Especial do mês: Uma biblioteca no seu bolso 30/11/2020 - 14:29

Impulsionados pela pandemia, e-books alcançam novos leitores em 2020

Gisele Eberspächer

 

Você deve ter recebido, lá por meados de março, dicas por e-mail ou redes sociais de livros disponibilizados para download gratuito. Várias editoras participaram, tanto para ajudar seus leitores em um período tão particular de isolamento social, como para fazer seu acervo circular em um momento em que o comércio não podia fazer isso. Se você ficou atento, é provável que tenha baixado obras bem interessantes. A movimentação dos exemplares digitais durante esse período, além de mostrar um aumento na procura pelos livros no Brasil, também nos dá dicas de como anda esse mercado no país.

Um relatório encomendado pela Bookwire, empresa responsável por softwares para publicação digital, mostrou que houve um aumento significativo nas vendas dos e-books no período de 15 de março a 31 de maio no Brasil. Desde então, o consumo estabeleceu-se em um platô mais alto do que o anterior à pandemia. Ainda que números absolutos não tenham sido declarados pelas editoras, o que é frequente nesse mercado, é possível observar os gêneros em que isso mais aconteceu: ficção-científica e young adult. A mesma pesquisa indica que a distribuição gratuita de e-books impulsionou vendas subsequentes de outras obras digitais — ou seja, acendeu o interesse do público para o formato.

“Em geral, editores começaram a dar valor às plataformas digitais porque é uma coisa que eles conseguem distribuir sem contar com as livrarias. Por isso houve um interesse maior dos editores em produção de conteúdo pro digital nesse período”, comenta Carlo Carrenho, fundador do site PublishNews, portal de notícias sobre o mercado livreiro. Tanto que várias editoras investiram nisso: a Todavia, por exemplo, começou a publicar a Coleção 2020: Ensaios Sobre a Pandemia já em maio, inicialmente só em formato digital.

Mas a história não acaba aí: o próprio Carlo comenta que, além do aumento da circulação de livros digitais, o mercado observou também um aumento na venda de livros físicos em livrarias online no mesmo período.

Esse dado mostra a tendência atual do consumo de livros, que contradiz drasticamente as manchetes sensacionalistas de 2012, quando o e-reader Kindle chegou no Brasil: a de que o livro eletrônico acabaria com os livros de papel. Como veremos adiante, o mais comum é que os leitores consumam livros em diferentes plataformas ao mesmo tempo. “Não precisa existir concorrência, são dois formatos que podem existir juntos. Tem gente que vai preferir o físico, tem gente que vai preferir o digital, ou audiolivro. Tem gente que vai usar os três. Acho que não existe essa questão", complementa Carlo.   

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Carlo Carrenho é fundador do site PublishNews. Foto: Divulgação

 

E os leitores?
Ao ser convidada para escrever esta matéria, lembrei-me de Juliana Poggi, conhecida na internet desde 2011 como criadora do canal Jotapluftz. Poggi não só é uma grande leitora e comentadora de livros, de clássicos à ficção científica, mas também aborda temas como construção de acervos pessoais, uso de bibliotecas e plataformas diferentes de leitura.

Juliana conta que começou a ler livros digitais lá por 2003 com o Projeto Gutenberg, que disponibiliza online, de maneira gratuita, obras em domínio público. “Na época eu tinha um computador só para ler livros (era só o que ele aguentava) e salvava os livros em disquete. Essa foi minha primeira biblioteca digital”, comenta. De lá para cá, passou por diversos aparelhos até chegar nos atuais leitores digitais. “Passei a ler muito mais e-books com um e-reader”, relata.

Hoje, Juliana lê de diversas maneiras: “Tento usar de tudo um pouco e experimentar novas plataformas quando surgem. Gosto muito de serviços por assinatura como Kindle Unlimited da Amazon e o Scribd, que oferece tanto e-books quanto audiobooks e hoje é o que mais utilizo”. Para ela, as vantagens dos formatos digitais são o acesso instantâneo a basicamente qualquer livro e o fato de ser bem mais portátil que um calhamaço.

O movimento das editoras durante a pandemia também foi percebido por Juliana: “Algumas editoras até distribuíram e-books gratuitamente, o que não só divulga o catálogo digital delas, mas atrai novos leitores para a plataforma. Conversei com muitas pessoas que afirmaram só ter comprado um Kindle por ter conseguido muitos e-books grátis nesse período”.

