Tradução | Nicanor Parra

Nicanor Parra traduzido por Joana Barossi


Es olvido (1954)

Juro que no recuerdo ni su nombre,
Mas moriré llamándola María,
No por simple capricho de poeta:
Por su aspecto de plaza de provincia.
¡Tiempos aquellos!, yo un espantapájaros,
Ella una joven pálida y sombría.
Al volver una tarde del Liceo
Supe de la su muerte inmerecida,
Nueva que me causó tal desengaño
Que derramé una lágrima al oírla.
Una lágrima, sí, ¡quién lo creyera!
Y eso que soy persona de energía.
Si he de conceder crédito a lo dicho
Por la gente que trajo la noticia
Debo creer, sin vacilar un punto,
Que murió con mi nombre en las pupilas,
Hecho que me sorprende, porque nunca
Fue para mí otra cosa que una amiga.
Nunca tuve con ella más que simples
Relaciones de estricta cortesía,
Nada más que palabras y palabras
Y una que otra mención de golondrinas.
La conocí en mi pueblo (de mi pueblo
Sólo queda un puñado de cenizas),
Pero jamás vi en ella otro destino
Que el de una joven triste y pensativa.
Tanto fue así que hasta llegué a tratarla
Con el celeste nombre de María,
Circunstancia que prueba claramente
La exactitud central de mi doctrina.
Puede ser que una vez la haya besado,
¡Quién es el que no besa a sus amigas!
Pero tened presente que lo hice
Sin darme cuenta bien de lo que hacía.
No negaré, eso sí, que me gustaba
Su inmaterial y vaga compañía
Que era como el espíritu sereno
Que a las flores domésticas anima.
Yo no puedo ocultar de ningún modo
La importancia que tuvo su sonrisa
Ni desvirtuar el favorable influjo
Que hasta en las mismas piedras ejercía.
Agreguemos, aun, que de la noche
Fueron sus ojos fuente fidedigna.
Mas, a pesar de todo, es necesario
Que comprendan que yo no la quería
Sino con ese vago sentimiento
Con que a un pariente enfermo se designa.
Sin embargo sucede, sin embargo,
Lo que a esta fecha aún me maravilla,
Ese inaudito y singular ejemplo
De morir con mi nombre en las pupilas,
Ella, múltiple rosa inmaculada,
Ella que era una lámpara legítima.
Tiene razón, mucha razón, la gente
Que se pasa quejando noche y día
De que el mundo traidor en que vivimos
Vale menos que rueda detenida:
Mucho más honorable es una tumba,
Vale más una hoja enmohecida,
Nada es verdad, aquí nada perdura,
Ni el color del cristal con que se mira.

Hoy es un día azul de primavera,
Creo que moriré de poesía,
De esa famosa joven melancólica
No recuerdo ni el nombre que tenía.
Sólo sé que pasó por este mundo
Como una paloma fugitiva:
La olvidé sin quererlo, lentamente,
Como todas las cosas de la vida.


Esquecimento (1954)

Juro que não recordo nem seu nome,
Mas vou morrer chamando-a de Maria,
Não por simples capricho de poeta:
Por seu jeito de praça de província.
Que tempo aquele!, eu um espantalho,
Ela uma jovem pálida e sombria.
Uma tarde ao voltar do colégio
Soube de sua morte imerecida,
A menção me causou tal desengano
Que derramei uma lágrima ao ouvi-la.
Uma lágrima, sim, quem imaginaria!
Vejam bem que sou homem de energia.
Se devo dar crédito ao que dizem
As pessoas que trouxeram a notícia
Devo aceitar, sem suspeitar sequer,
Que morreu com meu nome nas pupilas,
Fato que me surpreende, porque nunca
Foi para mim mais do que uma amiga.
Nunca tive com ela mais que simples
Relação de estrita cortesia,
Nada mais que palavras e palavras
E uma ou outra menção às andorinhas.
A conheci em meu vilarejo (e dele
Resta apenas um punhado de cinzas),
Mas para ela jamais vi outro destino
Que de uma jovem triste e pensativa.
Tanto assim que passei a chamá-la
Com o nome celeste de Maria,
Circunstância que prova claramente
A exatidão central de minha doutrina.
Alguma vez posso tê-la beijado,
Quem é que não dá beijo nas amigas!
No entanto, senhores, saibam que eu o fiz
Sem perceber direito o que fazia.
Não negarei, contudo, que gostava
De sua volátil e vaga companhia
Que era como o espirito sereno
Que às flores domésticas excita.
Eu não posso ocultar de nenhum modo
A importância da sua simpatia
Nem ignorar a ótima influência
Que até mesmo nas pedras exercia.
Acrescentemos, ainda, que na noite
Seus olhos eram fonte fidedigna.
Mas, apesar de tudo, é necessário
Que compreendam que eu não a queria
Senão por esse vago afeto que
A um parente doente se dedica.
No entanto acontece que, no entanto,
O que até hoje ainda me maravilha,
Esse inaudito e singular exemplo
De morrer com meu nome nas pupilas,
Ela, múltipla rosa imaculada,
Ela que era uma lâmpada legítima.
Razão, muita razão, têm as pessoas
Que passam se queixando noite e dia
De que o mundo traidor em que vivemos
Vale menos que uma roda que não gira:
Muito mais honorável é uma tumba,
Vale mais uma folha apodrecida,
Nada é verdade, aqui nada perdura,
Nem a cor do cristal com que se admira.

