Um Escritor na Biblioteca – Sérgio Sant'Anna

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Oitavo convidado do projeto “Um Escritor na Biblioteca”, o autor do clássico A senhorita Simpson fala sobre sua predileção pelas narrativas breves e sobre como concebeu O livro de praga, seu mais recente trabalho, ganhador do prêmio Clarice Lispetor em 2011


Sérgio Sant'Anna nasceu no Rio de Janeiro, em 30 de outubro de 1941. Apesar da formação em Direito, sempre se dedicou à literatura, nos mais diversos gêneros, do romance (Um crime delicado) ao teatro (Um romance de geração) . Mas foi como contista que o escritor se consagrou, com livros como A senhorita Simpson e O voo da madrugada, este último ganhador do prêmio Jabuti de 2003.

“Tenho muito mais tendência à narrativa curta do que ao romance. No romance, existe uma vocação. Comigo é o contrário, tenho uma tendência à concentração. Inclusive, tem uma coisa que eu sei explicar: o conto me permite experimentar mais”, disse o escritor durante o oitavo encontro do projeto “Um Escritor na Biblioteca”.

Seu mais recente livro, O livro de Praga, integrante da coleção Amores Expressos, ganhou o prêmio Clarice Lispector, concedido pela Biblioteca Nacional, de melhor coletânea de contos. Sant' Anna está traduzido para o alemão, o italiano e o espanhol. Também já teve seus trabalhos adaptados para o teatro e cinema. O autor viveu grande parte da vida no Rio de Janeiro e, atualmente, mora no bairro das Laranjeiras, perto da sede do Fluminense, seu time do coração.

Durante o papo, mediado pelo jornalista e escritor Luís Henrique Pellanda, Sant'Anna ainda falou sobre a sua formação de leitor, feita basicamente em casa, na biblioteca dos pais, sobre as traduções do seu trabalho em outros países, seu processo de escrita e a forte carga sexual que envolve suas histórias.

Leituras na Infância

Na minha casa havia uma vastíssima biblioteca, meus pais liam muito. Eles liam em três línguas — português, inglês e francês. No princípio, quando a gente era criança, eles nos davam os livros, coisas mais adequadas à faixa etária, como Monteiro Lobato. Depois, os livros ficavam lá na prateleira. Inclusive, minha mãe chegava a proibir alguns títulos. Ela era religiosa, tinha o Index da igreja católica. Mas a gente lia mesmo assim. Então, realmente, a biblioteca que me fez a cabeça foi a biblioteca da minha casa. Através de algumas indicações, comecei a ler muito cedo livros de autores bons, como Kafka, por exemplo.

Papel da família

Em 1953, 1954, moramos na Inglaterra, porque meu pai estava lá. Essa viagem abriu muitos horizontes, inclusive para a literatura. Porque aí comecei a ler em outra língua com mais tranquilidade. Essa formação de casa foi fundamental. Quando fui morar já por minha conta, quando me casei, aos 21 anos, minha mulher também gostava de ler, então logo formamos uma biblioteca. De maneira que os dois filhos que nós temos também se interessaram por literatura. Acho essa a formação mais importante, em todos os aspectos educacionais. É claro que o colégio é importantíssimo. Eu, por exemplo, fui matriculado por meu pai num colégio de irmãos maristas. A leitura lá era zero. Se eles por acaso pegassem você lendo um livro, tomavam. Meu pai fracassou redondamente aí. O André [Sant'Anna], meu filho, que já é um escritor conhecido, sempre teve leitura em casa. Mas, claro, a criança também tem que fazer por si.

Hábito de leitura

Ler, para mim é um vício, não posso dormir sem ler pelo menos um pouquinho. Eu assino TV a cabo em casa, mas não é muito boa. Às vezes acho bom a televisão ser ruim, porque aí eu vou para o meu quarto e leio. Quer dizer, é uma rotina que faz parte da minha vida, e vem lá daqueles tempos de infância. Espero que os meus descendentes criem isso também, porque é cultura, que só faz bem, não faz mal a ninguém. Nunca tive uma relação íntima com a biblioteca fora de casa, até porque eu não precisava. Tinha tanto livro em casa, que não era preciso ir à biblioteca atrás deles.