Também usuária de bibliotecas, Juliana comenta sobre o acesso a acervos digitais ser um aspecto que ainda sente falta no Brasil. “Poxa... temos tanto a melhorar nisso! Vejo o sistema de bibliotecas americano e canadense e fico sonhando com as possibilidades. Sempre tento incentivar as pessoas a frequentar a biblioteca, mas por vezes a resposta é que não tem biblioteca na cidade delas. O sistema de bibliotecas americano é todo interligado. Com um aplicativo chamado Libby e o número da sua carteirinha você tem acesso a sua biblioteca do bairro e outras que deixam o acervo liberado para todas as regiões, como a Free Library of Philadelphia. É um sonho ter algo semelhante por aqui e levar o acesso à literatura muito além dos grandes centros urbanos.”

O padrão de Juliana, de ser uma leitora multiplataformas, é frequente. Segundo a última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (com resultados de 2019 e ainda não impactados pela Covid-19), realizada pelo Instituto Pró-Livro, 67% dos leitores brasileiros preferem livros em papel, 17% preferem livros digitais e 16% usam as duas. Além disso, 20% já ouviu áudio livros — todos números maiores do que os apresentados na pesquisa anterior, de 2015.

Juliana Poggi é criadora do canal Jotapluftz. Foto: Reprodução / Instagram
Juliana Poggi é criadora do canal Jotapluftz. Foto: Reprodução / Instagram

 

      O mundo das lives

Eventos online foram saída das editoras para lançar livros durante isolamento social

A pandemia causou uma série de problemas para o mercado livreiro: começando na produção (com escassez de papel e atraso de gráficas), passando pela distribuição e venda de livros em espaços físicos, que permaneceram fechados por um período considerável, e chegando no lançamento de novas obras — tipicamente, os eventos com os autores eram grandes momentos de celebração e vendas.

Nesse contexto, as empresas precisaram reinventar seus processos. A mencionada distribuição promocional de livros gratuitos foi uma ação recorrente, assim como a organização de lives em diversas plataformas (como YouTube, Facebook ou Instagram) para realizar os lançamentos que de outra forma seriam presenciais.

Sobre isso, conversei com a escritora Giovana Madalosso, que lançou Suíte Tóquio (Todavia) durante a pandemia. “Pensei que ficaria sem os abraços da noite de autógrafos. Eu adoro a parte dos abraços”, comenta, quando perguntei sobre qual foi seu primeiro pensamento quando percebeu que o lançamento do livro seria nesse formato. O livro, que narra pela perspectiva de uma mãe e de uma babá o sequestro de uma criança, foi lançado em setembro de 2020.

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Giovana Madalosso lançou Suíte Tóquio (Todavia) durante a pandemia. Foto: Divulgação / Renato Parada

 

Mas, se no começo Giovanna estava receosa de o lançamento de seu livro passar batido sem os eventos tradicionais, logo percebeu que a situação era quase a oposta. “Durante o isolamento, as pessoas estavam carentes de eventos, leituras, novidades. E logo comprovei isso. Suíte Tóquio foi super bem recebido. Fiz algumas lives de lançamento e atingi um público que não atingiria numa noite de autógrafos: pessoas de vários cantos do Brasil, curiosos que estavam passando pela timeline e entravam no evento. E os que faziam questão de uma dedicatória não ficaram na mão. Autografei cerca de quatrocentos exemplares que foram vendidos por diversas livrarias. Meu punho esquerdo nunca trabalhou tanto.”

E não foram só os lançamentos que passaram para a forma virtual. Clubes de leitura, como o Leia Mulheres, também realizam encontros online. E mesmo eventos de grande porte, como a Feira do Livro de Frankfurt, aconteceram à distância. O mesmo vale para um dos eventos literários mais tradicionais do Brasil: a 18ª edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) acontece entre os dias 2 e 6 de dezembro com uma programação inteira online [Em Curitiba, a Flibi — a Festa Literária da Biblioteca Pública do Paraná, que edita o Cândido — está programada para os dias 8, 9, 10 e 11 do mesmo mês].

 

      Publicar-se ou não publicar-se: eis a questão

Plataformas digitais barateiam serviços de autopublicação, mas aumentam oferta para o leitor

Vários autores passaram pela autopublicação em algum momento da sua carreira. Sem conseguir espaço em editoras, Stephen King e Paulo Coelho, hoje best-sellers, já se responsabilizaram por pagar e distribuir edições de seus próprios livros. Um exemplo mais local é Paulo Leminski, que fez um grande número de edições caseiras em brochura de sua poesia. Além de alcançar leitores, compunha a estética da poesia marginal, mostrando o potencial de obras que tinham dificuldade de se inserir no mercado tradicional.

