ESPECIAL | O adaptador 25/02/2022 - 14:28

Uma incursão pela filmografia de Stanley Kubrick, que conta com 13 filmes baseados em livros

João Lucas Dusi

 

kubrick
Foto: Reprodução

 

A filmografia de Stanley Kubrick (1928-1999), toda baseada em livros, é enxuta. Em 46 anos de atividade, o cineasta lançou somente 13 filmes — o que tem muito a ver com a conhecida obsessão do norte-americano pelos mínimos detalhes. O que se desdobra, também, para como ele aterrorizou a vida de muito ator e atriz, sempre em busca da reação perfeita.

Antes, para conceituar o leitor, segue abaixo a lista de todos os longas-metragens dirigidos e roteirizados por Kubrick. Em alguns casos, com destaque para Lolita (1962) e 2001 — Uma Odisseia no Espaço (1968), há uma boa mãozinha dos autores dos livros no roteiro (a saber: Vladimir Nabokov e Arthur C. Clarke, respectivamente).

 

  • De Olhos Bem Fechados (1999)
  • Nascido para Matar (1987)
  • O Iluminado (1980)
  • Barry Lyndon (1975)
  • Laranja Mecânica (1971)
  • 2001 — Uma Odisseia no Espaço (1968)
  • Dr. Fantástico (1964)
  • Lolita (1962)
  • Spartacus (1960)
  • Glória Feita de Sangue (1957)
  • O Grande Golpe (1956)
  • A Morte Passou por Perto (1954)
  • Medo e Desejo (1953)

 

É curioso notar, antes de qualquer coisa, como o hiato entre filmes vai ficando maior conforme o diretor amadurece. Os mais de dez anos que separam Nascido para Matar do último longa de Kubrick, De Olhos Bem Fechados, não permitiram que o diretor assistisse à sua realização final nos cinemas — ele morreu pouco antes, aos 70 anos.

O livro Kubrick (Ubu, 2017), assinado pelo crítico de cinema Michel Ciment (e traduzido por Eloisa Araújo Ribeiro), é de onde foram extraídas as falas e informações sobre os filmes 2001 — Uma Odisseia no Espaço e O Iluminado que aparecem na sequência.

Esse breve recorte foi escolhido pelo Cândido a partir de uma fala do crítico Roberto Sadovski, que considera os dois longas — ao lado de Laranja Mecânica, já comentado — os mais emblemáticos da carreira do diretor, com mais ressonância na cultura pop.

 

Terrores irracionais

De acordo com Ciment, esses dois filmes estão conectados pelo “fantástico e seus mitos”. Em um deles, 2001, o “real torna-se imaginário”. No outro, O Iluminado, “o imaginário torna-se real”. Tratam-se de longas-metragens que, à primeira vista, podem parecer radicalmente opostos.

Em 2001, possivelmente o “trabalho mais audacioso” de Kubrick, acompanha-se a evolução do homem, da pré-história (“A aurora da humanidade”) a um período em que o sapiens avançou bastante na conquista do espaço — e coisas no mínimo estranhas acontecem, sobretudo envolvendo um misterioso monólito presente em quatro importantes saltos evolutivos da humanidade.

Além de ter um final icônico, cheio de referências fálicas e sujeito às mais variadas interpretações ao longo dos anos, 2001 ganhou uma espécie de releitura que agradou público e crítica: Interstellar (2014), de Christopher Nolan, que traz no elenco nomes como Matthew McConaughey, Anne Hathaway e Michael Caine, cujo personagem é obcecado pelo poema “Do not go gentle into that good night”, de Dylan Thomas.

O outro filme, O Iluminado, é radicalmente claustrofóbico. Baseado no romance homônimo de Stephen King, o longa mostra o personagem de Jack Nicholson preso no hotel Overlook com a família, onde achou que seria um bom lugar para superar o alcoolismo, e vai enlouquecendo, sujeito aos caprichos de sua mente instável — ou das ações do sobrenatural?

O Iluminado traz uma cena icônica em que Nicholson arrebenta uma porta com um machado e anuncia para a esposa aterrorizada, interpretada por Shelley Duvall: “Here’s Johnny!”, com aquele sorriso lunático bastante característico do ator. Apesar desse acontecimento ser muito lembrado, e de a fala ter se enraizado na cultura pop, há outras curiosidades a respeito da filmagem que valem ser lembradas.

Em entrevista de dezembro de 1981, Shelley soa mais grata do que aterrorizada com a quantidade de takes que precisou repetir para entregar ao diretor a reação esperada para a cena. “Ele [Kubrick] foi duro comigo, mas ampliou meu registro de atriz: posso ir com mais facilidade de um extremo a outro e agora posso interpretar personagens extrovertidos”, conta.

Sobre a produção em geral, ela faz um comentário que alfineta o livro de King, conhecido como um expoente do terror: “Kubrick pegou um romance de série B e o transformou em um thriller psicológico de categoria A”, diz. “Foi uma vitória fantástica. E como ele me dizia: ‘Nada de grande foi conseguido sem sofrimento’. Et c’est vrai”.

Retornando à análise de Ciment, para amarrar essas obras que exploram um macro e um microcosmo, o crítico afirma que a busca de ambas é a mesma: “Procurar a razão desses terrores irracionais que governam o ser humano”.

 

João Lucas Dusi é redator do jornal de literatura Rascunho e do portal Bienal 360º. Publicou o livro de contos O Grito da Borboleta (2019). Vive em Curitiba (PR).