é feita de acordo com o gosto literário do assinante, informado no momento da assinatura. Associados que desejam desapegar e enviar títulos seminovos em bom estado para o clube ganham benefícios.

 

Calhamaço

O objetivo do clube é apresentar aos leitores obras de autores consagrados que por algum motivo não tiveram grande circulação no Brasil. Livros menos conhecidos de autores como Ítalo Calvino, Philip Roth, Mario Vargas Llosa, Mikhail Bulgakov e Yusunari Kawabata já figuraram no Calhamaço.

 

Amora

Iniciativa da Pulp Edições, o Amora busca promover as vozes femininas da literatura e trabalha com obras de grandes autoras contemporâneas, além de enviar aos assinantes contos de escritoras estreantes. O clube também conta com uma loja virtual com itens como canecas, sacolas e camisetas.

 

Intrínsecos

Clube de assinatura da editora Intrínseca, o Intrínsecos envia, todo mês, um livro ainda inédito no Brasil, tanto de autores consagrados quanto de novos nomes da literatura. Não há um gênero literário priorizado e a curadoria é realizada por profissionais especializados da editora.

 

A Taba

O público-alvo do clube é o infantojuvenil e há diversas opções de planos para agradar crianças e pré-adolescentes das mais variadas faixas etárias, da primeira infância aos 14 anos. O objetivo é fazer com que as famílias criem momentos de conexão e afeto com as crianças por meio da literatura.

 

Leiturinha

Outra opção para crianças, o Leiturinha é considerado o maior clube de livros infantis do país, com foco em obras que estimulam a leitura e criatividade em diferentes fases da infância, dos 0 aos 12 anos.

 

 

Murilo Basso é jornalista, com passagens pela Gazeta do Povo, Rolling Stone e Editora Abril. Natalia Basso é jornalista, com passagem pela Gazeta do Povo e experiência em assessoria de imprensa e comunicação empresarial.