Um dos grandes desafios para os autores sempre foi arcar eles mesmos não só com os custos desse tipo de publicação, mas também com os de divulgação e venda dos exemplares depois — no fim, realizar processos que uma editora normalmente faria.

A novidade trazida pelas plataformas digitais é a facilidade de ser fazer isso, assim como uma redução considerável de custos. Com a possibilidade de publicar um texto online, retira-se toda a fatia de preço de produção e impressão de um livro físico. E já existem várias plataformas para isso, como a própria Amazon ou o Wattpad, site que permite que escritores postem seus textos e recebam feedback de sua escrita. É o caso do livro Mais Leve que o Ar, de Felipe Sali, publicado pela editora Lote 42 depois de ter sido lido mais de 450 mil vezes no aplicativo.

Em uma fala no Congresso CBL do Livro Digital de 2016, o editor alemão Leander Wattig informou que na Alemanha um em cada dois livros digitais publicados são autopublicações, enquanto a proporção de impressos é de uma autopublicação a cada quatro livros. Mas o cenário não é tão receptivo quanto esses números fazem parecer. Apesar da publicação em si ser mais fácil, fazer o livro chegar aos leitores continua sendo difícil — talvez até mais, considerando a oferta também maior.

A Amazon tem uma das maiores plataformas de autopublicação digital sem custo nenhum para o autor. Para incentivar esse mercado, organiza o Prêmio Kindle, que em janeiro de 2021 anuncia os vencedores de sua quinta edição. Além de ressaltar a produção de autopublicação e promover os vencedores, o prêmio também possibilita a veiculação das obras em versão impressa por uma editora (nesta quinta edição, os vencedores terão suas obras publicadas pelo Grupo Editorial Record).

Para entender melhor esse cenário, conversei com Barbara Nonato, carioca formada em psicologia e vencedora da quarta edição do Prêmio Kindle. Seu livro, Dias Vazios, uma narrativa sobre uma mulher que volta do coma depois de quase uma década, será publicado em breve pela Nova Fronteira.

Barbara lançou seu primeiro livro em 2016, uma autopublicação impressa, com uma tiragem pequena. Seu segundo livro, O Lado Oculto do Medo, foi selecionado como finalista da primeira edição do Prêmio Kindle. Ela também foi finalista da segunda edição do prêmio — e agora, na quarta edição, ganhou o prêmio máximo. 

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Barbara Nonato venceu a quarta edição do Prêmio Kindle com o romance Dias Vazios. Foto: Divulgação

 

Ainda assim, Barbara comenta que seus livros não chegaram em muitos leitores, embora o livro vencedor tenha encontrado um número maior deles em comparação com os demais. “O livro impresso será lançado nos próximos dias e talvez, ao ter um livro meu impresso à venda em livrarias, a coisa se altere um pouquinho. Mas não crio grandes expectativas e procuro manter os dois pés no chão, pois sei que ser escritor no Brasil não é fácil”, explica.

Sobre os desafios de se autopublicar, Barbara comenta que, para fazer edições físicas, o maior desafio é realmente o preço — principalmente porque, com tiragens pequenas, a edição final fica com um preço elevado, dificultando ainda mais as vendas. Para a autora, esse problema é resolvido nas plataformas digitais: “As vantagens nesse caso são a gratuidade de publicação, rapidez e abrangência de público, uma vez que o livro fica disponível no site. Vejo a autopublicação como alternativa relevante para aqueles que querem ver seus livros distribuídos e são estas ferramentas que têm lançado muita gente boa no meio literário. Muitos autores de sucesso começaram pela autopublicação e cresceram a partir dela, portanto acho que seja válida. E a leitura de e-books tem crescido bastante, tem se popularizado no país, o que é também um fator positivo”.

Foi pensando nas dificuldades encontradas pelos autores na autopublicação que surgiu a Editora Labrador, fundada por Daniel Pinsky. A empresa fornece serviços de edição e publicação de e-books ou livros físicos para quem quer ingressar nesse mercado. “Em um primeiro momento, muita gente do mercado editorial acreditou que o digital mataria o físico. Algo parecido com o que a música digital fez com o CD. Por sua natureza distinta, isso não ocorreu no mundo dos livros. Por outro lado, o surgimento de uma alternativa possibilitou o nascimento de diversos modelos de negócio, como a venda individual de e-books e plataformas de leitura em streaming, por exemplo. Para a autopublicação, o digital fez surgirem novos modelos de publicação como Wattpad e o Kdp da Amazon”, comenta.

