Entrevista: Oscar Nakasato

“Quis entender a imigração japonesa no Brasil”

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Oscar Nakasato fala da concepção de seu livro de estreia, que ganhou dois grandes prêmios literários


A partir de uma pesquisa acadêmica, o escritor Oscar Nakasato constatou que a incidência de personagens de origem nipônica na literatura brasileira é parca, mesmo estando no Brasil uma das maiores colônias nipônicas do mundo. Tal contatação, aliada à origem do escritor e seu conhecimento literário, deu a Nakasato os subsídios para produzir o romance Nihonjin, que também figura em outro nicho pouco explorado pela literatura nacional: as correntes migratórias do começo do século XX no Brasil. A estreia tardia, aos 48 anos, foi recompensadora. Em 2011 Nihonjin foi publicado pela editora Saraiva após ter superado quase dois mil originais inscritos no Prêmio Benvirá de Literatura. No último mês de outubro, novo êxito: Nihojin ganhou o Prêmio Jabuti de melhor romance, deixando para traz títulos de autores consagrados, como Ana Maria Machado e Wilson Bueno. A consagração, no entanto, foi ofuscada pela polêmica que envolveu a premiação. Um dos jurados deu notas muito baixas a outros romances, o que fez com que Nakasato, com notas altas, ganhasse o prêmio.
O maringaense Oscar Nakasato,
vencedor do Prêmio Jabuti com o romance Nihonjin.

A confusão acabou prejudicando a avaliação, por parte da imprensa, a respeito das qualidades literárias do romance do escritor paranaense, que nesta entrevista deixa de lado a polêmica e fala apenas de sua literatura.


Ao longo de Nihonjin, um dos personagens enfrenta um conflito existencial: é filho de japoneses, mas sente-se brasileiro. Esse é ou foi um sentimento comum aos imigrantes japoneses que se estabeleceram no Norte do Paraná?
Muitos filhos de japoneses do Norte do Paraná ou de outras regiões do Brasil se adaptaram ao “modo brasileiro de ser”, às vezes como uma forma de enfrentar as dificuldades de ser “diferente”, outras como um modo de rebeldia contra o nacionalismo dos pais imigrantes. Haruo, o nissei de Nihonjin, é um pouco esse jovem rebelde. Quando amadurece, diz ter orgulho de ser filho de japoneses e seu espírito irrequieto sossega, acostumando-se e à quietude de uma chácara. Creio que a maior parte dos descendentes — pelo menos até a segunda geração — sente-se dividida, e essa dualidade é o que define melhor a sua composição. Para alguns, essa dualidade se configura como um conflito, para outros como um privilégio. O termo “nipo-brasileiro” define bem esse sujeito que incorpora a cultura ocidental, mas preserva, ao mesmo tempo, os laços que o mantém ligado à cultura japonesa. Assim, ele gosta de frequentar a churrascaria, mas não dispensa o sushi e o sashimi. No Carnaval, brinca ao som das marchinhas e do axé, mas acompanhado de amigos nipo-brasileiros, num clube da “colônia”. E segue dedicado à família, ao trabalho e à educação, tripé que o constituiu enquanto descendente de imigrantes japoneses.

A literatura brasileira contemporânea tem sido pródiga em romances urbanos escritos em primeira pessoa. Seu livro é narrado por um personagem “de fora” da história, neto do personagem central, e se situa no campo. Como chegou a essa estrutura?
Quando comecei a escrever Nihonjin, sabia que queria contar a história de um imigrante e seus descendentes, mas sob o ponto de vista de um narrador contemporâneo, portanto, não poderia ser Hideo Inabata, o protagonista do romance. A ideia do neto como narrador me veio imediatamente, pois ele teria uma ligação afetiva com os personagens, o que impediria uma neutralidade e, ao mesmo tempo, faria com que tivesse que se desdobrar para encontrar os elementos da história que queria contar. Eu desejava esse narrador complexo, que busca nas memórias do avô e do tio, nem sempre confiáveis, e nos livros de História os elementos para construir os personagens e os episódios, os quais são amarrados, também, com a sua capacidade de inventar. A história que se conta, portanto, não é exatamente a história vivida.

Um conflito parecido, de nacionalismo exacerbado, é mostrado no livro Corações sujos, do jornalista Fernando Morais. Esse livro lhe foi útil de alguma maneira?
O livro de Fernando Morais foi essencial para eu escrever o capítulo sobre o pós-guerra, quando pai e filho entram em conflito por pertencerem a grupos diferentes. Hideo Inabata, o pai, é incapaz de acreditar que o Japão foi derrotado na Segunda Guerra Mundial, enquanto o filho, Haruo, aceita o fato como algo natural. O livro Corações sujos me ajudou a conhecer os detalhes do conflito e mesmo o vocabulário pertinente a esse episódio.

