Literatura em cena | Manaus
Literatura amazonense vive período promissor
Surgimento de novos autores e eventos de âmbito nacional movimentam a cena literária local
Lucy Rodrigues
Milton Hatoum, autor do romance Dois irmãos, é um dos principais nomes da história literária amazonense.
A produção literária do Amazonas é marcada por uma tradição de escritores surgidos no Clube da Madrugada, movimento que teve grande efervescência nas décadas de 1950 e 1960 e revelou vários autores de talento, muitos dos quais continuam produzindo ainda hoje. Destacam-se ainda autores surgidos nos anos 1970 e 1980, com grande papel expressivo para as letras regionais, como Márcio Souza, Aldísio Filgueiras, Zemaria Pinto e, em especial, Milton Hatoum, que conquistou reconhecimento nacional pela força expressiva do seu trabalho romanesco.
“A literatura que se produz no Amazonas atualmente é tributária dos desdobramentos modernistas em âmbito regional. A Semana de Arte Moderna de 1922 teve profundas repercussões no processo de mudança e atualidade da cultura amazonense”, explica Tenório Telles, poeta e consultor editorial da Livraria Valer. “Em termos literários, o Clube da Madrugada, fundado em Manaus em 1954, tornou-se o polo irradiador dessas transformações. Novos escritores surgiram e estabeleceram um novo olhar sobre a realidade regional, ao mesmo tempo em que, no plano da construção formal, criaram novas possibilidades expressivas. Atualmente, a produção literária ainda é marcada pela presença de autores como Luiz Bacellar, Elson Farias, Farias de Carvalho, Thiago de Mello, Astrid Cabral, Arthur Engrácio, Carlos Gomes, entre outros – todos figuras de destaque do Clube da Madrugada”, diz.
Segundo Telles, percebe-se, mais recentemente, a emergência de uma nova geração de escritores, oriundos das universidades, entre eles o professor de Literatura Brasileira e Teoria da Literatura da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) Allisson Leão, autor de Natureza e ficção (2011), Jardim de silêncios (2002). “Nos últimos anos, tem se intensificado essa persistência crítico-literária de professores e autores, principalmente por meio dos programas de pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e da UEA. Acredito que sentiremos esse impacto daqui a cinco ou dez anos, quando essas dissertações se transformarem em livros”, analisa Leão.
Entre os novos e talentosos escritores surgidos na última década, Leão inclui o contista piauiense, radicado em Manaus desde 1979, João Pinto, autor de O ditador da terra do Sol (2002), e a poeta paranaense, também radicada na capital do Amazonas, Pollyanna Furtado, que escreveu, junto com o poeta Thiago de Mello, o ABC da floresta amazônica (2008).
“Há uma geração ainda mais jovem, que vem usando a internet como veículo de divulgação, a exemplo de Priscila Lira, de apenas 22 anos, que fez sucesso com o e-book Manual de feitiçaria”, afirma Allisson Leão. Segundo ele, a literatura amazonense vive um período promissor. “Mas ainda não estamos satisfeitos. Apesar dos avanços, há o problema da outra ponta, ou seja, do leitor. Sem formar bons leitores, não há como formar escritores. Isso tudo é reflexo da educação do nosso país.”
A mesma visão é compartilhada por um dos maiores escritores brasileiros, o amazonense Milton Hatoum. Morando em São Paulo e afastado da cena literária local, o ex-professor de Literatura da UFAM também relaciona a baixa qualidade do ensino público como um dos maiores entraves para o crescimento da literatura no país. “Falta uma coisa que, há 25 anos, a Ditadura Militar destruiu, que foi a qualidade do ensino público. O do Amazonas é um dos piores do Brasil. Isso tem relação direta com a capacidade de leitura e reflexão dos jovens adultos. Isso não é culpa só do Governo Federal, mas de cada prefeito e governador desses municípios e estados brasileiros”, analisa.
O escritor, que costuma fazer palestras em escolas públicas e particulares, há três anos participa da “Semana Milton Hatoum em Manaus”. Em 2013, o encontro foi realizado de 21 a 26 de outubro, com palestra no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia (IFAM) e lançamento local do novo livro de crônicas de Hatoum, Um solitário à espreita, lançado este ano na 11ª Feira Literária de Paraty.
