ESPECIAL | Caminho das pedras 30/01/2023 - 19:18

Um panorama com os principais caminhos da autopublicação e as estratégias mais comuns adotadas no cenário independente da literatura

Isabella Serena e Juliana Sehn

 

Após lançar três livros, cada um por uma editora diferente, o escritor baiano Matheus Peleteiro se sentia frustrado. Principalmente com relação ao potencial limitado de distribuição das pequenas e médias empresas com que trabalhou. “Fui percebendo que todo o percurso literário é solitário, não só a escrita”, conta Peleteiro, que hoje publica e divulga seus trabalhos por conta própria.

O autor de Mundo Cão (2015) e O Ditador Honesto (2018), entre outros, explica que, além de se divertir com o processo editorial, também produz os livros a um custo menor. Com isso, torna o produto mais acessível para os leitores e consegue enviar uma quantidade maior de exemplares para possíveis divulgadores.

Experiências como a de Peleteiro são a base desta reportagem do Cândido, que ouviu  escritores e editores para traçar um mapa com os principais caminhos da autopublicação e as estratégias mais comuns adotadas no cenário independente. Começando por um pergunta bem atual: vale a pena lançar e comercializar em plataformas digitais?

Para os entrevistados, essa decisão depende da intenção do autor e das ferramentas disponíveis. “Ambos os formatos são importantes e podem ser estratégicos”, diz Daniel Lameira, editor, diretor criativo e fundador do curso sobre mercado editorial Vida do Livro. Ele afirma, no entanto, que o livro impresso ainda representa mais de 90% do faturamento da maior parte das editoras.

 

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O escritor baiano Matheus Peleteiro. Foto: divulgação

 

Editores da Telaranha, em Curitiba, Guilherme Conde Moura Pereira e Bárbara Tanaka trabalham apenas com o formato físico. Isso porque o retorno financeiro de um livro digital ainda é muito baixo para a editora. Há uma série de percentuais de venda que ficariam para a Amazon, por exemplo, além de uma divisão diferente dos direitos autorais — o que torna o processo mais complexo para uma empresa pequena investir. Entretanto, observando a movimentação do mercado e as decisões tomadas principalmente por editoras grandes, Guilherme acredita que existe um público considerável para o livro digital, sendo ele próprio parte desse grupo.

De fato, as editoras têm investido cada vez mais em obras digitais por conta de uma demanda crescente desses produtos. O faturamento do mercado editorial brasileiro com conteúdo online registrou um acréscimo de 12% em 2021, segundo pesquisas coordenadas pela Câmara Brasileira do Livro e o Sindicato Nacional de Editores de Livros — um crescimento expressivo e diretamente ligado a hábitos criados durante o período mais agudo da pandemia.

Ainda assim, o digital permanece sendo uma opção menos vantajosa para pequenas editoras. A Lote 42, casa editorial de São Paulo fundada pelo jornalista e escritor João Varella, também trabalha apenas com o formato físico. Apesar de, no início, os editores sonharem com a possibilidade de também explorar o livro online, alguns fatores dificultaram o processo. Varella explica que, além de facilmente “pirateável”, o formato virtual é dominado por plataformas que determinam especificidades com relação ao projeto gráfico dos títulos comercializados — o que acaba prejudicando a expressividade do livro. “A gente entende o tátil como parte da experiência”, afirma o editor, que dá aulas sobre publicação na Sala Tatuí, braço de cursos da Lote 42.

Julia Raiz e Anna Carolina Azevedo, participantes do coletivo (ou “grupa”, como se denominam) Membrana, em Curitiba, acreditam que seu público também prefere o meio analógico. O gosto pela interação com o papel e por colecionar edições são características comuns dos que acompanham seus projetos. Isso não significa que a Membrana não utilize os meios digitais, como os QR codes. Impressos nas publicações, os códigos levam para conteúdos como tutoriais (sobre como dobrar um fazine, por exemplo), poemas em áudio e no Instagram, podcasts sobre literatura, etc.

 

A melhor tiragem 

Para João Varella, imprimir é uma questão de apostar — pois nunca se sabe ao certo qual é a quantidade perfeita de exemplares. Para os iniciantes, ele sugere a impressão digital, pela possibilidade de realizar tiragens mais baixas. No entanto, Varella alerta que, para funcionar, esse sistema exige um impulsionamento de publicações de divulgação, com investimento em engajamento nas redes sociais.

 

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Editor Daniel Lameira, fundador do curso editorial Vida do Livro. Foto: divulgação

 

Segundo Daniel Lameira, a média tradicional do mercado é de 3 mil cópias. “Esse é um montante que costuma ser um número mágico viável comercialmente dentro das estruturas atuais”, explica. Porém, ele faz a ressalva de que diversas editoras e autores trabalham com tiragens menores, mais condizentes com suas realidades e possibilidades, e nem por isso deixam de criar boas estratégias a partir desse modelo.

Guilherme Pereira lembra que, para um autor totalmente independente, sem parceria com nenhuma editora, é importante pensar na perspectiva de venda no dia de lançamento. O editor sugere uma tiragem de 100 a 200 exemplares no caso de um livro autopublicado, com a possibilidade de reimpressão se for necessário. O escritor Matheus Peleteiro também aconselha, para autores “solo”, imprimir entre 100 e 150 cópias, considerando que uma nova tiragem pode ser produzida com facilidade.


 

Divulgar e distribuir 

Lameira aponta que, com o fim da era das redes de livrarias, a busca por divulgação passou a se cruzar ou dialogar com a lógica do conteúdo e da presença em redes sociais e eventos. “Tentar entender e desenvolver uma estratégia para a presença online não é a única possibilidade, mas com certeza é um diferencial”, diz. João Varella, por sua vez, pontua que é positivo encarar as etapas do marketing, da divulgação e da circulação também como partes do processo de criação do livro.

Para divulgar seu catálogo, a Telaranha aposta no recurso de enviar livros para formadores de opinião do cenário literário. Caso essas pessoas se interessem e gostem de uma obra, podem divulgá-la de modo realmente orgânico, espontâneo. Já a Membrana, organizada em torno de um grande número de autores, tem como principal estratégia de divulgação o compartilhamento dos lançamentos entres os próprios participantes do coletivo, via Instagram.

Matheus Peleteiro também utiliza o Instagram para compartilhar textos e alcançar novos leitores. Mas não deixa de negociar exemplares em livrarias físicas e vender todo seu catálogo pela Amazon.

A distribuição dos livros da Telaranha acontece por meio de uma loja virtual, além do marketplace da Amazon e de algumas livrarias em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. Nesse caso, os lojistas ficam com cerca de 40% e 50% do percentual das vendas.