FLIBI | Família e memória 21/12/2022 - 16:03

Duas vozes distintas na produção contemporânea exploram as fronteiras entre criação e memória durante uma mesa realizada na 6ª Festa Literária da Biblioteca Pública do Paraná

 

com Carlos Eduardo Pereira e Vanessa Vascouto

mediação de Rodrigo Casarin

 

carlos eduardo pereira
Carlos Eduardo Pereira

 

Rodrigo Casarin: É o segundo romance de cada um de vocês. Na música existe uma lenda sobre a dificuldade de se fazer um segundo álbum. Para vocês, como foi trabalhar num segundo romance, após a estreia, e qual é a história por trás das histórias, tanto em Agora Agora quanto em Terra Dentro?

Carlos Eduardo Pereira: É engraçado porque tem uma ordem de publicação, o primeiro livro saiu em 2017 e o Agora Agora, em 2022. Só que a gente escreve em outro ritmo. Você escreve e quando está publicando já está escrevendo outro. Quando esse outro sai, vem a pandemia no meio, aí você fica meio desnorteado com a passagem do tempo. Não tive muito tempo para ficar pensando em como seria a recepção do outro.

 

Rodrigo Casarin: Quando o Agora Agora chegou, eu me perguntei: “Mas já? Acabou de lançar o outro”. Não teve esse tempo da pandemia na vida, a gente só ficou parado.

Carlos Eduardo Pereira: Tirando esses dois anos da pandemia, parece que foi outro dia mesmo. Tem essa questão, entre um livro e outro o Brasil e o mundo viraram o que viraram, que não eram até outro dia. Então essa expectativa sobre um segundo romance, como vai ser lido, como vai chegar, ficou em segundo plano. Quando vi, lançaram, e estou feliz com o resultado. Comecei a escrever antes da pandemia, ele é dividido em três partes, e uma delas já estava escrita. Você fica meio travado, porque nada mais era como antes. Veio uma vontade grande de falar do hoje, daí a expressão no título, Agora Agora. É agora agora, não é um agora daqui a pouco, um agora em outubro, em novembro, é agora. Uma tentativa de apreender o que estava rolando naquele momento. Impossível, né? Não dá para fazer, ainda mais num romance. Ou você lida com isso e fala “Dane-se, vou lidar com outra coisa”, ou você volta ao passado, porque existe aquela suspeita — e depois a gente confirmou pelos dados concretos — que havia um sentimento reacionário. As pessoas estavam pensando num passado idealizado como se ele fosse bom. Minha intenção era uma investigação do que essas pessoas estavam querendo dizer com isso, que papo é esse de que bom era não sei quando, esse sentimento reacionário. Não é um lance conservador, de “Vamos manter a coisa como está”, não era isso. Era um lance diferente. Agora a gente vê no que deu, mas naquele momento era uma desconfiança. As pessoas pensando num passado, como se fosse um passado legal para caramba, e nem era. Então a ideia é tentar olhar para trás um pouquinho e falar “Olha aqui o que você está dizendo que era legal”. A primeira parte do livro é hoje, 2019, 2020, aí ele volta na história do avô e na história do pai, e com isso a gente consegue fazer um apanhado bom da História do Brasil e ver outros momentos. É tentar investigar e olhar para o que tem lá atrás, o que ainda tem, o que é diferente, o que a gente faz com isso.

 

Rodrigo Casarin: E por que os 45 anos como a idade chave para modular a obra?

Carlos Eduardo Pereira: Eu estava com 45, por aí. Tenho 49 agora. Chega aquele momento em que você começa a pensar “Meu Deus, eu tenho uma filha pequena” — ela tem 9 hoje, mas na época era bem menorzinha. E o meu pai tinha morrido também por aí, acho que ele morreu com 46, eu estava chegando na idade com que o meu pai tinha morrido. Você começa a pensar na paternidade, no que você está fazendo na vida. Comecei a pensar no meu avô, no meu pai, e virou isso aí.

