ESPECIAL | Encontros com Cortázar 15/05/2024 - 12:26

Entrevista com Josefina Delgado, professora aposentada de Letras, sobre os encontros que teve com o escritor argentino Julio Cortázar 

 

Nelson André De Russi

 

Josefina Delgado tem 82 anos e uma vida dedicada à literatura. É professora aposentada de Letras, formada na Universidade de Buenos Aires. Entre os seus livros está Memorias Imperfectas, em que registra seus dias junto com escritores, escritoras, amigos e confidentes. Nessas memórias descobrimos que conheceu Jorge Luis Borges, a quem ajudou a escrever um prólogo das obras de Shakespeare. Também vamos descobrir o encontro com outro gigante da literatura Argentina. Com 33 anos, se encontra em um café em Buenos Aires com Julio Cortázar. Nos anos 70 e 80, como gestora cultural, participou ativamente do resgate de obras e da promoção de autores jovens. Entre 2001 e 2002, foi vice-diretora da Biblioteca Nacional da Argentina. Josefina nos recebeu para uma entrevista em um café no bairro da Recoleta para falar sobre Julio Cortázar.

 

Josefina, você se encontrou duas vezes com Julio Cortázar, a última vez foi pouco antes dele morrer?

Essa última vez que ele veio foi em dezembro de 1983 (Cortázar morreu em fevereiro de 1984, três meses depois), para visitar sua mãe. Alguns dizem que na verdade veio se despedir dela, porque já sabia que estava mal de saúde e restava pouco tempo de vida. Aparentemente, existe uma carta que ele escreveu a Néstor Tirri, um crítico de cinema argentino, dizendo isso.

 

Você já tinha o encontrado antes?

Tínhamos nos encontrado em 1973. A questão é que eu estava casada com um jornalista, Alberto Perrone, e era a primeira vez que Cortázar fazia uma visita pública a Buenos Aires. Tinha vindo outras vezes, mas não era divulgado. Em 1973, por fim, voltava um governo civil, então Alberto quis fazer a entrevista para a revista Gente, onde trabalhava. Claro, eu quis ir. Meu marido e eu éramos formados em Letras, leitores fanáticos de Cortázar. Nos encontramos num café na avenida Córdoba. Ele chegou, mas o fotógrafo não, então Alberto se aproximou do balcão para pedir o telefone e eu fiquei sozinha com ele, muito nervosa. Eu tinha menos de 40 anos, pensei “o que falo?”, “o que digo?”. Foi ele que começou a perguntar o que eu fazia, o que eu achava da situação que estava vivendo o país, foi muito lindo. Depois saímos, ele queria ir a San Telmo, porque gostava de andar pelos bairros. Caminhamos pela avenida Córdoba até a rua Florida, à nossa frente ia o fotógrafo fazendo imagens. As pessoas me olhavam, eu vestia jeans. Deviam se perguntar “quem é essa menina de jeans acompanhando o Cortázar?”, pois ele era conhecido por todos. Em San Telmo também foi muito lindo, entramos em um conventillo (primeira moradia de muitos imigrantes que chegavam ao país). Eram casas antigas que tinham um pátio central, em volta haviam quartos, em cada um deles morava uma família, tinha um pátio, uma mulher estava pendurando roupa numa corda, ele a cumprimentou, foi muito bonito.

 

Quando pensamos hoje, o que fica de mais importante?

Para mim, o melhor de Cortázar, o que ele verdadeiramente renovou, são os contos. Quase te diria que depois dele não teve ninguém que gerou essa maestria no conto com a mesma capacidade original e inovadora. Antes, pode-se falar de Borges, mas Cortázar segue outro caminho, depois eu continuo defendendo Rayuela (O Jogo da Amarelinha).

 

Podemos falar um pouco mais de Rayuela, que completou 60 anos em 2023?

Rayuela é um romance que te propõe alternativas, que está se renovando permanentemente. Isso é o que tem de interessante. Me parece um livro extraordinário. Já sabemos o que ele propõe: o romance propriamente dito, as discussões literárias, as morellianas. Isso te faz realmente trabalhar o pensamento de uma maneira que não tem limites. Eu tinha 20 anos quando estava para sair Rayuela. Neste momento eu estudava na faculdade de Filosofia e Letras e ia todas as manhãs à livraria para ver se o livro tinha chegado.
 

Qual a importância da relação de Cortázar e Buenos Aires, principalmente nessa questão da fala portenha?

É maravilhoso.Cortázar incorpora coloquialismos e nesta época os escritores não utilizavam isso, nem quando faziam diálogos. Ele incorpora e resgata isso.

 

Tem uma outra coisa importante na sua relação com Cortázar: quando você era vice-diretora da Biblioteca Nacional, fez a aquisição de cartas e documentos dele. Você pode nos explicar?

Eu fui vice-diretora da Biblioteca Nacional entre 2000 e 2002. Ana María Barrenechea, uma amiga muito próxima de Cortázar, tinha sido minha professora e me ofereceu os materiais. Ela não queria vender o que tinha para a Universidade Princeton, que era onde haviam oferecido. Princeton tem uma área de arquivos e manuscritos de escritores, mas ela não quis, porque preferia que esses documentos ficassem na Argentina. Quando soube que eu era vice-diretora me ofereceu, pois confiava em mim. Fizemos uma proposta e a Biblioteca Nacional comprou.

 

Atualmente ainda está na Biblioteca Nacional?

Espero que sim. O que está aí é o manuscrito do Caderno de Bitácora, de Rayuela, e cartas, além de outros documentos, reportagens, tudo isso, não todas as cartas, mas as que ela tinha.

 

Para terminar, o que poderíamos dizer nesses 40 anos da morte de Cortázar?

Eu acredito que Cortázar é um clássico, acredito que marcou, que é preciso continuar editando e vendendo seus livros.