Especial | Literatura Erótica

Outros olhares

Omar Godoy

Hilda Hilst é autora de extensa obra, que dialoga com a temática erótica.

Hilda Hilst é autora de extensa obra, que dialoga com a temática erótica.

Quando o assunto é a literatura erótica produzida por autoras brasileiras, dois nomes costumam vir à mente de imediato: Hilda Hilst (1930 – 2004) e Cassandra Rios (1932 – 2002). Mas as semelhanças entre elas não vão muito além da nacionalidade, do ofício e da inclinação para a transgressão. Enquanto a primeira é apontada pelos estudiosos como uma das mulheres mais importantes da literatura brasileira, a segunda conheceu o sucesso de público, chegando a vender 300 mil exemplares por ano de seus livros. 

Paulista de Jaú, Hilda publicou cerca de 40 títulos, entre prosa, poesia e dramaturgia. Seus volumes foram lançados em tiragens pequenas, mas de alcance suficiente para que ela conquistasse prêmios e o respeito da crítica e da academia. Não à toa, obras como Tu, não te moves de ti (1980) e Rútilo de nada (1993) frequentemente aparecem em listas de melhores livros brasileiros de todos os tempos. 

Também paulista, mas da capital, Cassandra (cujo nome verdadeiro era Odete) fez fama sob o signo da controvérsia. Homossexual assumida, lançou mais de 35 romances, escritos de forma direta e explícita. Tachada de pornográfica, foi duramente perseguida pela ditadura militar, que proibiu praticamente toda a sua obra durante os anos 1970. Sua lista de best-sellers inclui vários livros com títulos sugestivos, como Nicoletta ninfeta (1950), Tara (1975), Carne em delírio (1976) e O prazer de pecar (1979). 

“Não consigo ver Cassandra Rios como autora de livros eróticos. Pelo que me lembro, seus livros eram maçantes, sem um bom trato com a linguagem. Hilda Hilst, sim, aventurou-se sem peias nem meias palavras, e criou livros hilários sem se descuidar da linguagem”, diz Antonio Carlos Viana. Para Rinaldo de Fernandes, Cassandra foi uma espécie de E.L. James (autora de Cinquenta tons de cinza) de seu tempo, ao lado da menos lembrada Adelaide Carraro. “Mas ela também foi uma personalidade muito censurada. Num contexto fechado, de extremo moralismo, ela trazia personagens desejosas, quentes em suas tramas”, comenta. 

Para Paulo Venturelli, Hilda Hilst cansou de não ser lida e “apelou” para temas mais provocativos, mas nunca perdeu a categoria. Já Cassandra nem deveria ser levada em conta. “Uma autora que merece menção é a Ana Cristina César”, indica. 

Eliane Roberts lembra que, de forma geral, o mundo ocidental só viu o surgimento de publicações de autoras femininas no final do século XIX — o que também aconteceu no Brasil, mas de forma ainda mais tímida. Ela ainda conta que, durante suas pesquisas para a Antologia da poesia erótica brasileira, foi surpreendida pela expressiva presença de mulheres escrevendo poemas eróticos a partir da década de 1970 (Ana Cristina César, Adélia Prado, Alice Ruiz, Josley Vianna Baptista, Angela Melim). 

Homoerotismo 

Se a literatura erótica brasileira produzida sob a ótica feminina começou tardiamente, a homoerótica só veio à tona há cerca de meio século. Para Eliane, a palavra-chave, aqui, é “clandestinidade”. “Ou seja, muito do que se produziu talvez não tenha chegado às mãos do público leitor, o que torna difícil qualquer afirmação a esse respeito”, diz a pesquisadora. De qualquer forma, ela destaca o aumento considerável do número de poetas brasileiros que se voltaram ao homoerotismo a partir dos anos 1950 — e elenca autores como Mario Faustino, Glauco Mattoso, Valdo Motta, Antonio Cicero e Roberto Piva (este último, sempre o mais citado). 

No campo da prosa, Fernandes destaca o paulista João Silvério Trevisan e, principalmente, o gaúcho Caio Fernando Abreu. “Seu conto ‘Sargento Garcia’, além de explorar o erotismo homossexual, conta com um pano de fundo histórico importante [o período da ditadura militar]”, observa. Venturelli cita João Gilberto Noll, Bernardo Carvalho e Marcelino Freire. “Suas obras, ao tocar na questão do homoerotismo, sempre atingem um lirismo de alta voltagem”, afirma. Viana ainda lembra de Adolfo Caminha, autor daquele que muitos consideram “o primeiro romance homoerótico do mundo”: Bom-crioulo (1895), sobre o relacionamento entre dois marinheiros. “Se o erotismo já é por si só complicado, imagine uma literatura homoerótica. São poucos os nomes que se destacam. Mas quando o fazem, fazem bem”, avalia.