Vanessa Vascouto: Lancei meu primeiro livro em 2018, tinha um espírito aventureiro nesse lançamento. Primeiro porque eu nunca tinha lançado nada e logo resolvi fazer um romance, um romance curto, que é por onde eu estou trafegando, mas não tinha tanta preocupação com coisas como o refinamento da linguagem. Tinha um enredo, queria contar aquela história que havia escutado há alguns anos de uma pessoa muito próxima. É um caso entre duas pessoas, um francês e uma brasileira, e queria contar essa história, não queria inventar muita coisa, não tinha muito uma preocupação com o que eu ia fazer da linguagem. Quando comecei a escrever o Terra Dentro — difícil dizer “Comecei a escrever o Terra Dentro”, porque estava escrevendo ele há dez anos —, não sabia exatamente o que ou para onde estava indo com aquilo. Ele começou como uma cena de teatro, enquanto eu estava no Centro de Pesquisa Teatral, e era um exercício de fala. Só tinha a Rita, que é uma das personagens do Terra Dentro.

Comecei como monólogo, ficou muito ruim, ensaiei ele algumas vezes, mas não deu certo. Coloquei de canto e demorei uns três anos para voltar. Isso era em 2008, mais ou menos. Aí inventei de ampliar aquilo, então virou uma peça, que também não deu certo. Fiz alguns ensaios abertos, mas não rolou — ainda trabalhando só com a Rita. Depois comecei a estruturar essa ideia de que talvez eu pudesse fazer alguma coisa maior, com outros personagens, outros pontos de vista. O Terra Dentro é uma história que ouvi de uma caseira, em Campinas. Ela me contou a história dela, esse acontecimento que se deu entre ela, a irmã, o irmão e mais uma família vizinha, de onde eles moravam, numa plantação de batatas. Eu estava recontando a história, como ela me contou, mas só do ponto de vista dela. Aí falei: “Talvez eu possa ampliar isso e trazer outras versões sobre esse fato”. Foi assim que essa história surgiu. Esse segundo segundo romance já veio muito carregado em linguagem, em me desafiar nessa seara, de fazer com que a linguagem também narrasse a memória para além dos personagens.

 

Rodrigo Casarin: Os dois romances trabalham com três personagens diferentes, três protagonistas. No Terra Dentro o enfoque vai se alternando a cada capítulo da narrativa e no Agora Agora são três partes, cada uma focado no avô, no pai e no filho de uma família. Como foi, para vocês, construir esses personagens com características próprias, pensamentos, maneiras de falar e de se expressar e as visões e limitações de mundo próprias? Queria saber um pouco desse trabalho de composição dos personagens.

Vanessa Vascouto: Me interessava muito, acho que por conta da minha experiência com o teatro, imprimir uma dicção própria para cada personagem. O grande desafio do Terra Dentro foi encontrar a voz desses personagens. São três primeiras pessoas e três personagens muito diferentes entre si, embora sejam irmãos, e para mim essa diferença tinha que ficar evidente na linguagem, na forma como eles iam narrar. A Rita está num lugar mais delirante, é uma vítima do acontecimento que move o Terra Dentro, uma personagem bastante quebrada, e isso tinha que estar refletido na linguagem. Tanto que ela está de forma diferente na página, não está em texto corrido — tem uma parte que é na estrutura de poesia, tem parte que é música. A Mirna, que é a irmã mais velha, é um trator, uma pessoa dada ao trabalho, muito prática, e isso tinha que ser refletido na página, por isso é um bloco de texto único, não tem muito respiro. E o Mosquito é um cara absolutamente passional, que movimenta a história, por conta dele que a história acontece. Além de trazer a memória deles, essa memória tinha que estar em imagem, dentro da linguagem. Narrar em voz alta esse livro enquanto escrevia foi fundamental para isso.

 

Rodrigo Casarin: Quanto há de trabalho braçal para achar esse equilíbrio entre a aspereza e a brutalidade da história com os momentos poéticos?

Vanessa Vascouto: Acho que foi o maior trabalho, e dentro disso encontrar o ritmo da fala de cada personagem para além das expressões que eles usam. Como é a respiração desses personagens, como eles estão narrando, qual é o tempo da memória e da vivência de cada um dentro daquele acontecimento. Isso sou eu no computador, falando comigo mesma na maior parte do tempo, bem doida mesmo, repetindo e narrando aquilo, fazendo o personagem e usando o corpo do personagem. Teve vários experimentos para conseguir. Comecei a Mirna achando que ela mancava, então quando fui experimentando no corpo, porque é parte do meu processo, não deu certo. Só jogando para o corpo mesmo, é processo criativo, para mim funciona desse jeito.