Ainda assim, os autores encontram obstáculos. Segundo o editor, “a maior dificuldade de um autor que opta somente pela autopublicação com o e-book é conseguir se destacar e alcançar o público que ele deseja. É, sim, um pouco mais barato. No entanto, nesse caso, o autor perde a oportunidade de estar presente nas livrarias. Perde a materialidade do seu projeto”.

 

Nem só de Kindle vivem os e-books

Entre formatos e plataformas, leitores encontram várias possibilidades de leitura no mundo digital

Em 2014, a Apple lançou um projeto ambicioso: o livro que revolucionaria os formatos digitais. Life on Earth, de E. O. Wilson, é uma obra em sete volumes sobre ciências naturais e formas de vida na Terra. Disponível gratuitamente no aplicativo Livros (o antigo iBooks) de qualquer produto Apple, o modelo tinha um grande potencial. Mas, olhando para o material hoje, é quase impossível não compará-lo a uma apresentação de slides — muito bem feita, claro, com vídeos e funções interativas —, bem distante do que se imagina um livro digital seis anos depois.

Como já foi apontado, é comum leitores conviverem com livros físicos e digitais simultaneamente. Em um dos raros momentos de divulgação de números da Amazon (dessa vez o responsável foi Alex Szapiro, presidente da Amazon no Brasil, em uma fala no Congresso CBL do Livro Digital em 2016), os clientes que começaram a comprar livros digitais não pararam de comprar livros físicos — inclusive, passaram a consumir 3,8 vezes mais livros.

A simultaneidade de formatos não é só entre digitais e físicos, mas também entre as opções de livros digitais. Segundo um relatório internacional da Bookwire, com entrevistas com mais de duas mil pessoas entre 16 e 65 anos na Alemanha sobre as mídias que usaram durante seis meses, 21% dos leitores usam e-books, audiobooks e podcasts simultaneamente, com as gerações mais novas tendo uma leve preferência por produtos em áudio e as gerações mais velhas por textos escritos.

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Claudio Gandelman é CEO da Auti Books. Foto: Divulgação

 

Aqui no Brasil, a Retratos da Leitura indica um aumento considerável de pessoas que leem livros digitais — de 26% dos entrevistados em 2015 para 37% em 2019. Além disso, indica que a plataforma preferida é o celular, seguido pelo computador, por tablets e, só então, por leitores digitais.

Para Carlo Carrenho, é interessante pensar o impacto que os livros digitais têm na leitura. “O livro digital é mais acessível economicamente, porque é mais barato, geograficamente, porque uma pessoa que está no meio da Amazônia pode baixar livros e usá-los, e é mais acessível para pessoas com deficiência, já que livros digitais são facilmente transformados em áudio com robôs de leitura. O mesmo para pessoas com dislexia. Então se você perguntar para um desses grupos se houve impacto para eles como leitores, com certeza houve”, explica. Por isso, quanto mais plataformas e formatos disponíveis, melhor para quem lê — e tem mais chance de escolher a plataforma com a qual quer acessar um determinado texto.

 

Livros em áudio
Um dos produtos em crescimento no mercado de livros digitais são os audiolivros. Carlo ressalta, por exemplo, que na Suécia 50% dos livros de ficção já são em áudio, uma taxa bastante alta. No Brasil, 20% dos leitores já ouviram audiolivros, segundo o levantamento Retratos da Leitura.

Uma das empresas que nasceu nesse segmento é a Auti Books, união de três editoras brasileiras (Record, Intrínseca e Sextante) para ingressar nessa linha de mercado, fundada em 2019.

“O mercado de audiobooks no Brasil ainda é algo extremamente novo. Para se ter uma ideia, temos mais de 30 mil títulos sendo lançados anualmente no país, o acervo total de audiobooks tem um número em torno de 10 mil títulos já produzidos em português. Mas temos notado que as pessoas que experimentam os audiobooks têm uma excelente experiência e vem se tornando cada vez mais uma realidade para os brasileiros”, comenta Claudio Gandelman, CEO da empresa.

