REPORTAGEM | Hora da redenção 28/01/2022 - 15:48
Momento é de otimismo no mercado editorial brasileiro, que continua apostando na diversidade para fisgar o leitor
Luiz Rebinski
O mercado editorial brasileiro começa 2022 otimista. Contrariando todas as expectativas, 2021 foi um ano de afirmação para o livro e a literatura no Brasil, e não de estagnação, como a pandemia prenunciava. Editores e leitores se uniram em um pacto velado a favor da leitura e o que era perdição virou redenção.
As vendas, mesmo com muitas livrarias fechadas, aumentaram, e as publicações ganharam novo ímpeto após o baque inicial do isolamento social. Depois de alguns meses em marcha lenta, os lançamentos voltaram com força total.
Os eventos literários também deram a “volta por cima”. O ambiente online virou refúgio para os bate-papos entre autores e leitores. E há quem diga que a pandemia criou um caminho sem volta para as festas e feiras literárias: mesmo com o retorno do público, o que é muito aguardado, as transmissões via redes sociais vão continuar, dado o alcance de público que podem ter.
Para dar um panorama do que deve ser publicado neste ano começo de ano, o Cândido ouviu algumas editoras, que entre clássicos e contemporâneos, seguem com uma programação intensa.
Eco e Brontë
Uma das editoras mais icônicas do país, a José Olympio completa 90 anos em 2022. Casa de alguns dos principais autores brasileiros na primeira metade do século 20, em especial os romancistas “regionalistas”, entre eles Graciliano Ramos e José Lins do Rego, a empresa vai relançar títulos da famosa coleção Rubaiyat, resgatando o projeto gráfico original, dos anos 1940.
Um dos livros é O Vento da Noite, da inglesa Emily Brontë. A coleção ainda traz o texto bíblico O Livro de Job e A Ronda das Estações, de Kalidasa, poema que canta as diversas estações da Índia. Todos com tradução do romancista Lúcio Cardoso.
A José Olympio ainda lança uma edição de capa dura de Miguel Strogoff, de Julio Verne, traduzido e recontado por Rachel de Queiroz, e dois livros de Marques Rebelo, Oscarina e o clássico A Estrela Sobe.
Outra efeméride a ser comemorada é a dos 90 anos de Umberto Eco, completados em janeiro. A Record aproveita e vai lançar o grande sucesso do italiano, O Nome da Rosa, em uma edição especial em capa dura, além de A Passo de Caranguejo, volume de ensaios do autor que estava esgotado. Para fevereiro, a editora prepara ainda uma nova edição de As Vinhas da Ira, do Nobel de Literatura John Steinbeck, que voltou a ser muito procurado pelos leitores.
Ainda beste mês sai o novo romance da chilena / norte-americana Isabel Allende, publicado pela Bertrand. O livro narra a história de uma protagonista ao longo dos últimos cem anos, da gripe espanhola de 1920 até a pandemia de 2020. A mesma editora lança O Jardim do Éden, romance póstumo de Ernest Hemingway, outro vencedor do Nobel de Literatura.
Modernismo
No final de 2021, os livros que lembram os 100 anos da Semana de Arte Moderna no Brasil começaram a chegar às livrarias. Realizado em fevereiro de 1922, o evento, em seu centenário, deve render bons livros ao longo de todo o ano.
A Oficina Raquel, por exemplo, imprime Mário de Andrade, os Anos 20, que traz os livros Pauliceia Desvairada, Losango Cáqui e Clã do Jabuti. A editora também aposta em uma autora que tem sido revalorizada no últimos anos: a carioca Júlia Lopes de Almeida.
Pré-modernista, ela publicou seu primeiro livro, Traços e Iluminuras, com recursos próprios, em 1887. O livro que a Oficina Raquel lança é Correio da Roça, romance que se tornou um grande fenômeno editorial na época de seu lançamento, em 1913, quase uma década antes da Semana de Arte em São Paulo acontecer.
A Todavia também terá seu livro sobre a Semana de 22. Lira mensageira: Drummond e o Grupo Modernista Mineiro, de Sergio Miceli, mostra os caminhos disponíveis para aqueles literatos que se encontravam no Café Estrela, em Minas. A obra traz olhares sobre o modernismo paulista e a classe política na Era Vargas.
Em ensaio com foco nas obras de estreia de Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e outros, Miceli traça um panorama do que seria a Semana de 22, cravejado de tensões que seriam diluídas na fortuna crítica posterior.
E dois bons autores lusófonos chegam ao Brasil. A Oficina Raquel lança a reunião de crônicas A Ilha Fantástica, de Germano Almeida, autor de Cabo-Verde que venceu o Prêmio Camões em 2018. Outro destaque da cena literária portuguesa é Djaimilia Pereira de Almeida, que terá o seu romance autobiográfico Esse Cabelo lançado pela Todavia. Nascida em Angola, ela tem sido festeja a cada nova publicação por sua literatura engajada em temas como pertencimento, imigração e raça. Em 2020, Djaimilia ficou em segundo lugar no Prêmio Oceanos com o elogiado romance A Visão das Plantas, já lançado no Brasil.
Brasileiros
Entre os brasileiros, a Todavia publica o novo trabalho do professor da Universidade Federal do Paraná Guilherme Gontijo Flores, chamado Potlatch. E a autora e tradutora gaúcha Júlia Dantas terá sua ficção Ela se Chama Rodolfo publicada pela DBA.
Sempre com vendas constantes, a mineira Adélia Prado vai ganhar um box especial, contendo quatro de suas obras: o livro de estreia, elogiado por ninguém menos do que Carlos Drummond de Andrade, Bagagem, de 1976, mostra o talento que faria da poeta uma das mais aclamadas da literatura brasileira; O Coração Disparado, Prêmio Jabuti em 1978, que aprofundou marcas de sua obra, como a religiosidade; A Faca no Peito, de 1988, centrado em Jonathan, personagem que se refere tanto a Deus quanto ao sexo masculino ou à crença religiosa; e Oráculos de Maio (1999), que dá ênfase ao cotidiano e ao texto oralizado.
Já Nuno Ramos aparece com Fooquedeu — Diários. Ao longo de quase um mês, durante a montagem de sua exposição O Direito à Preguiça, no Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte, o artista plástico e escritor Nuno Ramos começou a tomar notas da experiência que vivia.
Póstumos
Morta no apagar das luzes de 2020, a norte-americana Joan Didion foi uma das jornalistas mais celebradas de seu país. Suas incursões à contracultura americana se tornaram célebres, em periódicos e depois em livros.
A HarperCollins, que já publicou por aqui livros importantes de Didion como O Álbum Branco, vai lançar outras três obras da autora. Em 2022 saem South and West, de 2018, e Let Me Tell You What I Mean, publicado nos Estados Unidos em 2020, pouco antes da morte da autora.
A editora lança ainda um catatau que vai reunir sete livros da escritora: Salvador, Miami, After Henry, Ficções Políticas, Where I Was From, Rastejando Até Belém e O Álbum Branco.
Luiz Rebinski é jornalista e autor do romance Um Pouco Mais ao Sul (2016). Foi editor do Cândido entre 2011 e 2019 e atualmente é editor-assistente do jornal Rascunho.