O chato das férias

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Valêncio Xavier


Não tem coisa melhor que férias no litoral, principalmente se o marido fica em Curitiba, a mulher na praia e ele só desce nos fins de semana. É bom pra todo mundo: pro marido, que pode ficar galinhando em Curitiba, e é bom para a mulher, que, sem o marido para vigiá-la, pode transar com o gatão de praia que escolher. Mas, se o cara tem de ficar com a família na praia o tempo todo, vai enchendo com a monotonia da vida familiar, etc., e tudo acaba ficando insuportável. Por isso vou ensinar uma série de coisas para assassinar o tempo na praia e melhor aproveitar suas férias de verão. Anote lá:

Contar os grãos de areia da praia. Se errar, recomece de novo.

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Dormir.
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Tomar banho de sol. Não esquecer de antes passar filtro solar. Calcule quantas gramas usou. Veja quantas gramas tem no vidro, veja o preço absurdo que pagou e calcule quanto está custando seu banho de sol. Este simples exercício de matemática aplicada muito ajuda a passar o tempo.

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Pescar.
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Ler o jornal inteirinho. Comece pelo cabeçalho, leia tudo até o número das páginas, os anúncios, as entrevistas dos políticos, o Collor dizendo que a inflação está baixando, etc. Com isso matou um dia.

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Fumar.
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Ler a lista telefônica do litoral. O enredo não é dos melhores, mas tem bastante personagens.

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Fazer aeróbica, “jogging”, ou toda atividade programada pela Operação Verão, ou coisa parecida. Cuidado para o saco não explodir.

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Caminhar.
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Essa é só para de noite: ficar olhando para o céu para ver se aparece disco voador. Quando o sol surgir, vá para casa dormir, pois é fato sabido que disco voador no litoral é só de noite.

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Comer.
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2

Escrever. Escreva suas memórias, inclusive as partes escabrosas. Comece pelo começo; comece por: nascia numa bela manhã de sol do dia 21 de março do ditoso ano de 1966. A minha santa mãezinha, que os céus já levaram, tinha o mesmo nome da mãe de Deus, Maria, e, igual a ela, casou-se virgem, pois nasci somente nove meses depois do casamento de meus pais, que foi no dia 29 de outubro de 1965...

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Pensar.
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Varrer o mar. Acorde cedinho, pegue a vassoura e vá varrer o mar. Se tiver aspirador de pó, melhor ainda, passe o aspirador para tirar o pó que fica em cima d’água.

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Fazer ginástica na praia.
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Ouvir o barulho do mar numa concha colocada no ouvido. Se a praia em que você está não tiver conchas, pegue uma lata vazia de Brahma Chopp, o barulho é o mesmo. Se a lata estiver meio cheia, melhor ainda: você ouvirá barulho de mar agitado. Depois beba tudo; quanto mais gelada, melhor.

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Beber.
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Jogar cartas com a família. Não jogue a dinheiro, que fica mais emocionante. Jogue videogame com as crianças e dominó com o Nono. Verá como o tempo passa rápido.

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Assistir novelas.
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Ver quanto tempo aquela gata que está tomando banho de sol ao lado de sua barraca demora de bruços e de frente. Cronometre e marque num papel.

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Fofocar.
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Ficar folheando velhas revistas, daquelas que já saíram de linha até em consultório de dentista. Não tem passatempo melhor.

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Tomar sorvete.
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Verificar quantas casas foram assaltadas no balneário em que você está. Vai levar um tempão. * Tomar banho de mar. * E se, com tudo isso, não matou seu tempo, vá escrever a página de humor do jornal “Semana no Litoral”. Ainda pagam pelas besteiras que você escrever.


Texto publicado originalmente nos anos 1990, na edição número quatro do jornal Semana no Litoral.