Especial | Boom Latino-americano - Prateleira
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Cem anos de solidão, de Gabriel García Marquéz
Alvo noturno, de Ricardo Piglia
O professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Claudio Cruz destaca o argentino Ricardo Piglia, nascido em 1941, como um dos nomes mais importantes do pós-boom latino-americano. “No âmbito da literatura argentina, ele enfrentou o fenômeno que o antecedeu no campo cultural e literário de um modo, me parece, mais correto, ou seja, olhando nos olhos da Górgona, para usarmos uma expressão da mitologia que raduz bem o que estamos tratando. Como um escritor argentino, a Górgona — para ele — se chamava Jorge Luis Borges. Piglia refletiu e escreveu muito sobre o autor de Ficções e, do meu ponto de vista, saiu-se bem, até onde se pode sair bem desse tipo de enfrentamento”, diz Cruz. Em meio a uma produção consistente, Piglia publicou em 2010 Alvo noturno, romance ambientado numa região do pampa argentino durante a ditadura militar a década de 1970 — e o escritor consegue, por meio da ficção, e de uma habilidade narrativa ímpar, jogar luzes sobre um dos grandes dramas argentinos.
Pedro Páramo, de Juan Rulfo
A vida breve, de Juan Carlos Onetti
O escritor uruguaio Juan Carlos Onetti (1909-1994) afirmou: “Escrever é ser como Deus”. Guardadas todas as proporções, ele também criou um mundo, no caso, um universo literário: a imaginária cidade de Santa María. Nesta urbe onettiana se passa A vida breve, romance publicado em 1950, um dos marcos da ficção hispano- -americana, inspiração direta e indireta para autores como Julio Cortázar e Mario Vargas Llosa. Em A ida breve, a esposa do publicitário Juan María Brausen está se recuperando de uma cirurgia, os seus seios foram extraídos, ao mesmo tempo em que, no apartamento ao lado, outra personagem desfruta de tudo o que exo pode proporcionar. Esta não é apenas a única contradição que a narrativa apresenta: Brausen, publicitário não muito bem-sucedido, pode perder o emprego e, então, decide escrever o roteiro para um filme. Solidão, falta de perspectivas e fracasso iminente, entre outros impasses, estão na atmosfera desta obra, escrita com perícia incontestável. Onetti foi um dos primeiros escritores latino-americanos a receber atenção da crítica nos Estados Unidos e na Europa. Conquistou o Prêmio Nacional de Literatura do Uruguai, o Prêmio Cervantes e uma indicação para o Nobel.
Ficções, de Jorge Luis Borges
Um dos monstros da literatura universal de todos os tempos é o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). Ele antecipou o boom da literatura hispano-americana, já era conhecido antes da visibilidade de Gabriel García Marquéz, Mario Vargas Llosa e companhia, mas após o boom, o legado de Borges se espalhou e se consolidou ainda mais. Ensaísta, poeta e, principalmente, contista, o gigante argentino está a cada dia mais onipresente no universo das letras. A literatura do catalão Enrique Vila-Matas, festejado autor contemporâneo, dialoga com a herança borgiana. Ficções, publicado em 1944, é um dos modelos exemplares do que Borges produziu e também se revela como uma matéria-prima na qual Vila-Mata se alimenta. Nesta narrativas, há muitos jogos. Os enredos fazem referência a outras obras literárias, proporcionando uma espécie de jogo para o leitor: cada conto de Borges não se encerra com o ponto final — os textos remetem a outros textos e a outros autores, continuamente. Alguns dos mais conhecidos contos do autor estão nesta seleta: “Pierre Menard, autor do Quixote”, “A biblioteca de Babel” e “As ruínas circulares”.
A festa do Bode, de Mario Vargas Llosa
O turista que vai a Punta Cana, na República Dominicana, mesmo com excessos dos resorts, tende a desconfiar do abismo social que separa os poucos ricos dos muitos pobres daquele aparente paraíso de férias. Lá, de fato, tudo é imensamente desigual. E o início dessa aberração foi a “gestão” de Rafael Trujillo (1891-1961) que, com o suporte do governo norte-americano, tomou o controle do país de 1930 até 1961. Trujillo acumulou fortuna, enquanto, no período, a maior parte da população não teve outra alternativa senão viver na miséria. O escritor peruano Mario Vargas Llosa, nascido em 1931, recria por meio da ficção os tempos de Trujillo, conhecido como Bode, no romance A festa do Bode. O texto é fluente e forte, como toda a vasta obra do autor que, em 2010, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Llosa gosta, e entende, de política. Em 1990, disputou e perdeu a presidência do Peru, para Alberto Fujimori. Atualmente, é possível ler artigos que o escritor escreve, a cada 20 dias, no jornal O Estado de S.Paulo.
O reino deste mundo, de Alejo Carpentier
Todas as famílias felizes, de Carlos Fuentes
O título faz alusão a uma conhecida frase, de Tosltoi, do romance Anna Karenina: “Todas as famílias felizes se parecem; as infelizes o são à sua maneira.” Inclusive, a máxima é mencionada no começo do livro, que reúne 16 contos ambientados na Cidade do México, durante o século XX. Carlos Fuentes (1928-2012) se vale da ficção para apresentar diferentes famílias que enfrentam as engrenagens da máquina do mundo. Muda o endereço, mas os impasses não cessam: o filho do presidente se rebela contra o pai, uma mulher aceita sem reclamar o tratamento cruel do marido, um padre esconde a filha em uma aldeia etc. E, entre um conto e outro, o autor inseriu coros, por meio dos quais recria a oralidade das ruas. No “Coro das mães de ruas”, como o título sugere, o lado adverso do mundo cão é entoado: “Esquisita pariu na rua/ Metade das meninas da rua estão grávidas/ Elas têm entre doze e quinze anos/ Seus bebês têm entre zero e seis anos/ Muitas têm sorte e abortam porque levam tanta porrada/ Que o feto sai berrando de medo.”
As armas secretas, de Julio Cortázar
Boquinhas pintadas, de Manuel Puig
Um autor que se destacou em meio a tantos nomes de qualidade na literatura hispano-americana foi Manuel Puig (1932-1990). Fascinado pelo cinema desde criança, na década de 1980 o autor passou uma temporada no Rio de Janeiro com a finalidade de adaptar o romance O beijo da mulher-aranha (1976) para o cinema. Longa-metragem lançado em 1985 com direção de Héctor Babenco, a adaptação proporcionou visibilidade em âmbito mundial para a ficção do prosador argentino. Se no romance de estreia, A traição de Rita Hayworth (1968), Puig tratou de sonhos e frustrações de uma pequena cidade do interior por meio de uma narrativa linear, em Boquinhas pintadas, de 1969, o escritor também problematizou os dramas de quem vive em um povoado, mas por meio de uma narrativa fragmentada simulando um folhetim, incluindo relatos, páginas de diário, trechos de cartas — com diferentes narradores e variados focos narrativos. A tradução de Boquinhas pintadas para o português é de Joel Silveira e o trabalho foi elogiado pelo autor: “Esplêndido trabalho. O importante é que o estilo e os tons estão admiravelmente conservados.”