ENSAIO | Mulher-Araucária, símbolo de um novo paranismo 23/10/2025 - 09:38
Por Adriana Tulio Baggio
Essa árvore bem alta que ainda ponteia nossas paisagens, de tronco retilíneo e galhos arqueados para o céu, como você a chama? Nos dias de hoje, provavelmente araucária, mas há cem anos, usavam mais o termo pinheiro. A mudança de preferência talvez esteja relacionada ao aumento do cultivo de Pinus elliottii em escala comercial a partir de 1960, este sim efetivamente um pinheiro, coisa que, apesar do nome, o pinheiro-do-paraná não é.
Eu acrescentaria outra explicação.
Quando a araucária era pinheiro, ele foi o principal símbolo do Movimento Paranista. As ideias do Movimento eram promovidas pela revista Illustração Paranaense, que circulou de novembro de 1927 a novembro de 1930 (com uma edição extra em fevereiro de 1933). As capas desta publicação traziam quase sempre o desenho de um homem alto, de músculos definidos e braços e cabelos esticando-se para as laterais, emulando a silhueta dos pinheiros perfilados à direita e à esquerda de sua figura. Era o Homem-Pinheiro, criado pelo escultor João Turin (a matriz da gravura está exposta no Memorial Paranista, localizado no Parque São Lourenço, em Curitiba).
O pinheiro se espraiava pelas páginas internas em artigos, poemas, fotografias e ilustrações. Galhos, pinhas e pinhões compunham a diagramação na forma de molduras, frisos e vinhetas. A revista substituía com pinheiros de papel os que iam sendo abatidos para dar lugar a estradas, ferrovias, cidades, indústrias, plantações e tudo mais que o desenvolvimento capitalista exigisse. O intelectual do Movimento Paranista até lamentava a derrubada do pinheiro, mas se consolava com a utilidade das tábuas e nós-de-pinho para o progresso do estado.
De pé nas florestas — ou mais comumente nos descampados —, o pinheiro servia a analogias viris. As misses destacavam a sua imponência, as declamadoras apareciam apoiadas em seus troncos, as colegiais o saudavam em rituais cívicos. O pinheiro era descrito como ereto e altivo, e comparado a torres e sentinelas. Octavio de Sá Barreto o chamou de "noivo de Curitiba" (Illustração Paranaense, set. 1928) e Hermes Fontes imaginou a Curitiba coberta pela neve como uma taça de morangos com creme entre as taças verdes dos pinheirais (Illustração Paranaense, jul. 1928).
Não me parece irrelevante o fato de ter sido uma mulher a oferecer uma leitura menos fálica dessa galharia voltada aos céus. Didi Caillet (cuja família estava no negócio da madeira) conta a lenda de um príncipe herdeiro apaixonado por uma plebeia. Para impedir o enlace, o rei a transforma em árvore. O príncipe enlouquece. Não podendo reverter a transformação da moça, o rei faz o mesmo com o príncipe, que vira um pinheiro com braços agitados em desespero pelo amor perdido (Illustração Paranaense, maio-jun. 1929).
Ou de pavor pela voracidade da serra circular?
No mesmo período em que Illustração Paranaense vivia seu auge, o Paraná recebeu a visita de F. C. Hoehne, botânico paulista que percorreu nossas paragens e registrou tanto a beleza quanto a já avançada destruição das florestas de imbuia e de pinheiro. A esse relato, publicado em 1930, ele deu o título de Araucarilândia¹. Ou seja, "terra das araucárias", e não "terra dos pinheiros".
Alguém pode justificar, não sem razão, que a escolha se deve ao fato de Hoehne, como especialista, ter familiaridade com o nome científico Araucaria angustifolia. Mas, novamente, eu acrescentaria outra explicação. O botânico estava testemunhando o fim do reinado do Homem-Pinheiro, destruído pelo mesmo mundo que o coroara. O símbolo já não tinha lastro que o sustentasse. O que escapasse da destruição não mais seria pinheiro. Seria araucária, porque significaria resistência.
"Resista como uma araucária", diz a frase da marca feminista de camisetas. A sina da araucária, a violência de que continua sendo alvo mesmo com leis para sua proteção, facilitam associá-la à condição da mulher paranaense (no Brasil, a segunda que mais sofre tentativa de feminicídio). Ela resiste como as mulheres indígenas e quilombolas, como as que lutam por terra e moradia, como as trabalhadoras periféricas.
O Homem-Pinheiro caducou. É tempo de a Mulher-Araucária simbolizar o Paraná.
Adriana Tulio Baggio é pesquisadora e trabalhadora do texto. Atua como tradutora italiano-português, preparadora de originais e revisora. Escreve sobre italianística, literatura, livros e patrimônio bibliográfico. É autora de As mulheres famosas (Editora UFPR, 2024), tradução da obra de Giovanni Boccaccio, finalista no Prêmio Jabuti Acadêmico Tradução 2025, e coautora, com Marcella Lopes Guimarães, de As vidas das artistas: biografia e talento entre os séculos XIII e XVI (Máquina de Escrever, 2024).
Este texto é integrante das ações do projeto "Illustração Paranaense na Biblioteca Pública do Paraná: indexação e estudo", realizado com recursos do Programa de Incentivo à Cultura — Fundação Cultural de Curitiba, da Prefeitura Municipal de Curitiba, do Ministério da Cultura e do Governo Federal.
¹A edição fac-similar do livro, publicada em 2014 (com reimpres‐ são em 2020) com organização de José Álvaro da Silva Carneiro, pode ser baixada gratuitamente aqui.






