Literatura Paranaense | Primeiros anos
Início poético e romântico
As primeiras manifestações literárias conhecidas no Paraná, ainda no século XIX, foram por meio de poemas, com destaque para a obra de Júlia da Costa
Marcio Renato dos Santos
Acervo BPP
Cena da peça A peça Flores dispersas, sobre a vida e a obra de Júlia da Costa, encenada na Biblioteca Pública do Paraná, em 2014, pela Cia de Teatro Laurinha Produções
No início, o Paraná era (de) São Paulo. A partir do dia 19 de dezembro de 1853, -o Estado deixa de ser a quinta comarca paulista e, enfim, se emancipa. “Devido a esse fato é difícil, e complexo, apontar — exatamente — o marco zero da literatura paranaense”, diz o professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) Antonio Donizeti da Cruz. Para resolver tal impasse, comenta o estudioso, seria necessário realizar ampla e detalhada pesquisa sobre o tema — tarefa que ainda está por ser feita.
Já o professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Marcelo Franz afirma que a lógica a respeito do início da literatura no Paraná é a seguinte: se houve produção anterior a 1853, do ponto de vista político, ela é paulista. Ele observa que, para tratar da identidade literária de uma região, é importante recorrer ao conceito de “sistema literário” adotado pelo professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) Antonio Candido, para quem autores escrevem e publicam as suas obras e são lidos por um público, gerando, dessa maneira, uma tradição.
“Levando em consideração essa proposta, só podemos falar — se pudermos — em literatura paranaense se tivermos em vista a tríade formada por autor local, criando uma expressão e uma visão do mundo que traduza um ‘etos’ local e dirigindo-se conscientemente a um receptor local, que assim se identifica”, diz Franz.
Tal sistema ainda não existia no Paraná no século XIX — contexto em que, de acordo com o pesquisador daUTFPR, a manifestação literária era episódica, não sistemática, sufocada por limitações técnicas. “Não havia por aqui, que se saiba, editoras, talvez poucas livrarias, além, é importante lembrar, da posição pouco desenvolvida econômica e politicamente da própria província”, argumenta, acrescentando que, “reivindicar como paranaense a misteriosa produção daquele período, é algo problemático.”
Júlia, a poeta
A pesquisadora Marilda Binder Samways, autora do livro Introdução à literatura paranaense, aponta para o parnanguara Fernando Amaro (1831- 1857) como o autor mais antigo do Paraná — ponto de vista compartilhado por outros estudiosos. Amaro colaborou, por exemplo, com o Dezenove de Dezembro, o primeiro jornal do Paraná, que entrou em circulação no dia 1.º de abril de 1854 — e o seu livro Versos só aparecia, postumamente, em 1901. Capa do livro Versos, de Fernando Amaro, publicado em 1901.
No entendimento de Franz, há dados insuficientes para estudar o valor do legado de Fernando Amaro, do qual pouco restou. Essa carência de informação, ressalta o professor, leva à situação de se enaltecer apenas um dado circunstancial extraliterário — o fato de ele ter nascido e vivido aqui em meados do século XIX, antes da emancipação — como fator de inclusão desse autor na história de nossas letras. “Acho isso perigoso e limitador do ponto de vista crítico”, analisa.
No já citado livro Introdução à literatura paranaense, Marilda Binder Samways afirma que a parnanguara Júlia da Costa (1844-1911) é outra voz que se destaca no início da literatura paranaense — opinião endossada por Marcelo Franz. Autora, entre outras obras, de Flores dispersas, 1.ª série (1867) e Flores dispersas, 2ª série (1868), Júlia foi uma poeta de seu tempo, em que predominava o romantismo — o seu percurso dialoga com o ideário romântico: casada com um homem 30 anos mais velho, o Comendador Costa Pereira, ela se apaixonou pelo poeta Benjamin Carvoliva, com quem trocou cartas.
Então, se a primeira manifestação expressiva literária do Estado é a obra de Júlia da Costa, é possível afirmar que a literatura no Paraná tem um início romântico e poético. “Sim, essa definição é correta. O romantismo pode ser visto, sim, como a primeira idade literária local”, avalia Franz.
O professor da UTFPR ainda chama atenção para o fato de que no século XIX, no Paraná, o momento não era favorável à produção escrita por mulheres: “Júlia da Costa, portanto, ocupa posição importante pelo pioneirismo. Era uma mulher de atitudes ousadas. Sua poesia é sentimental, romântica, intimista, com algumas pitadas de espiritualidade. É tudo bem convencional, mas creio que ela [que também viveu em São Francisco do Sul (SC)] poderia ter expandido sua arte se vivesse num contexto — de tempo e lugar — mais oportuno.”