CONTO | Rosana de Oliveira 25/02/2022 - 12:00

A caixa dos sonhos

 

Domitila esperou todos na casa dormirem para começar sua despedida. Ignorou o vestido de noiva pendurado no armário e pegou uma pequena caixa de madeira, escondida no fundo. Abriu a janela com cuidado e fugiu, caminhando no silêncio da noite entre a mata. Seus passos conheciam o caminho melhor do que qualquer outro, levando-a a uma árvore solitária. A jovem deixou o objeto no chão antes de escalar a madeira, alcançando o ponto mais alto para ficar próxima do céu. Dali nada escondia a lua cheia e o tapete de estrelas que se abria somente a ela, longínquos pontos que desejava tocar, mas que não era apenas a distância entre os corpos celestes que os separavam.

Adorou cada detalhe do céu para gravá-lo em sua memória antes de descer da árvore. Ali embaixo, Domitila fez um buraco entre as raízes e depositou a caixa. Deu mais uma admirada na lua, virou-se e voltou para casa. Aquela caixa pertencia a alguém que não conhecia, mas que teria mais chances do que ela de alcançar as estrelas.

Alguém que a achou oitenta anos depois.

Alice tirou a antiga caixa de madeira do armário. Jamais poderia viajar sem aquele inesperado presente que mudou sua vida. Quando tinha sete anos passou as férias em uma pousada no interior, descobrindo uma árvore solitária em que era possível ver uma parte do vale de sua copa. Entretanto, mais maravilhoso do que a vista era o objeto que brotava de suas raízes: dentro havia um caderno com desenhos e contas, mostrando a posição das estrelas e suas constelações, em uma riqueza de detalhes maior do que no céu que a menina via da capital. Naquela noite, fez questão de escapar de sua família e ver com seus olhos se as ilustrações igualavam a realidade.

Vinte e cinco anos depois, Alice colocou a caixa de madeira com cuidado em sua mala. Não poderia ir para a Estação Espacial sem ela.

 

 

Rosana Oliveira é jornalista e vive em Curitiba (PR), onde tem se dedicado à produção de contos, romances e roteiros. Em 2020, teve o conto “O Lugar de Cada Um” incluído na coletânea Boas Maneiras de Colher Frutos Podres (Equipe Carreira Literária). O texto publicado pelo Cândido foi produzido durante uma oficina online de leitura e criação de contos promovida pela Biblioteca Pública do Paraná entre os meses de agosto e outubro de 2021 e ministrada pelo escritor Luiz Felipe Leprevost, atual diretor da instituição.