Carlos Eduardo Pereira: Gosto dessa carpintaria, de falar sozinho, o pessoal lá em casa está acostumado. Escrevo reescrevendo. Independentemente do tema, se é pesado, esse trabalho com a palavra, de reescrever, é o que a gente faz. Se não, não vale a pena contar nenhuma história, vai fazer isso de outras formas. Um podcast, textão no Facebook. Já que é literatura, vamos trabalhar a linguagem. Eu curto, gosto muito de fazer. Não é fácil, mas é legal. Esse livro é uma investigação familiar, do meu pai e do meu avô. Eu não conheci meu avô, a gente não tem tanta informação sobre ele. Friburgo é uma cidade na região serrana do Rio de Janeiro e foi colonizada pelos suíços, e a cidade tem orgulho disso, se autointitula a Suíça brasileira. Tem uma herança dos europeus que está rondando pela cidade. Só que minha família é de lá, uma família de negros. Meu avô nasceu logo depois da abolição da escravatura, em Friburgo — uma cidade europeia. Imagino que a mãe dele talvez tenha sido escravizada, um pouco antes disso eles eram escravos e agora são gente livre. Como deve ter sido isso em Friburgo? Ele fez um bar, um clube, onde só entravam negros, porque havia clubes em que ele não podia entrar — imagino que esse tenha sido o motivo. A partir daí imagino que tenha virado uma liderança comunitária.

Não queria contar a história de um “heroizão”, mas acho curioso porque é uma história de resistência cultural, bonita para caramba, não dando tiro em ninguém. Só que na minha família isso nunca foi tido em alta conta. Eu passava minha infância, minha adolescência lá em Friburgo, mas na família ele não é um grande cara. Tinha uma foto dele na sala da minha avó, ela fala bem dele, mas os primos meio que não levavam em alta conta, menosprezavam, sacaneavam, e eu também era um deles, lá nos anos 80. Talvez seja uma família de negros que quer ser aceita pela sociedade local, pela elite de Friburgo. Não sei o que era, mas achei interessante investigar. Existe a possibilidade de ter racismo dentro de uma família de negros. Não é porque somos negros que a gente defende os negros e todo mundo está junto e ninguém larga a mão de ninguém. Não é bem assim, ainda mais nos anos 80. Foi pensando nisso que criei esse narrador que não conhecia. As duas outras partes, que falam do avô e do pai, começam com “Pode ter sido assim”. Ou seja, é uma possibilidade, e gosto disso. Não fui pesquisar, perguntei uma coisa ou outra, mas não quis saber exatamente como era o Otávio [nome do avô]. Tem umas histórias de família, pego essas histórias e mudo pouco porque acho que não se trata de uma pesquisa, e sim de uma imaginação. No mundo de hoje, é muito bom valorizar a questão do negro e da mulher e de uma série de coisas que a gente hoje em dia valoriza e até outro dia não valorizava. Em vez de pesquisar, resolvi imaginar, baseado no que sei dos meus primos da época, no que minha avó fala até hoje. São elementos que resolvi utilizar para criar ficção em cima disso, e não para reproduzir uma era, não era a minha vibe.

 

Rodrigo Casarin: De que forma, para vocês, a arte tem ou não tem que estar em diálogo com o momento presente? Vocês acham que de alguma forma ela pode interferir e ajudar a pautar o momento presente?

Carlos Eduardo Pereira: A literatura não tem uma função, mas tem um desejo quando você está produzindo algo. Gosto de pensar que ler um Agora Agora, um Terra Dentro, seja efetivo. Tenho uma fé muito grande na ficção, ainda mais no mundo como a gente tem hoje, na lógica das redes sociais em que a gente tende a concordar com nossa bolha e discordar da outra bolha, e está todo mundo falando igual. Acho meio difícil a gente conseguir dialogar a partir desse lugar do artigo jornalístico, da rede social, de um vídeo ou de uma dissertação. É possível, claro, mas a gente tem que dialogar com o diferente, não dá para fechar o olho. Eu não acredito em nada individual, acho que a gente deve ter a força do coletivo na vida. Não apenas na literatura, no livro A ou B. A gente precisa olhar para o lado e falar “Gente, vamos fazer alguma coisa. Vamos fazer algo”. Não é “Eu vou fazer e resolver o problema de vocês”. Não acredito nisso. Por enquanto não estamos ouvindo direito, já passamos por essa experiência de tentar usar o argumento. Não vai adiantar e as pessoas não vão ouvir, porque não estamos falando a mesma coisa.

