Especial | Boom Latino-americano - Prateleira

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Cem anos de solidão, de Gabriel García Marquéz

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Publicado em 1967, o romance é considerado o marco-zero do boom latino-americano. O livro conquistaria leitores e crítica, tornando o autor uma referência em âmbito mundial. Quinze anos após publicar Cem anos de  solidão, Gabo, como o autor também era conhecido, receberia o Prêmio Nobel de Literatura. O escritor ambientou a longa narrativa em uma cidade inventada, Macondo, habitada pela família Buendía durante várias  gerações. “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer a fábrica de gelo.” Esta frase deflagra o  romance que apresenta, entre outras características, uma população que perde a memória, sejam mulheres que se trancam por décadas dentro de casas ou homens que arrastam atrás de si um cortejo de borboletas  marelas. A obra de ficção mostrou ao mundo o que foi ou pode ter sido a realidade dos caribenhos a partir da sensibilidade, do atento olhar e da linguagem única de Gabriel García Marquéz (1927-2014).


Alvo noturno, de Ricardo Piglia
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O professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Claudio Cruz destaca o argentino Ricardo Piglia, nascido em 1941, como um dos nomes mais importantes  do pós-boom latino-americano. “No âmbito da  literatura argentina, ele enfrentou o fenômeno que o antecedeu no campo cultural e literário de um modo, me parece, mais correto, ou seja, olhando nos olhos da Górgona, para usarmos uma expressão da mitologia que  raduz bem o que estamos tratando. Como um escritor  argentino, a Górgona — para ele — se chamava Jorge Luis Borges. Piglia refletiu e escreveu muito sobre o autor de Ficções e, do meu ponto de vista, saiu-se bem, até  onde se pode sair bem desse tipo de enfrentamento”, diz Cruz. Em meio a uma produção consistente, Piglia publicou em 2010 Alvo noturno, romance ambientado numa região do pampa argentino durante a ditadura militar  a década de 1970 — e o escritor consegue, por meio da ficção, e de uma habilidade narrativa ímpar,  jogar luzes sobre um dos grandes dramas argentinos.

Pedro Páramo, de Juan Rulfo

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“Vim a Comala porque me disseram que aqui vivia meu pai, um tal de Pedro Páramo.” O começo de Pedro Páramo, romance publicado em 1955 por Juan Rulfo, é um dos mais marcantes da literatura universal,   xatamente por levar o leitor, já no início do livro, ao ponto central da obra. O narrador, Juan Preciado, filho de Pedro Páramo, viaja para uma região distante de onde vive em busca do pai. Na jornada, encontra fantasmas,  os quais revelam atrocidades praticadas pelo personagem que dá o nome ao romance. Se o enredo já sugere, os estudiosos confirmam: Rulfo, com esta narrativa, antecipou o chamado boom da literatura latino- mericana. Sem Pedro Páramo, afirmam especialistas, não existiriam Cem anos de solidão (1967), de Gabriel García Marquéz, nem a ficção de Mario Vargas Llosa e tudo aquilo que posteriormente  formou o realismo  mágico da literatura hispano-americana. O mais surpreendente do livro é se dar conta de que Juan Preciado não conversa com o leitor, e sim com a sua mãe: mais que isso, ambos, narrador e mãe, estão mortos.


A vida breve, de Juan Carlos Onetti
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O escritor uruguaio Juan Carlos Onetti (1909-1994) afirmou: “Escrever é ser como Deus”. Guardadas todas as proporções, ele também criou um mundo, no caso, um  universo literário: a imaginária cidade de Santa  María. Nesta urbe onettiana se passa A vida breve, romance publicado em 1950, um dos marcos da ficção hispano- -americana, inspiração direta e indireta para autores como Julio Cortázar e Mario Vargas Llosa. Em A  ida breve, a esposa do publicitário Juan María Brausen está se recuperando de uma cirurgia, os seus seios foram extraídos, ao mesmo tempo em que, no apartamento ao lado, outra personagem desfruta de tudo o que  exo pode proporcionar. Esta não é apenas a única contradição que a narrativa apresenta: Brausen, publicitário não muito bem-sucedido, pode perder o emprego e, então, decide escrever o roteiro para um filme. Solidão,  falta de perspectivas e fracasso iminente, entre outros impasses, estão na atmosfera desta obra, escrita com perícia incontestável. Onetti foi um dos primeiros escritores latino-americanos a receber atenção da crítica  nos Estados Unidos e na Europa. Conquistou o Prêmio Nacional de Literatura do Uruguai, o Prêmio Cervantes e uma indicação para o Nobel.


Ficções, de Jorge Luis Borges

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Um dos monstros da literatura universal de todos os tempos é o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). Ele antecipou o boom da literatura hispano-americana, já era conhecido antes da visibilidade de Gabriel García  Marquéz, Mario Vargas Llosa e companhia, mas após o boom, o legado de Borges se espalhou e se consolidou ainda mais. Ensaísta, poeta e, principalmente, contista, o gigante argentino está a cada dia mais  onipresente no universo das letras. A literatura do catalão Enrique Vila-Matas, festejado autor contemporâneo, dialoga com a herança borgiana. Ficções, publicado em 1944, é um dos modelos exemplares do que Borges  produziu e também se revela como uma matéria-prima na qual Vila-Mata se alimenta. Nesta narrativas, há muitos jogos. Os enredos fazem referência a outras obras literárias, proporcionando uma espécie de jogo para o  leitor: cada conto de Borges não se encerra com o ponto final — os textos remetem a outros textos e a outros autores, continuamente. Alguns dos mais conhecidos contos do autor estão nesta seleta: “Pierre Menard,  autor do Quixote”, “A biblioteca de Babel” e “As ruínas circulares”.


