Entrevista | Sônia Barros

“Meu compromisso é com a minha poesia”

Mais conhecida pela sua produção infantojuvenil, Sônia Barros conquistou o Prêmio Paraná de Literatura 2014 na categoria Poesia com Fios, livro que, poeticamente, trata da infância, da velhice, da maternidade, do amor, da memória, da solidão, da morte e da própria poesia


Sônia Barros venceu o Prêmio Paraná de Literatura 2014 na categoria Poesia com o livro Fios, título sugerido por um amigo fundamental no percurso da poeta. “O título acabou se impondo a partir da percepção de que havia vários fios, elos, caminhos percorrendo o livro todo. Quem me mostrou isso foi o poeta Donizete Galvão (1955-2014), com quem eu conversava muito sobre poesia e a quem o livro é dedicado. E também foi o Doni quem sugeriu que eu inscrevesse o original em concursos antes de apresentá-lo a alguma editora. Infelizmente, ele faleceu em janeiro de 2014, e não viu o livro ser premiado”, afirma Sônia, que diz ter elaborado os poemas de Fios durante seis anos, de 2008 a 2014.Nesta entrevista ao Cândido, a autora fala de sua trajetória, que inclui 17 títulos infantojuvenis, dez são de poesia ou prosa poética, além de mencionar suas influências literárias, o convívio com o poeta Donizete Galvão, para quem ela dedica o último poema de Fios. Sônia também conta o que representou, para ela, ter vencido o Prêmio Paraná de Literatura 2014 na categoria Poesia. “Claro que ter vencido esse prêmio, que é um dos mais importantes do país para livro inédito, faz com que a minha produção para o público adulto tenha maior visibilidade. Outro motivo que me dá muita alegria e estímulo é saber que o meu livro foi escolhido entre 269 concorrentes por um júri de altíssimo nível. Aliás, vencer o Prêmio Paraná de Literatura foi (e está sendo) uma das maiores emoções da minha vida.”

Ao ler seu livro, e levando em consideração o título da obra, uma conclusão possível é que os poemas representam os fios que costuram os sentimentos da poeta. Há lógica nessa definição?

Os poemas retratam fios aparentemente distintos, mas, de certa forma, entrelaçados: do ofício, da infância, da velhice, da maternidade, do amor, da memória, da solidão, da morte, da própria poesia, da arte... enfim, os caminhos internos e externos da existência humana. Embora retratados pelo meu olhar, pelo meu modo de sentir, em alguns poemas optei pela alteridade, ou seja, por dar lugar à voz do outro, procurandoa despersonalização. O título acabou se impondo a partir da percepção de que havia vários fios, elos, caminhos percorrendo o livro todo. Quem me mostrou isso foi o poeta Donizete Galvão (1955- 2014), com quem eu conversava muito sobre poesia e a quem o livro é dedicado. E também foi o Doni quem sugeriu que eu inscrevesse o original em concursos antes de apresentá-lo a alguma editora. Infelizmente, ele faleceu em janeiro de 2014, e não viu o livro ser premiado.
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Apesar de serem bastante distintos e tratarem de muitos temas (como a passagem do tempo em “Resgate” e a metapoesia em “Vertente”), os poemas dão ao livro grande unidade. Como se deu a sua edição dos poemas selecionados?
O livro teve inúmeras versões ao longo desses seis anos (de 2008 a 2014). Buscando, justamente, uma unidade, fui excluindo poemas, resgatando e reescrevendo outros que estavam de fora, fazendo várias combinações. E, acima de tudo, fui convivendo com eles. Até sentir que os traços de cada poema-retrato iam compondo um quadro maior. A segunda parte, por exemplo, da arte, veio um pouco depois, quase no fim desse período. A partir do poema “Por um fio”, sobre um filme de Bresson, nasceram os demais. Quem me deu essa ideia foi o poeta Armando Freitas Filho, com quem tenho o privilégio de me corresponder há alguns anos. Há no livro, inclusive, um poema dedicado a ele, em que falo de sua importância no meu caminho, na minha poesia. Ao ler o poema sobre Bresson, Armando me disse que este poderia irradiar, provocar outros afins. Foi aí que, pouco a pouco, foram nascendo os demais poemas que dialogam com o cinema, com as artes plásticas, com a música, e também com a poesia.

