ENTREVISTA | Ilana Casoy 29/04/2022 - 11:54

Tempo de violência

Autora de sucessos como Bom Dia, Verônica e Arquivos Serial Killers: Made in Brazil, Ilana Casoy fala sobre seu método de trabalho, a parceria com Raphael Montes e o boom do gênero true crime no país

Isabella Serena

 

Principal expoente do universo true crime no Brasil, a criminóloga, roteirista e escritora Ilana Casoy aproveita o bom momento comercial do gênero para avançar em suas pesquisas e produções. Em janeiro, Ilana estreou a segunda temporada de Em Nome da Justiça, programa do canal pago AXN que ela mesma criou e apresenta. E neste mês foi anunciada mais uma leva de episódios de Bom dia, Verônica, série de sucesso da Netflix baseada no romance homônimo assinado em dupla com Raphael Montes.

Especializada em analisar perfis psicológicos de criminosos, especialmente de serial killers, a autora de 62 anos conversou com a reportagem do Cândido sobre o que gosta de ler, sua parceria com a editora Darkside e o método de trabalho desenvolvido para escrever a quatro mãos. Também revelou seus próximos projetos e fez um alerta: há muita “fofoca criminal”, sem base investigativa, sendo vendida no mercado como true crime.

 

Quais são suas referências e preferências literárias?

Gosto de ler tudo. O que não me prende de cara, me esforço para continuar lendo até a página 100. Acabei de ganhar de aniversário um livro do Stephen King, mas não tive tempo de ler ainda. Recentemente, reli Mila 18, do Leon Uris, e adorei. Foi um livro que li pela primeira vez quando tinha 13 anos. Também tenho curtido bastante o Cesar Bravo, meu colega na Darkside.

 

Como surgiu seu envolvimento com a editora Darkside?

A Darkside ainda estava sendo lançada quando eles me mandaram uma mensagem pelas redes sociais, perguntando se eu estaria disponível para escrever uma contracapa ou orelha de algum livro internacional que estavam editando na época. Estava desiludida com o mercado editorial e bem cansada, até pensando em não publicar mais livros. Mas, quando vi o jeito com que eles trabalhavam e o site da editora, percebi que era uma proposta nova e diferente. Então perguntei: “Vocês não querem me publicar?”. Foi engraçado, porque ninguém esperava, nem eles e nem eu. A gente se conheceu e se apaixonou. É um casamento, uma parceria, bem longe de ser uma questão empresarial.

 

E a sua parceria com o Raphael Montes, aconteceu de que forma? E como vocês tiveram a ideia para a produção de Bom Dia, Verônica?

Nós nos conhecemos em Extrema, Minas Gerais, no festival literário. Essa interação começou como uma brincadeira. Não tínhamos um compromisso e não precisávamos nos arriscar. Era tudo novo, não sabíamos se ia dar certo. O Rapha me convidou para escrever ficção e li os livros dele antes de aceitar. Curti, e foi assim que surgiu essa nossa parceria. O nome do livro surgiu de um e-mail que mandei para ele com o assunto “Bom Dia, Verônica”. O Rapha achou engraçadíssimo e gostamos do nome. O pseudônimo Andrea Killmore é uma sátira, foi pensado lá no fim. Andrea é um nome feminino no Brasil, mas na Itália é masculino. Então tivemos essa ideia por ser uma coisa dupla. Podia ser um homem ou uma mulher escrevendo. Na verdade, eram os dois. Quando você escreve com uma pessoa ou mais, não importa muito quem teve qual ideia. O que importa é o resultado e se os dois gostaram.

 

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Como você e o Raphael se organizam para escrever juntos?

Escrever individualmente é totalmente diferente de escrever em dupla, é drasticamente diferente. Você sozinha não compartilha nada durante o processo. No máximo no final, com o leitor cobaia que você queira ter. Além disso, sozinha você tem de desenvolver um método próprio. Eu e o Rapha tivemos de desenvolver o nosso, que foi bom para os dois. Geralmente, a gente cria uma escaleta, uma junção de tudo que vamos abordar na história e em cada capítulo. A página em branco começa comigo, depois vai para ele. Então a gente passa, repassa, mexe, tira, corta… Até uma hora em que fica pronto e a gente decide que valeu para nós dois.

 

Muitos adolescentes são fãs do seu trabalho. Você acha que existe alguma “classificação etária” indicada para seus livros?