Produção atual

Estou escrevendo umas histórias novas, sendo que uma delas é passada em 1955. Nessa época, eu frequentava futebol alucinadamente. Vi o Garrincha jogando, de perto. Só que essa história embatucou, porque para escrevê-la eu teria que frequentar a biblioteca para fazer pesquisas periódicas. Por melhor que seja a minha memória — nesse sentido minha memória é boa, sou capaz de lembrar com exatidão um gol que vi um 1955 —, ela não é perfeita. Então, agora estou retomando um rascunho porque a internet já está permitindo isso. Quase todas as perguntas, dúvidas, que eu possa ter, vou lá no Google e ele responde. Inclusive nesse conto, tem um negócio bastante interessante: o personagem é um jogador de futebol, mas um jogador com um nível cultural mais alto, ele é meio farrista, tem um universo um pouco mais amplo e é amigo de um jockey, o Francisco Origona, que de fato existiu. Esse Francisco tem um dos eventos mais estranhos da história policial do Brasil: ele estava andando na rua com o sobrinho, em Copacabana, quando parou um carro e sequestrou os dois, que nunca mais foram vistos. Dizem que o carro era da polícia e que o sobrinho estaria envolvido com drogas. Talvez eu esteja agora passando informações que peguei no Google. Essa informação estava me deixando incomodado, porque conversei com amigos ligados à corrida de cavalo, e parece que o pessoal tem medo de falar desse Origona, porque ele era barra tão pesada... Mas era um homem interessantíssimo. Além de ser um dos melhores jockeys do país, frequentava o Copacabana Palace, entrou em listas de pessoas mais elegantes, enfim, um figurão que de repente desapareceu. É um personagem interessante para botar num conto.

Relação com o objeto livro

Meu apartamento é o que se pode chamar de caos. Só não perco o que escrevo porque ponho num lugar certo, que sei onde é. Primeiro escrevo à mão, para depois passar pro computador. Agora, quanto à biblioteca, minha casa foi tomada de um modo tal por livros, que tive que começar a me desfazer deles. Não tem espaço, é impressionante. Me desfaço de livros, mas sempre começa a chegar mais. Já aconteceu várias vezes desmoronamento de livros nas mesas. Também não tenho muito cuidado com o livro, rabisco e tal. Está chegando a época dos e-books e estou começando a achar que isso vai dar certo. Aquilo está se tornando cada vez mais cômodo para ler. Pode até ler deitado. Tenho impressão que talvez você não precise acumular os livros. Porque mudou a cabeça das pessoas, somos seres diferentes hoje em dia por causa dos computadores. Antigamente, você tinha que fichar tudo, a informação intelectual, científica, conservava na própria mente. Agora, de certa forma, você liga alguns botões e consegue o que quiser. Se eu quiser ir na Tate Gallery, por exemplo, ver os quadros, vejo. E sempre fui de comprar livro de arte, aqueles livros caríssimos, imensos. Agora vou lá na internet e vejo os quadros. Então, acredito no futuro dos livros eletrônicos.

O livro de Praga

Acho que realmente houve um excesso de sexualidade no livro. Não sei explicar o porquê. Tenho assim uma
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vaga noção. Primeiro, botei um personagem para viver episódios. O primeiro episódio me veio à cabeça daquele jeito: o cara vai a uma audição de piano, mas esse concerto acaba descambando para a sexualidade. Isso aí me deu o tom para o livro todo. Aí fui escrevendo narrativas — não são contos, são narrativas, porque são interligadas. E todas têm uma carga grande de sexualidade. Engraçado, porque é uma questão da fantasia, pura e simples. Passei um mês em Praga. E passei um mês flanando lá, absolutamente sozinho. Nem namorada eu tinha, nada. No entanto, fui anotando o que via e assim foi saindo o livro. Então, há coisas que a gente não sabe exatamente explicar porque. O próximo livro que vou escrever, acho que para 2012, terá três histórias grandes. Uma delas tem uma carga erótica maior. Mas as outras duas não.

