CONTO | Eduardo Silveira 28/01/2022 - 15:22

Pequena nota biográfica

 

Durham, setembro de 2021

Estimados,

Agradeço pelo convite para compor a exposição. Envio, na caixa maior, a escultura feita com crânios de alpacas. Como vocês sabem, ela foi composta no ano sabático que passei no altiplano boliviano. Nas caminhadas matinais pelo deserto, desesperado e ofegante entre uma folha de coca e outra, encontrava essas carcaças poéticas, tristes, que me gritavam o desejo de ter sua história contada. Coletando as 57 carcaças, compus a peça, "O grito de Pachamama". À pedido de vocês, na outra caixa menor, envio a peça "Os sussurros do coração". Como vocês sabem, esta peça utiliza os eletrocardiogramas de 30 caçadores Inuítes em uma composição pictórica. Ela foi contemplada pelo edital do Consulado brasileiro da Groelândia. Como sempre me perguntam, já adianto. Não, não morei em um iglu, mas sim, comi muita carne de foca – uma delícia. Conforme solicitado, envio abaixo um breve registro biográfico para compor a abertura da exposição.

Sou formado em álgebra linear com mestrado e doutorado em física teórica pela Duke University. Nasci em trânsito, quando meus pais decidiram abandonar a luta armada junto ao Sendero Luminoso e fugiram em direção ao Brasil em um fusca 72. Fui registrado em Sorocaba, mas não sei exatamente onde aconteceu minha chegada ao mundo. De lá pra cá nunca consegui me estabelecer. Com 15 anos me emancipei, passei a vender colares de semente para me sustentar e vivi entre as pequenas vilas do planalto central. Com 23 anos fui aprovado em primeiro lugar no curso de Matemática da UnB e, desde então, tenho me dedicado a pesquisar a composição sinérgica das anomalias escuras de grande massa aspiradora, também conhecidos como buracos negros. Com o convite do governo da Carolina do Norte, passei a viver em Durham e estudar na bela Duke University com seus traços neogóticos. As observações astronômicas me levaram aos locais mais inóspitos e desabitados do planeta onde comecei a compor meus registros artísticos. As duas obras que envio para a exposição fazem parte de um grupo de 187 composições criadas desde o ano 2000.

 

Espero que seja suficiente.

Saudações,

P.H.M

 

 

Eduardo Silveira é ator, biólogo e professor de Biologia no IFSC, em Florianópolis. Tem contos e poemas publicados em antologias e no jornal Rascunho. Em 2018, lançou O Senhor Toshiaki pela Editora Caseira. O texto publicado pelo Cândido foi produzido durante uma oficina online de leitura e criação de contos promovida pela Biblioteca Pública do Paraná entre os meses de agosto e outubro e ministrada pelo escritor Luiz Felipe Leprevost, atual diretor da instituição.