Você dedica o livro a Donizete Galvão. Qual foi a participação dele neste trabalho?
Desde a primeira vez que entrei em contato com o Donizete, em 2001, ele mostrou uma generosa disposição para ler minha poesia. Apesar do estímulo que recebi, após as primeiras leituras que o Doni fez de alguns dos meus poemas, nunca irei me esquecer de suas palavras: “sem dúvida, Sônia, você é poeta e tem o que dizer”. Mas eu ainda não sabia muito bem como dizer. Ou seja, precisava encontrar minha própria voz, me desvencilhar dos excessos, do que não era eu, e também talvez do que fosse “eu” demais, evitando me tornar uma “diluidora”, segundo a controvertida classificação de Ezra Pound. Aliás, o Doni me passou uma lista de livros como sugestão de leituras e, entre eles, estava o ABC da literatura, de Pound. A partir desse diálogo, que se tornou frequente, e muitas leituras, fui escrevendo os poemas do que viria a ser o meu primeiro livro, mezzo voo, selecionado em 2007 pela Secretaria do Estado de São Paulo, através do Programa de Ação Cultural (PAC) e publicado pela Nankin Editorial, com apresentação do Donizete. Depois disso, me senti estimulada a continuar buscando a minha voz, a “inteireza do voo”. Assim, nos anos seguintes, de 2008 a 2014, fui tecendo Fios. Pude contar com a leitura esporádica de outros poetas, escritores, o que também me ajudou bastante, mas o Doni era o único que lia tudo e com frequência, sempre fazendo comentários. Após sua morte, repentina, que me abalou profundamente, escrevi o único poema que ele não leu, e que fecha o livro, cujo título é o seu nome.

Sua produção voltada ao público infantojuvenil é bastante conhecida. Qual o peso que a poesia passa a ter em sua rotina a partir deste prêmio?
Dos meus 17 títulos infantojuvenis, dez são de poesia ou prosa poética. Ou seja, já me dedico com muita seriedade a esse gênero, que, ao longo desses 17 anos de carreira, me deu muitos leitores e um crescente reconhecimento. Coisa boa, por exemplo, me proporcionou uma grande alegria, que foi um cartão manuscrito do escritor Bartolomeu Campos de Queirós, morto em 2012, que guardo com o maior carinho, dizendo: “Coisa boa é um livro de poemas feito para criança, mas capaz de embalar coração de adulto. Coisa boa é um livro que vai enriquecer a literatura infantil do país, pela qualidade do texto e beleza gráfica”. O gato que comia couve- -flor, poema narrativo, mereceu a apresentação da querida Fanny Abramovich na quarta-capa, e entrou no Manual dosmelhores livros para bebês, da escritora Alessandra Roscoe, fundadora da “Uni duni Ler Todas as Letras”, ONG não governamental, com sede em Brasília. Claro que ter vencido esse prêmio, que é um dos mais importantes do país para livro inédito, faz com que a minha produção para o público adulto tenha maior visibilidade. Outro motivo que me dá muita alegria e estímulo é saber que o meu livro foi escolhido entre 269 concorrentes por um júri de altíssimo nível. Aliás, vencer o Prêmio Paraná de Literatura foi (e está sendo) uma das maiores emoções da minha vida.

Em Fios, é possível perceber uma inclinação a uma poesia mais narrativa e tradicional. Também não se encontram referências à cultura de massa, por exemplo. Como você se situa dentro do cenário da literatura nacional?
Acredito que essa inclinação de minha poesia à narrativa seja um recurso espontâneo, devido, talvez, ao meu grande interesse pelas experiências humanas, pelo registro de momentos, por vezes especiais, reveladores. Quanto à cultura de massa, como tema, acho que já tem sido muito abordado por outros poetas. Não tenho nada contra quem se refere a esse assunto, mas prefiro seguir meu próprio caminho e preferências. Além disso, como pessoa, não me sinto muito presa aos espetáculos da cultura de massa. Também não me preocupo em me situar no cenário da literatura nacional, aliás, nunca pensei nisso. Procuro não seguir tendências que, num determinado tempo, sobressaem, mas não necessariamente permanecem. E não tenho a pretensão de ser aceita neste ou naquele grupo. Se, por um lado, essa solidão gera alguma angústia, existe a compensação de uma certa independência e maior liberdade. Meu compromisso é com a escrita, com a minha poesia.