Prateleira | Ditadura Militar

Pilatos

Pilatos, de Carlos Heitor Cony

Pilatos, de 1974, é o livro de Carlos Heitor Cony que o próprio autor mais gosta. Para justificar a escolha, ele alega que a obra é a que tem mais relação com ele mesmo. O romance foi escrito quando Cony tinha 42 anos, portanto, na maturidade. Resumidamente, o nono romance do escritor coloca em cena um mendigo sem pênis que circula por cenários periféricos do Rio de Janeiro. O protagonista carrega o membro decepado dentro de um vidro de compota. Cony já contou, em entrevistas, que a simbologia do protagonista é clara, evidente: o homem sem pênis tem relação com o que acontecia no país, pouco depois da turbulência política que sacudiu o Brasil na década de 1960. Para o prosador, um homem sem pênis seria a metáfora perfeita para o brasileiro da época, absolutamente sem nenhum poder diante da pajelança militar.

 

A festa, de Ivan Ângelo 

A Festa

Romance que começou a ser elaborado em 1963, A festa foi concluído em 1975 e, no ano seguinte, conquistou o prêmio Jabuti — o reconhecimento foi mais do que justo. A obra literária é ambientada no Brasil da década de 1970 a partir de flashes, fragmentos nos quais circulam jornalistas e jovens. Há uma festa (daí o título), mas a narrativa também incorpora notícia de jornal, diálogos de dramaturgia, conflito a céu aberto, entre outras situações que, juntas e em conjunto, dizem muito sobre o país sob repressão. Um dos momentos inesquecíveis, devido à perícia narrativa do autor, é quando a festa é invadida por um grupo de homens armados, numa alusão aos militares da ditadura. Os invasores destroem discos e livros, referência direta à censura, além de hostilizarem os convidados, chamados de comunistas. A obra tem mais camadas e viabiliza diversas leituras e, sem dúvida, é um dos clássicos da literatura brasileira a respeito dos anos de chumbo.


Quarup, de Antônio Callado

Quarup

Essa longa narrativa de Antônio Callado é considerada referência para entender a ditadura militar por meio da ficção. Publicado em 1967, Quarup se desenvolve, enquanto trama, da década de 1950, início do governo Vargas, até o golpe militar, em 1964. Grande parte do texto ficcional é ambientado em meio a reservas indígenas do Xingu. O livro é conduzido a partir da trajetória de Nando, um padre que irá se desencantar com o sacerdócio para se envolver com outras lutas sociais. E será em meio a esses embates, os confrontos de quem não aceitava a vida como ela era durante a ditadura, que a obra vai mostrar, descrever e apresentar, pela ótica de Callado, torturas, praticadas por militares em civis. Na opinião do crítico literário Wilson Martins, “Quarup é um dos grandes romances de nosso tempo”.

 

Feliz ano novo, de Rubem Fonseca 

Feliz Ano Novo

A coletânea de contos foi censurada, proibida de circular desde o ano de lançamento, em 1975, e também durante 1976. Os contos de Rubem Fonseca podem ser classificados de tudo, menos de engajados — não são datados, nem panfletários. O que literatura desse autor mostra é o ser humano, dissecado, em seus piores e às vezes melhores momentos. O conto que empresta título ao livro tem como cenário principal uma mansão carioca que é invadida por um trio na festa de réveillon: os assaltantes barbarizam os convidados, o conteúdo é forte, acima de tudo, muito bem escrito. Já “Passeio noturno — Parte 1” apresenta um sujeito que só consegue relaxar atropelando, fatalmente, ou no mínimo machucando com crueldade desconhecidos na rua. Fonseca evidencia, neste livro, e em grande parte de sua vasta obra, a mesquinharia humana, a violência que existe dentro de cada um, de todos, e que também se manifestava durante aquele período sombrio da história brasileira — o que incomodou generais, coronéis, sargentos, cabos, censores e outros patrulheiros.


Zero, de Ignácio de Loyola Brandão

Zero

O romance nasceu sob chumbo grosso. Retrato ácido da sociedade brasileira na década de 1960, atemorizada pela ditadura militar, a censura, a repressão, os esquadrões da morte, o livro, concluído em 1969, foi recusado por quatro editoras. Caso único na história da literatura brasileira, teve a sua primeira edição em italiano, em 1974, sendo lançado no Brasil apenas no ano seguinte. Em 1976, voltava a ser proibido pela censura, só se tornando acessível ao público três anos depois. Contando com sarcasmo e mau humor uma história de violência extrema, numa sociedade dominada pelo vazio existencial, as aberrações sexuais e de comportamento, a corrupção, o ódio, a mentira, Zero inovava também o romance brasileiro, com um texto fragmentado, misturando slogans publicitários, notas de pé de página, reprodução fac-similar de páginas de jornal, depoimento, texto jornalístico, estilo de história em quadrinhos, a palavra dura de um narrador em primeira pessoa.

 

Faz escuro mas eu canto: porque a manhã vai chegar, de Thiago de Mello
Faz escuro

Se há um autor brasileiro que é praticamente sinônimo de engajamento, esse sujeito se chama Thiago de Mello. Amazonense, cursou medicina, sem concluir o curso e dedicou-se à poesia. Foi militante favorável aos direitos humanos, ecologia e paz no mundo. Sua postura lhe rendeu desafetos, sobretudo durante o regime militar, quando foi obrigado a se exilar no Chile. Também esteve exilado na Argentina, em Portugal, na França e na Alemanha. Mello chegou a ser preso no Brasil. Mas sobreviveu. O seu nome e a sua obra correram o mundo. Está traduzido em mais de 30 idiomas. Um de seus livros mais conhecidos é Faz escuro mas eu canto: porque a manhã vai chegar, publicado em 1966, com mais de vinte edições posteriores. De modo geral, o texto lírico do autor é combativo, propõe um mundo melhor e mais justo, em flerte com a utopia e piscando o olho para o impossível.

O que é isso?

O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira

A obra surgiu em 1979 e se tornou um sucesso imediato com ressonância ainda em 2014. O que é isso, companheiro? traz reflexões de Fernando Gabeira a respeito do seu envolvimento na luta armada contra a ditadura, o que teve como desdobramento prisão, tortura e exílio. Ambientado nos anos 1960 e 1970, o livro de Gabeira rendeu filme homônimo dirigido por Bruno Barreto, no qual há a recriação do lendário sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, que os integrantes revolucionários queriam trocar por 15 presos políticos — episódio muito citado quando o assunto é a ditadura militar no Brasil. Gabeira escreveu outros livros, tornou-se figura pública, foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro (1998-2010) e hoje tem espaço em rádio e televisão.


1968: o ano que não terminou, de Zuenir Ventura
1968

Zuenir Ventura, ou Mestre Zu, como ele é carinhosamente chamado pelos colegas jornalistas no Rio de Janeiro, carimbou o seu passaporte para a eternidade ao ter escrito e publicado, em 1988, o livro 1968: o ano que não terminou. A obra faz ver que 1968 foi um ano em que houve muita movimentação, revoluções culturais, políticas e sociais em todo o planeta. O autor recupera, pela memória, por ter participado da história, a movimentação que acontecia nas ruas brasileiras durante um dos momentos mais tensos da ditadura militar. Um dos trechos bastante comentado do livro é a descrição da famosa “Passeata dos 100 mil”, uma espécie de “avó” das marchas de junho de 2013, porém com mais força simbólica no imaginário brasileiro.