CRÔNICA | Kalil Sayão Perusso 31/05/2023 - 09:38

Um curto, por favor
 

Faz sol em Curitiba. Não sejamos vítimas dos estereótipos, pois o sol aparece, mesmo que numa réstia do dia. A crônica aproveita e sai passear, fazer o que lhe cabe, que é ver a vida. Eis que para num café e pede um espresso. Ou seria expresso? 

Ai de seus dias áureos, se recorda, de quando haviam jornais de papel pelos balcões afim, nos quais se podiam folhear páginas engorduradas no tempo que se joga fora (se diz); todavia, na ausência dos jornais de papel, de papel ainda existem os cigarros, e assim, tira do bolso o maço para fazer, quem sabe, uma pausa de si mesma. 

— Me dá um cigarro? — Diz um bom brasileiro qualquer. E, por estatística e fortuna, pobre. 

Dois cigarros no amassado maço. 

— Não precisa, não. 

— Deixa disso, companheiro. — Diz, e lhe oferece a metade do que tinha — De que adianta nos oferecermos por inteiro — pensou — Aí que acabamos nos perdendo. 

Encantava à crônica o fato de, mesmo que por pouco, encher o peito daquele cara, fugaz. 

E nos seus devaneios sobre caras e metades, pensou se não encontraria, talvez, naquele mesmo café, a poesia, com quem poderia ter um belo romance, ou mesmo que fosse apenas um conto. Com o teatro desconfiava, incerta, que fora pura encenação. Sabia o que não queria: ser requerida, intimada, despachada, oficiada, periciada, sentenciada, apelada, contrarrazoada, embargada. E contra essa decisão não haveriam recursos, especiais ou extraordinários. Vã burrocracia!

Assiste então a vida que passa, como o belo casal, jovem, e pensa que, como si, tal relação acabará, provavelmente desiludida, pela morte ou pela vida, 2 mas, se tudo acaba, ao menos que dê saudades. O curioso do tempo é que ele não nos passa para trás, mas para frente. 

E vê também a velha senhora, que se detém na lixeira, e, prospectando a sacola preta, recolhe daqueles resíduos duas latinhas. É tão bonito quanto triste constatar que alguém tire seu sustento do que as outras pessoas simplesmente jogam fora. 

Em sentido contrário, eis que vem outra mulher, elegante em seu tailleur, com graça desfilando num desconfortável salto alto, um milagre nas irregulares calçadas da capital. Dá até certa inveja à crônica, que anda por aí de rasteirinha, livre, leve, solta, sempre ao risco de uma topada no dedão nestas mesmas pedras do caminho. A via é a mesma, mas cada um a segue com seus próprios percalços. 

Um trago, um gole e pede a conta, e então se dá conta, que a vida, como ela, é passageira, e, portanto, curta.
 

 

 

Kalil Sayão Perusso nasceu em Maringá. Formado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, atualmente vive em Curitiba e estuda Letras na Universidade Federal do Paraná. Esta crônica é uma das ganhadoras da 5ª edição do Concurso Literário Luci Collin, promovido durante a XXV Semana de Letras da UFPR.