O senhor desenvolveu um trabalho acadêmico sobre personagens nipo-brasileiros na ficção. Encontrou bastante material?
Encontrei pouquíssimos personagens em pouco mais de uma dezena de obras. O primeiro foi Tanaka, o mordomo de Amar verbo intransitivo, de Mário de Andrade. Esse personagem, embora secundário, é bastante emblemático na discussão que o romance faz da figura do estrangeiro. Tanaka, como a protagonista alemã Fräulein, é um estrangeiro solitário, rejeitado pelo narrador nacionalista, que o vê como um invasor. Personagens com essa característica se apresentam, também, em Marco zero I: a revolução melancólica e Marco zero II: chão, de Oswald de Andrade. Nesses romances, Oswald de Andrade lança um olhar hostil contra o japonês, que é retratado como ser arrivista, dissimulado e fanático na defesa do imperador. São personagens rasos, vistos por um narrador incapaz de compreender a realidade complexa em que vivem. Personagens mais “verdadeiros” surgem com Laura Honda-Hassegawa e Ana Suzuki, em romances que revelam o conflito do nipo-brasileiro, dividido entre as influências de dois países muito distintos.

E de que forma a pesquisa lhe ajudou na escrita do romance? Teve receio que o trabalho acadêmico reverberasse na linguagem do romance?
Na minha pesquisa acadêmica, antes de estudar os personagens da ficção, quis entender a imigração japonesa no Brasil e o processo de aculturação dos japoneses e seus descendentes, então pesquisei livros de antropologia e de sociologia, principalmente. Essa pesquisa, sim, me ajudou muito a compor os personagens e os episódios de Nihonjin. Quanto ao estilo, em nenhum momento tive receio de escrever um romance contaminado pela linguagem acadêmica, pois o texto literário faz parte da minha vida com maior intensidade e há ma
livro
is tempo que o texto acadêmico.

Aliás, o romance traz uma prosa bastante contida e, de certa forma, tradicional em termos de linguagem. A “forma” do romance foi uma preocupação para o senhor?
São poucos os que conseguem inovar na linguagem, como fez Guimarães Rosa, por exemplo. Procurei uma linguagem que não afastasse o leitor comum, mas, ao mesmo tempo, não entediasse o leitor mais exigente.

Há poucos romances tratando das correntes migratórias do Brasil no século XX. Mas alguns deles foram feitos por escritores do Sul, como Um amor anarquista, do Miguel Sanches Neto, Terra vermelha, do Domingos Pellegrini, e, de um modo geral, a obra toda de Assis Brasil. O senhor leu algumas dessas obras?
Ano passado, quando ganhei o Prêmio Benvirá de Literatura, o Pellegrini gentilmente me enviou alguns de seus livros autografados, entre eles Terra vermelha, que eu li com sofreguidão. Não li as obras de Assis Brasil nem de Miguel Sanches Neto, embora ouça falar muito deles. Deveria ser natural que o Brasil, um país ainda jovem, formado por tantas etnias, produzisse com maior abundância uma literatura com foco na questão da alteridade.

Antes de Nihonjin, o senhor ganhou alguns concursos de contos. Tem alguma compilação pronta, gostaria de se tornar, também, um contista?
Tenho três contos publicados em função de premiação em concursos literários e mais meia dúzia engavetados, esperando reescrita. Gosto de contos porque neles se exercita a concisão. Muitas vezes falamos demais e também escrevemos demais.

Depois de ter vencido dois prêmios bastante concorridos com seu livro de estreia, o Benvirá e o Jabuti, que direcionamento o senhor pretende dar à sua carreira? Já tem propostas ou outros projetos em vista?
Eu gosto muito da docência e não pretendo deixar de ser professor. Procurarei escrever durante o tempo que me sobrar entre as aulas e as minhas atribuições como esposo e pai de dois filhos. Estou escrevendo um novo romance, mas sem pressa.

O senhor tem o título de doutor em Literatura Brasileira. Acompanha o cenário literário contemporâneo?
Acompanho pouco. Mas quem compõe o cenário literário contemporâneo? Há algumas décadas era fácil responder a essa pergunta, mas atualmente há muitos escritores e não se consegue dar conta de ler todos. Milton Hatoum, Cristovão Tezza, Luiz Rufatto e alguns outros, poucos, fazem parte do “meu” cenário.

Quem são os autores fundamentais para o senhor? Consegue perceber a marca de algum autor em sua ficção?
Não há novidade quando se trata de autores fundamentais. Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, José Saramago, são esses os autores que não podemos deixar de ler e reler. Quanto a influências, não consigo perceber uma marcante. É o conjunto que me influencia.