Carga de sexualidade

Eu estava em Praga à toa, com papel e caneta na mão, passeando pela cidade — o que, aliás, vale a pena, quem conhece Praga sabe que é uma cidade maravilhosa, belíssima — e vi um anúncio com o nome de Andy Warhol. Pensei que seria um museu, fui lá. Cheguei e, de fato, havia uma exposição do Andy Warhol naquele lugar. Vi a exposição, depois fui até o segundo andar. Para ir ao segundo andar, tinha uma escada. Isso é para ver como o cérebro da gente funciona. Imediatamente me veio à cabeça que naquele lugar haveria uma pianista e ela se envolveria com o meu personagem, com uma sexualidade total. Agora, por quê? Eu jamais poderei explicar. A exposição do Andy Warhol não tinha nada de erótico, pelo contrário, tratava da morte, de desastres, do assassinato do Kennedy, pessoas com fins trágicos, fotos de acidentes de automóvel. E, no entanto, me levou a isso. Aí, a primeira narrativa sendo assim, a segunda foi puxada para isso também. Então, as coisas que estão sempre comigo, como sexo e morte, aparecem nesse livro também. Tiveram uma presença forte. Uma coisa que eu pensei que fosse evitar, mas há uma referência ao Kafka, também. Claro, cidade do Kafka, ele vem à cabeça. Pois eu acabei criando uma narrativa que é o seguinte: meu personagem vai assistir a um espetáculo em que há uma mulher nua, com um texto falso de Kafka tatuado no corpo dela. É uma das narrativas que eu mais gosto no livro. A mente humana tem uma expansão que se você não segurar, se deixá-la solta, ela pode levar para os caminhos mais abstrusos possíveis. Nesse caso, entrou para uma sexualidade fortíssima.

Reações dos leitores

O livro provoca rejeições, mas também adesões muito grandes. Porque as pessoas falam que é um livro que tem graça e elaboração de escrita. Porque uma coisa é você ter ideia, outra coisa é escrever a ideia. Aliás, outra coisa em que a leitura é fundamental: quem quer escrever precisa acumular uma bagagem de leitura muito grande, para que possa elaborar seus textos, trabalhá-los, para que tenham qualidade de chegar ao público por uma grande editora.

Repercussão do livro

Tive grande surpresa quando a grande imprensa — os três maiores jornais do país, a Folha de S. Paulo, o Estadão e O Globo — publicaram página inteira, entusiasmadíssima, sobre o livro. Isso tudo no mesmo dia. Quando eu vi aquilo, disse pra mim mesmo: “não é possível”. Esperava que os críticos viessem contestando. Houve um, por exemplo, de Pernambuco, que contestou o livro. Mas recebi isso por e-mail, quer dizer, é uma coisa que não tem o peso de uma página da Folha de S. Paulo. Agora, entre os leitores, sei direitinho, porque às vezes o silêncio é significativo. Mas tudo bem, o leitor é soberano. Tive coragem para fazer e as pessoas têm todo o direito de não gostar do livro. Eu não gosto de alguns, e inclusive paro no meio se não estiver gostando. Mas com O livro de praga eu sabia que corria mais riscos do que normalmente.

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Predileção pelos contos


Me dou melhor com formas mais breves. Tenho muito mais tendência à narrativa curta do que ao romance. No romance, existe uma vocação. Tem gente que é romancista quase que nato. Tem gente que cria, que puxa aqueles fios da meada, por exemplo, a saga de uma família inteira, que encontra personagens secundários desenvolvidos. Comigo é o contrário, tenho uma tendência à concentração. Inclusive, tem uma coisa que eu sei explicar: o conto me permite experimentar mais. Eu gosto de ser lido — não é experimentação no sentido de tornar o livro absolutamente ilegível. É experimentação no sentido de procurar formas novas para cada livro. Por exemplo, o livro de 2012 não terá nada a ver com o livro de 2011. É uma outra história. Faria de novo O livro de Praga, mas se eu fosse viajar para outro lugar, para fazer outro livro, seria um livro completamente diferente.

Aceitação do conto


Que o público prefere romance, prefere. Isso aí não tem dúvida. Como na novela de televisão, o público gosta do encadeamento, de acompanhar uma história e tal. Um dos maiores escritores do mundo, o [Jorge Luis] Borges, por outro lado, só escreveu contos. Esse livro que eu vou publicar, provavelmente em 2012, são três novelas, que é outra coisa que eu gosto muito. Que fica entre o conto e o romance. Me agrada mais do que o romance. Leio conto numa boa, acho um grande tesão ler um bom conto. O Paraná, por exemplo, é a terra do [Dalton] Trevisan, que eu adoro, e que não é só um contista, é um mini-contista também. Ele reduziu a literatura a um mínimo divisor comum. No entanto, é um dos maiores escritores do Brasil, senão o maior. Se você falar que o Dalton Trevisan é o melhor escritor do Brasil, ninguém vai ficar espantado.