Faz hoje um dia azul de primavera,
Acho que vou morrer de poesia,
Dessa famosa jovem melancólica
Não lembro nem o nome que ela tinha.
Eu só sei que passou por este mundo
Como mais uma pomba fugitiva:
Eu a esqueci aos poucos, sem querer,
Assim como todas as coisas da vida.


parra

Cambios de nombre (1962)

A los amantes de las bellas letras
Hago llegar mis mejores deseos
Voy a cambiar de nombre a algunas cosas.

Mi posición es ésta:
El poeta no cumple su palabra
Si no cambia los nombres de las cosas.

Con que razón el sol
Ha de seguir llamándose sol?
Pido que se le llame Micifuz
El de las botas que cuarenta leguas!

Mis zapatos parecen ataúdes?
Sepan que desde hoy en adelante
Los zapatos se llamas ataúdes.
Comuníquense, anótese y publíquese
Que los zapatos han cambiado de nombre:
Desde ahora se llamas ataúdes.

Bueno, la noche es larga
Todo lo poeta que se estime a sí mismo
Debe tener su proprio diccionario
Y antes que se me olvide
Al propio dios hay que cambiarle nombre
Que cada cual lo llame como quiera:
Ése es un problema personal.


Mudança de nome (1962)

Aos os amantes das belas letras
Dirijo meus melhores desejos
Vou mudar o nome de algumas coisas.

Minha posição é esta:
O poeta não cumpre sua palavra
Se não muda o nome das coisas.

Por que motivo o sol
Continuará chamando-se sol?
Peço que chame Micifuz
Aquele das botas de quarenta léguas!

Meus sapatos parecem ataúdes?
Saibam que de hoje em diante
Os sapatos se chamam ataúdes.
Comuniquem, anotem e publiquem
Que os sapatos mudaram de nome:
De agora em adiante se chamam ataúdes.

Bom, a noite é longa
Todo poeta que se preza
Deve ter seu próprio dicionário
E antes que eu esqueça
Até o nome de deus é preciso mudar
Que cada um o chame como quiser:
Esse é um problema pessoal.



La fortuna (1967)

La fortuna no ama a quien la ama:
Esta pequeña hoja de laurel
Ha llegado con años de retraso.
Cuando yo la quería
Para hacerme querer
Por una dama de labios morados
Me fue negada una y otra vez
Y me la dan ahora que estoy viejo.
Ahora que no me sirve de nada.

Ahora que no me sirve de nada
Me la arrojan al rostro
Casi
         como
                     una
                             palada
                                           de
                                                 tierra…


A fortuna (1967)

A fortuna não ama a quem a ama:
Esta pequena folha de louro
Chegou com anos de atraso.
Quando eu a desejava
Para ser desejado
Por uma dama de lábios rubros
Me foi negada várias vezes
E agora que estou velho ela aparece.
Agora que não me serve para nada.

Agora que não me serve para nada
Me jogam na cara
Quase
             como
                        uma
                                  pá
                                        de
                                              terra…




Nicanor Parra nasceu em San Fabian de Alício, no Chile. No dia 5 de setembro de 2014 completou 100 anos. O livro que o consagrou foi Poemas y antipoemas (1954). Publicou, entre outros, de Versos de salón (1962), Canciones rusas (1967), Obra gruesa (1969). É considerado um dos mais importantes nomes da poesia hispano-americana. Vive em em Las Cruces, no Chile, e continua escrevendo.

Joana Barossi é arquiteta, curadora e escritora. Colaborou com textos e traduções em revistas como Gargarin, da Bélgica, Letras Libres, do México, entre outras. Atualmente está traduzindo uma coletânea de poemas do chileno Nicanor Parra, a primeira a ser lançada no Brasil, prevista para sair ainda este ano pela Editora 34. Vive em São Paulo (SP).

Ilustração Cesar Marchesini