Pensata | Michel Laub

Para (tentar) ser um bom professor de oficina

— Antes de qualquer coisa, agradeça que alguém ainda se interesse por literatura. Mais ainda, que se disponha a gastar um dinheiro suado e sair de casa durante semanas ou meses para ouvir o que você diz. Portanto, seja correto com os alunos. A melhor maneira é não ceder à demagogia que só serve para lustrar a sua própria imagem.

— Também é um erro oferecer o que o mundo lá fora já dá em excesso. Se poucos leem ficção hoje, menos ainda são os que não a subordinam ao utilitarismo/autoritarismo de discursos como os da religião, da política, da publicidade, da autoajuda. A tarefa de um crítico, por exemplo, pode ser identificar o que um texto literário representa em termos históricos. Ou o quanto há de ideologia na construção do gosto, no uso de determinadas técnicas. Para um iniciante será proveitoso deixar esse tipo de reflexão para depois: ao menos durante as aulas, o ideal é aceitar que possam existir erros e acertos objetivos nas escolhas de tom, de ponto de vista, de tempo/espaço narrativos e assim por diante.

   Foto: Kraw Penas
 
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Michel Laub ministra oficina de romance para os leitores da Biblioteca Pública do Paraná, em 2011.

— Todo objetivismo em literatura é falso, claro, mas uma oficina trabalha com convenções. A tarefa de um professor é administrá-las, incluindo aí uma autoridade nem sempre ligada a méritos artísticos reconhecidos. Quando estou diante de alunos, sei que nem todos leram meus livros, e alguns dos que leram não gostam deles, e mesmo os que gostam não concordam com muita coisa do que digo. Se não aceitarmos que alguém ali precisa ter a palavra final, contudo, a tendência é que as aulas se percam em redundâncias e brigas de beleza.
 
— Quando o professor é bom, esse poder de administrar conteúdo e tempo — determinar que temas serão tratados, que argumentos são relevantes nas discussões, o quanto elas devem durar — está ligado a um programa também objetivo, exposto com clareza desde o primeiro encontro, e não à mera adjetivação das falas e condutas.

— Diferentemente do que se diz sobre cursos de escrita criativa, lidar com egos e questões emocionais é parte importante e até bem-vinda do jogo. Um embate entre alunos nunca é apenas um colóquio entre sujeitos elevados em sua ética da neutralidade: ali está a chance de treinar o que pode ser tão importante numa carreira artística quanto o talento e a força de vontade. A maneira como lidamos com frustrações, por exemplo. Ou com a ansiedade. Ou com a inveja (própria e alheia).

— Um bom começo nessa área é tratar os textos de aula como os exercícios que de fato eles são. As qualidades e defeitos genéricos dessa escrita de encomenda, feita às pressas para cumprir os prazos de entrega, são menos importantes que o modo como algumas passagens — descrições, diálogos, etc. — ajudam a entender as questões formais propostas no programa. Eliminando as expectativas imediatas sobre glória e fracasso, resta uma análise mais distanciada, mais precisa, que certamente será aplicada na busca futura pela voz literária de cada um.

— Ou seja, uma boa oficina talvez aprimore mais a leitura do que a escrita. Nenhuma contradição: escrever não deixa de ser, em algum ponto fundamental do processo, uma edição do material bruto que está dentro de nós. Passado o impulso às vezes intuitivo que nos levou a produzir uma frase, um parágrafo ou um romance inteiro, é preciso decidir o que deve ser cortado ou acrescentado para que estejamos mais próximos do queremos (ou achamos que queremos) expressar.

— Há ótimos professores de escrita criativa no Brasil, de pioneiros como Luiz Antonio de Assis Brasil, Raimundo Carreiro e João Silvério Trevisan a nomes mais recentes como Noemi Jaffe, Nelson de Oliveira e Marcelino Freire. Cada um terá ideias diversas das minhas sobre o assunto, pois o método didático decorre do gosto e da experiência individuais. Com uma coisa, porém, eu imagino que todos concordemos: uma oficina não fornece talento a ninguém. No máximo ela ajuda a dar forma ao que surge de modo misterioso em outro tempo e lugar.
 
— Isso não significa que os alunos tragam na testa o carimbo definitivo de talentosos ou não talentosos. Tal constatação pode vir apenas com os anos, porque cada um ali está num diferente momento de aprendizado e vivência. No curto prazo com que o professor trabalha, já é suficiente usar a longa tradição das técnicas e escolas literárias para ajudar em pequenas melhorias de texto — nem que seja no nível mais imediato da adequação de linguagem, da eficiência narrativa.

— Se o professor estiver igualmente aberto para aprender — dialogar com sensibilidades que não conhece, olhar de novo para questões estéticas que tinha como resolvidas —, a oficina acaba sendo uma via de mão dupla. A riqueza desse convívio, naturalmente mais complexo que o aproveitamento de alguns macetes e conselhos, pode fazer todos saírem do curso melhores do que entraram. 


Michel Laub nasceu em Porto Alegre, em 1973. Escritor e jornalista, publicou seis romances, sendo O tribunal da quinta-feira (2016) o mais recente deles. Recebeu os prêmios JQ-Wingate (Inglaterra), Transfuge (França) e Jabuti (segundo lugar), entre outros. Vive atualmente em São Paulo.