Estante | Drummond

Drummond
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Brejo das Almas

Segundo livro de Drummond, Brejo das almas foi publicado em 1934, ano em que o poeta deixou Belo Horizonte para viver no Rio de Janeiro. Há quem considere a obra inexpressiva pelo fato de aparecer ensanduichada por dois grandes títulos, Alguma poesia (1930) e Sentimento do mundo (1940). No entanto, basta ler ou mesmo passar os olhos nos 26 poemas de Brejo das almas para se dar conta da qualidade da publicação. “O amor bate na aorta” (“Meu bem, não chores,/ hoje tem filme de Carlito!”), “Hino nacional” (Precisamos descobrir o Brasil!/ Escondido atrás das florestas”), “As namoradas mineiras” (“Uma namorada em cada município”), “Em face dos últimos acontecimentos” (“Oh! sejamos pornográficos”), “Não se mate” (“Carlos, sossegue, o amor/ é isso que você está vendo:/ hoje beija, amanhã não beija”), “Segredo” (“A poesia é incomunicável./ Fique torno no seu canto./ Não ame”) e “Necrológio dos desiludidos do amor” (“Os desiludidos do amor/ estão desfechando tiros no peito”) são alguns dos clássicos drummondianos presentes, justamente, neste livraço que é Brejo das almas


O pipoqueiro da esquina

Ziraldo aproveitou frases de crônicas que Carlos Drummond de Andrade publicou no Jornal do Brasil para idealizar O pipoqueiro da esquina. Publicado pela Codreci em 1981, o livro é feito com sacadas do poeta ilustradas pelo desenhista. “Cada frase ficou valendo mil, cada frase uma casa-da-moeda de imagens energéticas”, comentou Drummond. Eis um exemplo de uma frase, ou pipoca, drummondiana: “Enfim: vai ser suspenso o desmatamento da Amazônia. Por falta de mata?”. Outra pipoca: “A moral do outro lado: a prova de que há um retrocesso na pornografia é que as capas de revistas especializadas só apresentam nádegas”. Ziraldo contou como o livro foi surgindo em sua mente: “Eu descobri que as pipocas do Drummond são charges em estado de dicionário. Enxutas, palavra pura, as pipocas contêm a crítica, a observação aguda, a análise, a contundência, a revelação, a criatividade e o humor que uma charge exata deve ter”. Vale, enfim, conferir o livro e apreciar a conversa entre pipoca e traço. É uma experiência ímpar.


Drummond
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A paixão medida

Esta obra aparece em 1980, ano em que o poeta comemorava meio século de vida editorial e dois anos antes de Drummond completar 80 anos (em 1982). No texto “A riqueza do vocábulo”, que acompanha uma reedição da obra, Miguel Sanches Neto afirma que “Depois de A paixão medida, Drummond entra definitivamente na fase dos poemas amorosos”. “O poeta conjuga a poesia no território voluptuoso do corpo, tirando dele o ímpeto criativo”, acrescenta Sanches Neto no texto em que analisa o livro em questão. O amor, de fato, é tema para poemas desta obra, para livros posteriores e já presente em obras anteriores. Mas em A paixão medida Drummond também se permite problematizar poeticamente a brevidade da existência a partir de sua já então vasta experiência e memória. Destaque para “Arte poética”: “Uma breve uma longa, uma longa uma breve/ uma longa duas breves/ duas longas/ duas breves entre duas longas/ e tudo mais é sentimento ou fingimento/ levado pelo pé, abridor de aventura,/ conforme a cor da vida no papel.”


Corpo

“Meu corpo não é meu corpo,/ é ilusão de outro ser./ Sabe a arte de esconder-me/ e é de tal modo sagaz/ que a mim de mim ele oculta.” Esta é a primeira estrofe do primeiro poema de Corpo, publicado em 1984, um dos mais relevantes livros da fase final de Carlos Drummond de Andrade. O desejo e a viagem pelas possibilidades corpóreas dão o tom de vários poemas desta obra, mas a permanente surpresa diante da existência também aparece magistralmente, por exemplo, em “História natural”: “Cobras cegas são notívagas./ O orangotango é profundamente solitário./ Macacos também preferem o isolamento./ Certas árvores só frutificam de 25 em 25 anos./ Andorinhas copulam no voo./ O mundo não é o que pensamos”. O livro ainda traz “Favelário nacional”, poema em que Drummond fala da miséria que, lenta, mas irreversivelmente, marcaria o visual e realidade das metrópoles brasileiras: “Vai desabar, vai desabar/ o teto de zinco marchetado de estrelas naturais/ e todos, ó ainda inocentes, ó marginais estabelecidos, morrereis/ pela ira de Deus, mal governada”.


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Drummond: o gauche no tempo

Um estudo sobre a obra do poeta de Itabira que merece ser lido é Drummond: o gauche no tempo, de autoria de Affonso Romano de Sant’Anna. O ensaísta elegeu 11 livros de poemas de Drummond para estudar o tempo, “coordenada a partir da qual se podem reagenciar os tópicos principais de sua poesia, demonstrando o caráter sistêmico de sua construção poética.” O estudo de Sant’Anna é surpreendente, inclusive por apresentar dados tabelados e gráficos que auxiliam o leitor a compreender o que é apresentado nas páginas do livro. Entre os méritos da obra, destaca-se a definição que Sant’Anna apresenta para gauche, expressão presente na obra de Drummond, muito repetida, mas às vezes incompreendida: “Gauche é a palavra em que se cristalizou a essência da personalidade estética do poeta. Significa basicamente o indivíduo desajustado, marginalizado, à esquerda dos acontecimentos. Tal interpretação, com evidente sentido ético, encontra-se tanto no raciocínio mágico primitivo quanto na mente civilizada.”


Cadeira de balanço

Drummond foi cronista [leia mais na reportagem publicada na página 20] e esta obra reúne alguns dos mais intensos textos em prosa escritos pelo poeta. Lançado em 1966, Cadeira de balanço não é um título aleatório [nada em Drummond é fortuito]. O autor explica o que o nome da obra significa: “Cadeira de balanço é móvel da tradição brasileira que não fica mal em apartamento moderno. Favorece o repouso e estimula a contemplação serena da vida, sem abolir o prazer do movimento. Quem nela se instale poderá ler estas páginas mais a seu cômodo”. O leitor, então, segue pelas páginas e tem acesso ao que foi o cotidiano carioca da segunda metade do século XX a partir da perícia única do artista de Itabira. Qualquer fragmento pode dar a dimensão da potência do cronista-poeta, como o texto “A contemplação do Arpoador”: “Pediram-me que definisse o Arpoador. É aquele lugar dentro da Guanabara e fora do mundo, aonde não vamos quase nunca, e onde desejaríamos (obscuramente) viver”. Precisa mais? O livro, evidentemente, oferece mais, muito mais.