PARA O MUNDO
Responsável por levar o nome e a paisagem de Manaus para o mundo, por meio de suas obras, Hatoum comemora as conquistas alcançadas, principalmente com o seu romance de maior sucesso, Dois irmãos (2000). Além dos mais de 140 mil exemplares vendidos e tradução para mais de 16 países, a obra será traduzida ainda este ano para a língua oficial da Etiópia e deve ganhar adaptação para a TV no formato de minissérie, pela rede Globo.
“Fico muito feliz quando encontro leitores do Sul que dizem que foram conhecer Manaus após a leitura dos meus romances. Só o fato de Dois irmãos ter essa quantidade de exemplares vendidos, para um escritor brasileiro, já é um grande alcance. Essa possibilidade muito forte de o livro se tornar uma minissérie, dirigida por Luiz Fernando Carvalho, também é muito positiva, pois a televisão consegue alcançar um público ainda maior, sem falar na qualidade do trabalho”, afirma Hatoum, que tem outras obras cedidas para a produção audiovisual, entre elas Órfãos do eldorado (2008), cujas filmagens estão em andamento, sob direção de Guilherme Coelho. No elenco do longa estão Daniel de Oliveira, Dira Paes e Mariana Rios.
EDITORAS
Atualmente, duas editoras têm firmado posição em termos de produção no mercado editorial local: a Valer (privada) e Edua (pública). A primeira, com destaque na divulgação da produção literária regional. Já a segunda trabalha na edição de textos científicos e acadêmicos, com foco na produção acadêmica de seus professores (dissertações e teses de doutoramento).
Com mais de dez anos de atuação, a Editora Valer é uma das mais tradicionais do estado e concentra em seu acervo mais de 600 títulos sobre a Amazônia. Além de permitir e consolidar o surgimento de novos autores, também relança obras expressivas do pensamento amazônico que já se encontram esquecidas e fora do mercado.
“O interesse da Valer pelos temas amazônicos foi muito marcante para a literatura e a cultura locais, de maneira que ainda nem se mensurou, pois ela não publicou apenas romances ou poemas, mas também ensaios, críticas e recuperou nesses últimos dez anos publicações históricas, obras que não haviam sido editadas há séculos, que trazem as primeiras visões sobre a nossa região. Além de movimentar o mercado cultural, com projetos como o Quarta Literária. É claro que há o interesse do mercado, mas outras editoras não fazem isso”, avalia o professor Allison Leão.
FÉRIAS LITERÁRIAS
Em 2012, Manaus foi a primeira cidade da região Norte a receber uma Bienal do Livro. Para a segunda edição do evento, marcada para 2014, espera-se números ainda mais expressivos que a primeira, que reuniu mais de 203 mil visitas, 60 expositores e teve 89 lançamentos de livros. Outro evento tradicional no calendário amazonense é a Feira de Livros do Serviço do Comércio (Sesc) no Amazonas, que está na 27ª edição e será realizada no período de 7 a 10 de novembro. O evento terá como tema “Encontro das águas e das Letras” e fará homenagem ao poeta Alcides Werk, conhecido, sobretudo, pelos poemas que têm a Amazônia, com seus rios, matas e o caboclo, em evidência. De acordo com o Sesc, o objetivo é intercalar a feira de livros com um festival literário, que geralmente é promovido no interior do Estado.
No final do último mês de setembro, Manaus recebeu pela primeira vez o projeto “Livro de Graça na Praça (LGP)”, que existe há mais de 10 anos em Belo Horizonte (MG), sob coordenação do escritor Artur Vianna e patrocínio da operadora Oi. O projeto também promoveu um concurso de contos que premiou três autores, que integraram a publicação Manaus: 20 autores, com textos de escritores amazonenses. O livro foi lançado e distribuído gratuitamente para mais de 3 mil pessoas no Largo de São Sebastião, no centro de Manus. “Nossa ideia agora é realizar esse projeto anualmente na cidade. Ele tem como finalidade fazer com que as pessoas tomem gosto pela leitura e valorizem os seus escritores”, diz Vianna.