Na Auti Books, os leitores podem optar tanto por um formato de assinatura mensal como pela compra de livros avulsos — os arquivos ficam disponíveis em um aplicativo próprio. Segundo informações do site, os dez livros mais vendidos no período de fechamento da matéria são de autoajuda ou negócios.

Segundo Claudio, o período de pandemia apresentou um aumento grande no consumo de audiobooks. Além disso, a empresa também fez campanhas de distribuição gratuita de títulos, realizando a doação de mais de 150 mil audiobooks.

 

 

       Revolução na revolução

       (ou: o livro é uma plataforma bem menos estável do que você pensava)

A revolução digital está longe de ser a primeira grande mudança no formato dos livros. “Definir o próprio livro é uma operação de risco. Prefiro ser inclusivo a ser exclusivo e, portanto, ofereço uma definição bem frouxa. O livro, por exemplo, não existe simplesmente como um texto em folhas de papel impresso e encadernado — o códice tradicional com o qual estamos familiarizados hoje. Tal definição esquece os dois milênios de livros antes da imprensa e as várias formas assumidas pela comunicação textual da invenção do códice”, afirma o pesquisador Martyn Lyons na obra Livro, Uma História Viva (tradução de Luís Carlos Borges, editora Senac São Paulo).

Os primeiros registros indicam que tudo começou com a escrita cuneiforme, marcada com uma espécie de estilete (conhecido como stylus) em placas de argila — armazenadas em conjunto em baús. Tanto que na Epopeia de Gilgamesh (atribuída a Sin-léqi-unnínni, com tradução de Jacyntho Lins Brandão pela Autêntica), uma das obras mais antigas da qual se tem notícia, o final do prólogo orienta o leitor a abrir o baú, pegar uma das placas e iniciar sua leitura. 

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A Epopeia de Gilgamesh é uma das obras mais antigas da qual se tem notícia

 

A primeira revolução foi o desenvolvimento do papiro, feito com fibras de junco e extremamente frágil, ou o pergaminho, feito de couro animal — mais resistente, mas exigindo muitos processos e cuidados. Ambos podiam ser enrolados para armazenamento.

Somente entre os séculos II e III os rolos deram lugar ao códice, modelo parecido com o que conhecemos hoje de encadernação. Tinha o manuseio mais simples, pois não era necessário abrir o rolo inteiro para procurar uma informação, mas ainda eram feitos com materiais muito caros. Além disso, a escrita era manual, assim como a encadernação.

O livro, assim como outros materiais escritos, se populariza consideravelmente com a chegada da imprensa na Europa, no século XV — que permite várias cópias de um mesmo texto com apenas uma matriz. A industrialização do século XIX também trouxe novidades, de confecção de papel mais barato e de melhor qualidade a facilidades logísticas. O livro fica, novamente, um pouco mais barato.

A criação dos livros em brochura — em oposição às encadernações de capa dura e muitas vezes em couro —, iniciada pela editora alemã Albatross e disseminado pela inglesa Penguin, foi um momento revolucionário. Textos de qualidade conseguiram circular amplamente por preços baixos graças às altas tiragens dos produtos, e esse foi um marco para a popularização do formato.

“A revolução eletrônica, por fim, é a maior mudança desde o códice. Ela mudou a forma física do livro ao simplesmente remover o material de suporte tradicional: o papel”, comenta o historiador Martyn Lyons. E mais uma mudança no armazenamento físico, que agora é quase nulo (um e-reader pode armazenar quase dois mil títulos).

Além do investimento das próprias editoras em plataformas alternativas, outras iniciativas apresentam propostas que popularizam o acesso a diversos materiais. O Projeto Gutenberg disponibiliza obras com direitos autorais livres; o Google Books digitaliza acervos antigos com obras raras. A USP disponibiliza a digitalização da coleção de livros dos bibliófilos Guita e José Mindlin, conhecida como Brasiliana.

Ainda há muito por acontecer, mas estamos cada vez mais perto de ter bibliotecas inteiras no nosso bolso.

 

Gisele Eberspächer é jornalista, professora e mestre em Estudos Literários pela UFPR. Mantém desde 2012 o canal de crítica literária “Vamos Falar Sobre Livros?” e colabora regularmente com o jornal Rascunho. Junto com Paulo Pacheco, e sob a supervisão de Ruth Bohunovsky, traduziu a peça O Presidente (2020), de Thomas Bernhard. Vive em Curitiba (PR).