Novelas


“O Gorila”, que está no livro O voo da madrugada, é um tipo de texto que gosto de escrever, que considero uma novela. É um cara que telefona para as mulheres, mas não é nenhum grosseirão, é um outro tipo de papo, uma conversa mole. Isso vai ser filmado, provavelmente no início de 2012. Mas tem o seguinte problema: “O gorila” foi escrito em uma época de transição, em que o celular era uma coisa relativamente rara. E tem um pedaço dele que é passado no Reveillon e há telefonemas para residências. Um cara que telefona para as pessoas, como o Gorila faz, seria pego no primeiro dia. Tem que avisar o cineasta. Tem que falar: “olha, essa história não pode se passar agora, porque agora todo mundo teria celular”. Essa coisa de passar trote para os outros não existe mais, a não ser que passe de orelhão. Mas um personagem como o Gorila não tem como fazer aquilo do orelhão.

Adaptação de “O Gorila”


O primeiro roteiro que o Rodrigo Teixeira [dono da RT Features] me mandou era muito ruim — e falei isso para ele. Depois, mudou o roteirista, agora eu não sei. Tem horas que prefiro não saber. Porque cinema envolve tanto problema. A senhorita Simpson, um outro dos meus livros de contos, também foi adaptado. Ele virou um filme chamado Bossa Nova, do Bruno Barreto, que pouco tem a ver com a minha história. Se eu estou zapeando pela televisão e caio num canal que está passando o Bossa Nova, clico imediatamente para sair dali. Não quero ver nem dez segundos daquele filme. Ele botou uma história romântica entre o Antônio Fagundes e aquela americana [Amy Irving]. É fogo. Escritor e cinema é um troço complicado. Ao mesmo tempo, é um negócio que envolve bastante dinheiro, e a gente precisa viver. O Rodrigo Teixeira me pagou R$40 mil pelo Gorila. Não é de se jogar fora, né?! Torço para que seja bom.

Processo de escrita


Faço muita anotação.Teve uma época em que eu anotava muito em maço de cigarro. Outro dia, achei um maço de Galaxy com umas anotações que eu nem sei mais o que são. Como atualmente não trabalho na rua, não anoto quase nada. Se eu estiver com um livro na mão, e surgir uma ideia, anoto no livro mesmo. Sempre escrevo à mão. Refaço a escrita no computador quando ela está decente, boa. Faço isso algumas vezes. Às vezes uma só página foi reescrita vinte, trinta, quarenta vezes. Agora, na hora que chega ao computador, a coisa já está pronta. Acho que é uma coisa de geração, não fui acostumado a escrever no computador, se bem que em uma época, usei a máquina de escrever. Depois, voltei para a mão. Meu livro Simulacros, por exemplo, foi escrito no meu trabalho. Eu trabalhava na Justiça do Trabalho. Mas eu trabalhava também, fazia as duas coisas. Não é que eu fosse um cara totalmente relapso. O serviço que eu tinha para fazer, fazia, dava informação em processos, etc. Escrevia no tempo que me sobrava.

Traduções

Sou publicado na República Tcheca há muito tempo. É uma das coincidências da minha vida. A Pavla Lidmilová, uma senhora muito culta e tradutora do português, me publica desde que eu sou jovem autor, em revistas e tal. E agora, recentemente, publicaram um livro meu, que são contos tirados de vários livros. Chama-se O voo da madrugada, em tcheco.


Relação com o filho


Essa troca que eu tenho com o André existe desde que ele tinha quatorze ou quinze anos. A mãe dele mora em Ubatuba e ele acabou indo morar comigo no Rio. Desde essa época ele lê. Ele foi o primeiro a ler O livro de Praga, o primeiro a dar força, falou para eu publicar porque o livro era bom. Depois minha namorada também me disse isso. E eu também sou muito interessado no que ele escreve. Apesar de ser o pai dele, tenho o direito de falar isso: gosto bastante do que o André escreve. Leio com maior atenção, eventualmente também mando uns originais para ele, trocamos numa boa. Acho até um privilégio poder ter uma relação desse tipo, porque, de repente, você tem um filho que não se interessasse por nada, ou que contestasse tudo. Suponhamos: eu sendo escritor e o meu filho começasse a escrever, e acontecesse, como acontece várias vezes, de ele não escrever bem. Não é o caso, mas seria chato. Eu ia ficar grilado.