A minha fé na ficção está justamente aí, porque a ideia propõe um diálogo. Um livro não se encerra em si mesmo, vai começar a história. Tem um leitor e esse leitor vai construindo. As elipses vão fazer a possibilidade de encaixar sua história ali naquele livro, aquilo que o personagem está vivendo, talvez você já tenha vivido algo semelhante. E quando você começa a fabular e refletir sobre aquilo, você está pensando sobre o que está sendo colocado ali. Não é uma doutrina, mas você está se inserindo naquele espaço. Se você cria um cenário, cria a possibilidade do leitor entrar ali. E aí não tem resistência, não importa a que bolha você pertença — mas se você entrou naquele jogo, se propôs a encaixar as suas experiências naquela ficção, eu já estou no lucro, já é legal. Não é uma função, mas é um desejo meu, gosto de pensar que as pessoas conseguem entrar nas questões que acho legais via ficção. É o que a gente consegue fazer, não dá para eu fazer mais que isso.

Vanessa Vascouto: Quando comecei a escrever o Terra Dentro, não pensei em tocar num tema social ou falar sobre as questões do campo, sobre a precarização do campo, o empobrecimento da terra e dos trabalhadores rurais. Queria falar dessa relação entre esses irmãos, e deles com os seus vizinhos, dentro dessa comunidade agrícola. Queria falar como o empobrecimento da terra empobrecia as relações, também esvaziava um pouco e deixava tudo muito brutal, no campo da violência. Isso era uma coisa dentro da subjetividade dos personagens e não do contexto social em que eles viviam. Mas é inevitável, quando você começa a trabalhar o íntimo dos personagens, começa a tocar pontos que tocam também as memórias e as vivências coletivas desses trabalhadores e de quem teve ou tem um contato com isso, a história cresce um pouco por si. Quando você toca o mundo interno de um personagem, necessariamente toca o mundo externo, aí as coisas vão surgindo de maneira que você possa conectá-los e não tirar eles desse contexto. Não só trabalhar a subjetividade, mas, pelo contrário, fazer com que aquilo sirva à subjetividade dos personagens — pelo empobrecimento das relações, pela questão árida entre os personagens. Colocar um momento muito precário dentro da condição rural hoje em dia, ainda muito exploratória. Eles estão em uma monocultura, isso também não favorece que as coisas frutifiquem. No fundo é isso, uma terra infrutífera dentro de relações infrutíferas.

 

vanessa vascouto
Vanessa Vascouto

 

Rodrigo Casarin: E qual foi o caminho para criar essa subjetividade de cada um que vive nesse ambiente rural de terras infrutíferas? Foi pesquisa, conversa com gente desse campo? Você também tem um passado familiar em que foi buscar informações?

Vanessa Vascouto: O Terra Dentro é uma história que escutei de uma pessoa, fui ouvindo as outras histórias dessa personagem. Ela me contava outros aspectos do irmão dela, que era o Mosquito, e então eu podia entender um pouquinho melhor o que era o Mosquito. É claro que tenho muito melhor a dimensão dela enquanto personagem, que no livro é a Rita, do que dos outros dois. Até porque ela só tem o Mosquito de irmão, a Mirna foi criação do zero. Ela não existe na história real, mas foi necessária para fazer uma triangulação. A Rita é parte muito envolvida na história, uma vítima, e entra no campo do delírio — é muito difícil para ela tudo o que aconteceu e isso está na forma como ela expressa. Isso traz um grau de desconfiança sobre a versão da Rita, e com o Mosquito é a mesma coisa. Quis trazer a Mirna para fazer esse equilíbrio. Ela é uma personagem que tem um aspecto muito mais prático, muito menos envolvido. Não foi pesquisa, não foi nada, foi imaginação e estratégia narrativa.