Acho que tem uma faixa mental de gente curiosa que se interessa pela mente humana. Tanto faz se é ficção ou não. Eu com 12, 13 anos lia John Steinbeck. Então o que é faixa etária? Não acho que depende da idade, mas da maturidade literária de cada um. Se você lê muito cedo, vai evoluindo e escolhendo livros que talvez não sejam indicados para quem não lê e não faz uma interpretação muito boa. Tem gente jovem que lê meu livro com a supervisão dos pais. Isso é legal, porque a leitura proporciona uma abertura de relação entre a família. Meu livro já foi tema de trabalho em escola pública, me orgulho muito em saber disso. Nas escolas de áreas periféricas, por exemplo, onde a violência faz mais parte da realidade, a leitura do meu livro não é inapropriada. Então pode variar de escola para escola.

 

O que você acha que desperta o interesse dos leitores pelo universo do true crime?

Acho que é a curiosidade. A violência gera um certo tipo de poder. Um poder de quem tem coragem de fazer coisas terríveis, conviver com isso e não ter sentimentos, ou ter até demais. A violência não é só na psicopatia, existe em todos os lugares. As pessoas querem entender, é um enigma. Esse caminho de descoberta é importante para o leitor também.

 

De que tipo de preparo você precisou para realizar as entrevistas com assassinos como Pedrinho Matador e Chico Picadinho, presentes no livro Arquivos Serial Killers: Made in Brazil?

Preparo psicológico eu tive a vida toda. Faço análise e sou analisada desde pequena. Preciso ter estrutura e aprender que não é só entrar lá e falar com os entrevistados. São histórias muito complexas e difíceis, de muita dor. Precisei estudar todas as matérias, Psicologia, Direito… Sempre fui de conversar com parceiros dessas áreas. Ninguém sabe de tudo, cada um tem seu lugar e seu conhecimento, por isso um ampara o outro. Não é apenas um papinho, é uma conversa que acontece depois que já li todos os processos, já fiz minha análise e minha pesquisa. Nessa análise, vejo como vou abordar determinados assuntos, quais métodos vou usar. Se é um método mais paternal, se vou levar fotografias dos crimes ou se vou levar alguma autoridade comigo. Existem muitas estratégias que posso usar, tenho de me preparar em diversos níveis e de várias formas.

 

Como especialista em perfis psicológicos, você acredita que uma pessoa se torna criminosa em decorrência da forma como foi criada? Existe alguma maneira de prever o surgimento de um criminoso?

É uma análise muito minuciosa e complexa. O que eu tinha conhecimento e pude colocar no livro, coloquei. Existem milhões de teorias e não vou me arriscar a comprar nenhuma delas. O que posso dizer, de acordo com a minha visão, é que as causas sempre são um tripé biológico, social e psicológico. Não existe uma causa só. Essas causas podem trazer alguma explicação sobre alguns dos comportamentos encontrados nos criminosos. Mas não existe um fator que determine um comportamento criminoso. Do contrário, seria só separar essa pessoa ao nascer.

 

Quais as suas recomendações de leitura no gênero true crime?

Você precisa ter cuidado para não pegar escritores que escrevem pela mídia. Tem muita coisa boa no true crime, mas tem também muita fofoca criminal, em vez de investigação, e isso me assusta um pouco. Porque a palavra que complica é o true. Quem está escrevendo? Onde ela foi buscar essas informações? Tem o que está no processo e o que não está, tem a fofoca, tem a mídia. Tem que ler o livro de quem tenha uma pesquisa sólida. Na literatura não existe um código de ética. Tem gente que escreve fofoca criminal e tudo bem, desde que deixe claro essa informação. O difícil é quando você vê uma informação tratada como true crime quando claramente não é. Quem escreve para esse gênero deve ter cuidado com suas fontes e onde está embasando as informações que está divulgando, não pode sair falando o que quer. Os familiares dos criminosos são pessoas como nós, que se magoam e se machucam. Então é preciso tomar cuidado, não pode falar sem controle e compromisso com a verdade. Até com o próprio criminoso. Ele está condenado à cadeia, não à difamação.

 

Quais são os seus próximos projetos?

São vários, mas o que posso contar é que tenho uma ficção para o cinema em andamento. A segunda temporada de Bom Dia, Verônica, para a Netflix, também vai ser lançada logo. E estou escrevendo mais um livro com o Rapha, Boa Tarde, Verônica.