A festa do Bode, de Mario Vargas Llosa
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O turista que vai a Punta Cana, na República Dominicana, mesmo com excessos dos resorts, tende a desconfiar do abismo social que separa os poucos ricos dos muitos pobres daquele aparente paraíso de férias. Lá, de fato, tudo é imensamente desigual. E o início dessa aberração foi a “gestão” de Rafael Trujillo (1891-1961) que, com o suporte do governo norte-americano, tomou o controle do país de 1930 até 1961. Trujillo acumulou fortuna, enquanto, no período, a maior parte da população não teve outra alternativa senão viver na miséria. O escritor peruano Mario Vargas Llosa, nascido em 1931, recria por meio da ficção os tempos de Trujillo, conhecido como Bode, no romance A festa do Bode. O texto é fluente e forte, como toda a vasta obra do autor que, em 2010, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Llosa gosta, e entende, de política. Em 1990, disputou e perdeu a presidência do Peru, para Alberto Fujimori. Atualmente, é possível ler artigos que o escritor escreve, a cada 20 dias, no jornal O Estado de S.Paulo.


O reino deste mundo, de Alejo Carpentier

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O cubano Alejo Carpentier (1904-1980) estudou arquitetura, atuou como músico e se dedicou ao jornalismo. Viveu na França, país de origem de seu pai, na Venezuela e em Cuba. Mas, acima de tudo, foi, e ainda é, um dos grandes nomes da ficção hispano-americana. Um de seus romances mais importantes começou a ser elaborado durante uma viagem ao Haiti, na década de 1940. No prefácio do livro, o autor comenta que, ao visitar o, até então para ele, desconhecido país, teve acesso ao que chamou de “maravilhoso”: “o maravilhoso resulta apenas num guarda-chuva, numa lagosta, numa máquina de costura, ou o que seja, sobre uma mesa de dissecação, no interior de um quarto triste ou num deserto de pedras”. O maravilhoso, uma realidade a respeito do qual ainda pouco havia sido escrita, era — de acordo com Carpentier — o grande patrimônio da América Latina. Ele, então, transformou a experiência que viveu no Haiti, incluindo fatos da história e da política do país, em uma longa narrativa, O reino deste mundo — romance publicado em 1948, no México,  fundamental para entender o boom.


Todas as famílias felizes, de Carlos Fuentes
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O título faz alusão a uma conhecida frase, de Tosltoi, do romance Anna Karenina: “Todas as famílias felizes se parecem; as infelizes o são à sua maneira.” Inclusive, a máxima é mencionada no começo do livro, que reúne 16 contos ambientados na Cidade do México, durante o século XX. Carlos Fuentes (1928-2012) se vale da ficção para apresentar diferentes famílias que enfrentam as engrenagens da máquina do mundo. Muda o endereço, mas os impasses não cessam: o filho do presidente se rebela contra o pai, uma mulher aceita sem reclamar o tratamento cruel do marido, um padre esconde a filha em uma aldeia etc. E, entre um conto e outro, o autor inseriu coros, por meio dos quais recria a oralidade das ruas. No “Coro das mães de ruas”, como o título sugere, o lado adverso do mundo cão é entoado: “Esquisita pariu na rua/ Metade das meninas da rua estão grávidas/ Elas têm entre doze e quinze anos/ Seus bebês têm entre zero e seis anos/ Muitas têm sorte e abortam porque levam tanta porrada/ Que o feto sai berrando de medo.”


As armas secretas, de Julio Cortázar

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Não se pode falar em boom da literatura hispano-americano sem mencionar o nome e a obra de Julio Cortázar (1914-1984). Filho de pais argentinos, nasceu na Bélgica, cresceu na Argentina e viveu por anos em Paris, até os seus últimos dias. Deixou um vasto legado, no qual se destaca O jogo da amarelinha (Rayuela), de 1963, romance experimental que permite uma série de leituras, do início diretamente ao fim e também a partir de uma sequência orientada pelo autor. Cortázar também se dedicou ao conto e, nesse gênero, também realizou obras notáveis. As armas secretas, publicado em 1959, reúne 5 contos, entre os quais “As babas do diabo”, que inspirou Michelangelo Antonioni a filmar Blow-up (1966), um marco da história do cinema. Os contos de Cortázar mostram o quanto há de fantástico, talvez até de absurdo, no cotidiano aparentemente banal. Davi Arrigucci Jr definiu a estratégia de escrita do autor: “A prosa, armada com ambígua naturalidade, traz a marca inconfundível do escritor consciente e senhor do ofício, artista moderno que inclui sempre no que faz a consciência crítica.”

Boquinhas pintadas, de Manuel Puig
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Um autor que se destacou em meio a tantos nomes de qualidade na literatura hispano-americana foi Manuel Puig (1932-1990). Fascinado pelo cinema desde criança, na década de 1980 o autor passou uma temporada no Rio de Janeiro com a finalidade de adaptar o romance O beijo da mulher-aranha (1976) para o cinema. Longa-metragem lançado em 1985 com direção de Héctor Babenco, a adaptação proporcionou visibilidade em âmbito mundial para a ficção do prosador argentino. Se no romance de estreia, A traição de Rita Hayworth (1968), Puig tratou de sonhos e frustrações de uma pequena cidade do interior por meio de uma narrativa linear, em Boquinhas pintadas, de 1969, o escritor também problematizou os dramas de quem vive em um povoado, mas por meio de uma narrativa fragmentada simulando um folhetim, incluindo relatos, páginas de diário, trechos de cartas — com diferentes narradores e variados focos narrativos. A tradução de Boquinhas pintadas para o português é de Joel Silveira e o trabalho foi elogiado pelo autor: “Esplêndido trabalho. O importante é que o estilo e os tons estão admiravelmente conservados.”