 

Rodrigo Casarin: Algum tempo atrás, quando fazia entrevistas, eu perguntava sobre o desafio que é criar ficção num mundo tão inverossímil. Agora acho que já demos um passo além. Estamos vivendo num país em que parte das pessoas deixou de protagonizar cenas inverossímeis e passou a viver numa realidade paralela, que interpreta o mundo de forma objetiva completamente diferente da maneira que nós interpretamos. Como é, para o escritor, criar numa realidade em que as próprias noções de realidade e verossimilhança já foram para o espaço?

Vanessa Vascouto: Tendo a achar que não é bom e nem ruim, as coisas absurdas sempre estiveram aí. Acho que só estamos tendo um acesso privilegiado — ou desprivilegiado — à loucura dos outros, em função de rede social e tudo mais. A minha família é do interior de Santa Catarina, perto de Chapecó, e lá sempre teve uma realidade paralela vivida pela minha própria família, até porque tem uma questão com o ocultismo. No Terra Dentro tem um trecho que eu trago dessa vivência. É a história de uma tia, que eu não cheguei a conhecer, irmã mais velha do meu pai, que faleceu. Ela era jovem e alguém falou para a minha avó: “Vai lá e abre o colchão dessa menina, tem um trabalho feito para ela”. Minha avó abriu e, segundo conta meu pai, tinha umas rosinhas de algodão costuradas dentro. Aquilo era uma espécie de trabalho, e tudo isso sempre me soou absolutamente absurdo. Essas histórias sempre estiveram aí, mas agora a gente tem um acesso diferente a elas. Não acho que é bom e nem ruim, é o que é, sempre foi.

 

Rodrigo Casarin: Recentemente, eu estava lendo Duas Solidões, o livro do diálogo do Gabriel García Marquez com o Mario Vargas Llosa. Em certo momento, Gabriel García fala que ele via o Cem Anos de Solidão como um livro de realismo, não de realismo fantástico ou mágico. Ele fala que na América Latina tudo é possível, tudo é mágico, tudo é fantástico. A nossa realidade é assim e acabou.

Vanessa Vascouto: Eu estou partidária disso.

Carlos Eduardo Pereira: Estou dentro também. Na intenção de ver e tentar entender o que estava acontecendo, fui até a minha família. O que está mais perto, mais seguro talvez. Estudei numa escola militar quando era adolescente, é um momento marcante quando você passa pela adolescência numa escola de formação militar, vira e mexe estou falando desse assunto. Os caras lá nos anos 80, que continuam até hoje na vida militar e não abandonaram, como eu, hoje são coronéis. São esses caras que a gente está vendo aí, que estão no poder ou próximos do poder. Na CPI da vacina do Covid, por exemplo. Vira e mexe você via um coronel fazendo um esquema, tinha um cara da minha turma que estava não sei onde arrumando um jeito de comprar uma vacina, ia ganhar um dólar por vacina. Esse tipo de coisa acontece porque são as oportunidades que surgem logo antes do cara se aposentar. Não é o almirante, o brigadeiro, o general que vai pegar a tropa lá no quartel e mandar tomar não sei o quê, quem faz isso é o oficial de campo — é um coronel, às vezes um sargento, é o cara que está no comando da tropa. Não é um general que está mexendo com tudo, quem está no quartel em contato com a tropa são os caras da minha turma. Não é gente que eu conheço, mas eu conheço um pouco disso.

Participo de grupos de WhatsApp, é uma desgraça. Vejo esses caras comentando desde 2017, 2018, as coisas que aparecem por ali que me soavam absurdas. Agora não mais, agora a gente está vendo que é por aí. Tendo contato com aquele pessoal, você via no que ia dar. Daí a história de não pesquisar tanto, porque se eu for pesquisar, vou começar a retratar o que a gente já está vendo, aí não faz sentido nenhum. Não tem novidade nenhuma nisso. Quero achar espaço para ficcionalizar. Baseado em alguns dados concretos, a gente cria coisas. A minha intenção era olhar para o lado e tentar entender um pouco do que está acontecendo, então vou no que conheço. No meu avô, no meu pai, nos meus colegas de turma. Ainda não me tiraram do grupo, vou ver se eles me expulsam em algum momento.