Originais de jovens escritores

As pessoas mandam material, mas atualmente evito ler. Se a pessoa quer me mandar um livro, eu peço para mandar um conto. Porque é questão de espaço físico e mental, tenho que fazer meu trabalho. E tem muita gente escrevendo. Eu até gostaria de ajudar todo mundo, mas não é fácil, porque às vezes a pessoa manda uma calhamaço. Tese sobre o meu trabalho tem de montão, não consigo ler quase nada. Até não tenho tanta curiosidade de saber o que escreveram a meu respeito na universidade. Mas fico bastante contente que façam.

Escolha por Praga


Foi simples: me ofereceram e eu aceitei prontamente. Eu já tinha ido à Praga em 1968, quando ainda era um país comunista. Na época queria exatamente conhecer um país comunista. Então eu já tinha a noção do que encontraria naquela cidade tão bonita. Realmente, é uma das cidades mais bonitas do mundo, tem um clima ótimo. Fora isso, agora Praga está muito mais aparelhada para receber pessoas.

Amores Expressos


Li muito pouco. Li o do Bernardo [Carvalho], e gostei. Li o do Joca Reiners Terron, gostei também. E eu acho que foi só isso. Não saíram muitos também.

Transição de leitor para escritor

A partir da adolescência, sempre tive essa vontade. Eu acho natural você viver no meio de livros e ter essa curiosidade. Será que eu consigo, será que não consigo? Eu fazia poemas e jogava fora. Não fazia nada que achasse bom. O que de fato levou a me tornar um escritor profissional, digamos assim, foi o fato de eu estudar na faculdade de Direito. E lá, certo dia, houve um concurso de contos. O júri era formado pelo Murilo Rubião, o Afonso Ávila e o Deo Brandão, escritores bastante conhecidos em Belo Horizonte. Aí eu consegui escrever um conto do princípio ao fim, entrei no concurso e tirei segundo lugar. Fiquei contentíssimo, eles fizeram anotações nos contos, falando o que eu tinha e o que não tinha. Agora, acho que querer ser escritor é um ato de vontade, mas que a pessoa tem que fazer jus a isso. É impossível ser escritor sem ler. Acho que o escritor tem que ler, mas também não é só ler. Tem que ver teatro, cinema, tudo aquilo que enriquece a imaginação, a cultura em geral. A minha literatura é muito feita daquilo que eu pego de artes plásticas, teatro. Por exemplo, nesse O livro de Praga, fui ver um espetáculo de luz e sombra, que é uma coisa muito bonita.

Primeiro livro

Meu primeiro livro veio com muita dificuldade [Sobreviventes]. Eu não republicaria. Publiquei por conta própria, fiz um esforço tremendo para escrevê-lo, tem vários contos do livro que eu renego frontalmente. No meu primeiro livro não tem um diálogo sequer. Eu achava impossível escrever diálogo. Um dia, lá pelas tantas, consegui. Aquilo começou a vir com naturalidade. Deve ter sido a bagagem interior que veio com a leitura, com o teatro, que ajuda muito a gente com esse negócio de diálogo.

Murilo Rubião

A obra dele é fantástica e ele também é um escritor — como o Afonso Alves costumava dizer — machadiano. Rigoroso. O Murilo escreveu pouquíssimo, às vezes levava muitos e muitos anos para escrever um conto. Ele começava um conto agora e ia terminar 20 anos depois. O Fernando Sabino que conta isso: ele esteve com o Murilo em um outro país, viu um papelzinho do Murilo rabiscado em que estava escrito “convidado”. Esse conto veio a ser feito 20 anos depois. Era uma figura muito interessante.

Literatura brasileira.


Hoje existem muitos eventos e concursos, que muitas vezes premiam autores com uma boa grana. O Jabuti é um prêmio pão-duro para chuchu, né? O escritor que ganha leva R$ 3 mil. Para você tirar o prêmio de melhor contista do ano, R$ 3 mil é ridículo. Mas acho isso [concurso] bom, quanto mais, melhor. Porém, acho que não necessariamente o prêmio vai definir o escritor. Tem escritor que pode não ser premiado e ser melhor do que todo mundo. Tem escritor que está adiante do seu tempo. Tem escritor que não consegue publicar seus livros, vai ver tempos depois era dos melhores, como o caso do Kafka. Fernando Pessoa publicou apenas um livro em vida. Mas este momento da literatura brasileira é bom, tem muitas coisas acontecendo. Tudo isso que chama atenção para a literatura e leva as pessoas a lerem mais. Se as pessoas lerem os vencedores do Jabuti, que é uma lista respeitável, já vale a pena.