Especial | Dalton Trevisan e Rubem Fonseca - Prateleira

Escritores indicam livros de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan

A grande arte

A grande arte (1983)

De olhos fechados, eu poderia escolher na minha estante “Os prisioneiros”, “A coleira do cão”, “Lúcia McCartney” ou “Feliz ano novo”. Alguns dos melhores contos escritos no Brasil no século 20 estão ali. Mas, só pra contrariar, escolho um romance: “A grande arte”. Com este livro publicado em 1983, Rubem Fonseca instaura o romance policial no país. Só que em forma de paródia. Para tanto, Fonseca se utiliza de procedimentos clássicos — o advogado Mandrake é o detetive maníaco, um vídeo-cassete é o MacGuffin, o Rio é San Francisco. E modernos: a literatura noir da violência, do capitalismo criminoso e da corrupção como elemento de denúncia social. De quebra, faz com que o leitor se sinta um homem culto enquanto se diverte.

Álvaro Costa e Silva, o Marechal, nasceu e vive no Rio de Janeiro (RJ). É jornalista desde 1988. Trabalhou nos jornais O Globo, Última Hora, Jornal do
Brasil, e nas revistas Manchete e Ele & Ela. Foi editor do suplemento literário Ideias & Livros, do Jornal do Brasil, de 2004 a 2010. Atualmente, colabora
com a Ilustríssima, do jornal Folha de S.Paulo.



O vampiro de Curitiba
O vampiro de Curitiba (1965)

Ainda que citem de maneira incompleta e errada as palavras de Terenciano, o que ficou foi habent sua fata libelli, que posso traduzir como cada livro tem seu destino, e só com muita imaginação podemos escapar de seu caráter redundante e circular. Com O Vampiro de Curitiba, seu destino foi alcançar uma notoriedade instantânea, revelando à cena brasileira um autor que dizia algo novo, e de maneira nova. Mesmo que Dalton Trevisan já tivesse bons antecedentes literários, o fato é que O vampiro foi uma revelação, que gerou dezenas de epígonos, mas nenhum com seu brilho e sua novidade.

Luiz Antonio de Assis Brasil é romancista, autor de 19 livros, entre eles Cães da província. Também é professor da PUC-RS, onde há 30 anos coordena a Oficina de Criação Literária.


O beijo na nuca
O beijo na nuca (2014)

Fiquei surpreendida com o último livro de Dalton Trevisan — O beijo na nuca (2015) —, porque Curitiba, o cenário mítico feito de repetições e taras de seus livros anteriores, só aparece de relance. Os contos se passam fora do espaço chancelado em sua obra. Os minicontos, as grandes elipses são substituídos por contos mais longos, sem cortes abruptos e muitos trazem uma tonalidade lírica. Seria o livro resultado de uma viagem? Realizada ou imaginada? Se deslocamento físico houve, a Europa apresentada não tem a ver com seus celebrados cartões postais. Ela é, antes, Curitiba travestida.
No conto “Munique”, o narrador informa: “... de Munique só me lembro de Maria”. O que o escritor registra em Viena, tem o enquadramento de Curitiba: “As folhas vermelhas do outono cobrem a calçada. Leve garoa cai sobre pardais tiritantes e cães vadios. O fotógrafo diante da roda enfia a cabeça sob
o capuz negro: êpa! Que fim levou o terceiro homem?” Tudo somado, há um deslocamento: o lobo do mar em terra firme, outras paragens em Curitiba,
Curitiba em todas as paragens e o ponto de chegada é a morte, no último conto.

Berta Waldman formou-se em letras na Universidade de São Paulo (USP) e foi professora de literatura brasileira e teoria literária na Unicamp. Acaba de lançar Ensaios sobre a obra de Dalton Trevisan, livro que reúne textos escritos ao longo de 30 anos.


O cobrador (1979)

O cobrador

O cobrador foi o primeiro livro de Rubem Fonseca que eu li. Livros anteriores do autor, como O caso Morel e Feliz ano novo, tinham ficado fechados na estante da casa da minha mãe, sem que eu me interessasse por eles. Eram livros de adulto. O cobrador coincidiu com a minha entrada na maioridade. As pessoas falavam de uma leitura política, de segundo grau, sobre fundo de ditadura militar, mas eu ria lendo O cobrador. Comecei a rir com aquele mote que o narrador repete (“Estão me devendo”) antes de sair atirando. O ódio do cobrador tinha a ver com a minha adolescência. Mais que social, ele era um personagem infantil e literário, cujo ódio difuso me lembrava alguma coisa que eu também queria fazer sem saber bem o que era.

Bernardo Carvalho é escritor. Autor dos livros de contos Aberração (1993) e dos romances Nove noites (2002), Mongólia (2003) e Reprodução (2013).
 


Duzentos ladrões
Duzentos Ladrões (2008)

Reúne 69 contos com frescor de xixi de virgem e revelam que o Vampiro continua a escrever com tesouras de ferro e canetas pontiagudas afiadas no asfalto selvagem de Curitiba. No conto que empresta título ao volume, um ex-viciado em crack fornece droga na prisão, mas acaba sendo preso lá mesmo onde é currado por duzentos ladrões. Escrito em forma de poema sem nenhuma pontuação, o conto traz a marca do estilo inimitável do Vampiro que, desde o primeiro livro, se mantém insubmisso aos beletrismos. Pederastas, cafetões, roqueiras velhas, viúvas felizes, últimas virgens, hienas papudas, os Joões e Marias de sempre são os personagens principais deste livro, onde o amor é “uma mula sem cabeça que ronda a tua porta e te chama
pelo nome”. Douglas Diegues é escritor, editor e estudioso das poéticas dos povos nativos da fronteira do Brasil com o Paraguai e a Argentina. Escreve e pensa em sua própria língua, o portunhol selvagem. Autor, entre outros, de Dá gusto andar desnudo por estas selvas (2003) e Uma flor (2005).


A guerra conjugal
A Guerra conjugal (1969)

Sou um devoto do Dalton Trevisan: o escritor vivo mais importante da língua portuguesa. Gosto de quase tudo dele, mas acho Guerra conjugal de 1969 um livro perfeito. Trinta contos: todos os personagens são João e Maria. Todos banhados com o humor ácido e a ironia que fizeram de Dalton um mito. Sua linguagem concisa e popular fez dos dramas desses casais uma alegoria da incomunicabilidade e da crueldade, sempre com a navalha afiada do contista ímpar. O livro inspirou famoso filme homônimo dirigido em 1976 por Joaquim Pedro de Andrade.
Carlos Henrique Schroeder é autor, entre outros, de As certezas e as palavras, vencedor do Prêmio Clarice Lispector de contos em 2010, concedido pela
Fundação Biblioteca Nacional. Também é idealizador do Festival Nacional do Conto, que acontece em Santa Catarina.