Entrevista: Ana Paula Maia

“A literatura é um encontro muito particular”


Em um papo sobre bibliotecas e leitura, Ana Paula Maia fala sobre sua difícil relação com a literatura na adolescência e as influências seminais que ainda permeiam sua obra

Guilherme Magalhães

ana paula

Por pelo menos cinco anos, durante sua adolescência, a escritora carioca Ana Paula Maia ficou completamente afastada do mundo da literatura. Segundo ela, não houve livro que pudesse contra a efervescência dos hormônios da juventude e sua banda de punk rock. Mas, paradoxalmente, foi o universo adolescente que, segundo a autora, é “mediano” e chato, que acabou por empurrá-la novamente para os livros. “Chegou uma hora que aquele plano adolescente não cabia mais, estava faltando algo. Esse algo eu encontrei nos livros, porque eu estava sedenta”, conta a autora.

Filha de professora, Ana Paula teve uma infância relativamente próxima dos livros em sua casa. A escola, porém, não ajudou na construção de um hábito literário, tão caro à autora nos dias de hoje. “Na escola eu não gostava de ler, lia por obrigação”, lembra. A escritora carioca não tem uma reposta para a já desgastada pergunta sobre como atrair o jovem para a leitura, porém, sabe que a iniciativa precisa partir de dentro pra fora, e não o contrário. “A literatura é um encontro muito particular. É difícil falar para um jovem que é importante ler o livro tal se ele não tem dentro dele uma necessidade de buscar algo a mais.”

Como foi o seu primeiro contato com os livros? Como a biblioteca surgiu na vida da futura escritora Ana Paula Maia?
Quando eu tinha sete, oito anos, minha mãe me dava muitos livros de histórias infantis. Não muitos, mas ela comprava algumas coleções. Por ser professora, tinha muitos livros na faixa etária de quinta, sexta série. Na minha infância, não lia Monteiro Lobato, mas sim Branca de Neve, essas histórias de princesas que acompanhavam uns disquinhos de música. Porque eu gostava muito mais de ouvir e ver as figuras do que de ler. Relia muito, e como são livros pequenos, você lê rapidamente. Então meu contato com a literatura se deu mais na infância, até os doze, treze anos. Na adolescência não tive mais contato com livro nenhum. Não dava: hormônio adolescente não deixa você parar pra ler nada. Foi só a partir dos 18 anos que eu voltei a ler, aí com uma grande intensidade. Mas na escola eu não gostava de ler, lia por obrigação.

Hoje em dia se discute muito como atrair os jovens para a leitura. Você conta que na sua infância, o visual, as figuras, foram muito importantes, faziam parte daquela atração literária que vai além do texto escrito. E você se relaciona muito bem com a internet, tem um blog, posta vídeos no Facebook regularmente. Com os hormônios distraindo nossos adolescentes, como você colocou, pode-se dizer que essas multilinguagens são um caminho para atrair o adolescente? No seu caso, por exemplo, teria funcionado?

Não sei, porque acho que a literatura é um encontro muito particular. É difícil falar para um jovem que é importante ler o livro tal se ele não tem dentro dele uma necessidade de buscar algo a mais. Eu comecei a me tornar uma leitora aos 18 anos porque sentia necessidade de alguma coisa que preenchesse minha vida. Aquele plano mediano da vida cotidiana não me dava o que eu precisava. Os meus amigos não me davam, as músicas que eu ouvia também não davam. Eu tinha uma banda de punk rock na adolescência, mas aos 18 anos eu a larguei. Chegou uma hora que aquele plano adolescente não cabia mais, estava faltando algo. Esse algo eu encontrei nos livros, porque eu estava sedenta. Lembro que comecei lendo filosofia, porque gostava muito de tese, ensaio. Só fui chegar aos romances, na ficção, na prosa, uns três anos depois. Era uma busca muito particular. Então, como atrair o jovem pra leitura? Nunca gostei de nada focado no universo adolescente, porque já estava entediadíssima com aquele universo. A última coisa que eu queria na minha vida era o universo adolescente, porque eu já vivia nele e já estava entediada com ele. Mas de que tipo de jovem a gente está falando? A maioria vai ser sempre mediana, desinteressada em ler ou preso à uma literatura muito mediana. Acho que existem saltos e epifanias na vida de determinadas pessoas, que as levam a se interessar por certas manifestações artísticas. Porque não é só o texto literário, é todo esse entorno de cinema, teatro, arte. O que atrai o olhar dele, o que ele escuta, o que ele assiste. A literatura é mais um elemento agregado aos valores pessoais dessa pessoa, seja jovem ou não.

E alguma outra dessas manifestações artísticas te fisgaram?
Eu já acompanhava os clássicos do cinema, e assistia ao bom cinema. Era evidente que eu não ia sair desse grande cinema para cair numa literatura medíocre depois, seria desequilibrado. Fui ler os grandes autores, os clássicos, durante um bom tempo. Aquilo me alimentava e falava comigo. Acho que construir isso no jovem é muito difícil. Existem epifanias pelo caminho que acontecem com um ou outro, não vai acontecer com todos. Mas é interessante dar um subsídio para a leitura, através da internet, das bibliotecas. Acho que querer da massa mais do que isso, você não consegue. Você consegue levar os jovens a se interessar um pouco mais e a serem um pouco menos medianos. Isso vai partir também de dentro dele.

O escritor está fadado a buscar nas suas leituras o alimento para produzir sua própria literatura? As leituras que você faz estão em sintonia com o seu estilo de escrita?
Não necessariamente. Geralmente, quando estou escrevendo um livro, leio algo bem diferente. Um autor que eu gosto muito é o John Fante. Eu não tenho absolutamente nada a ver com a literatura dele e, no entanto, é um autor que gosto muito de ler. Coisas diferentes do que eu estou escrevendo me equilibram. Se eu tiver que ler algum autor para levar pra minha literatura, leio primeiro, dou um tempo, e daí vou escrever. Começo a ler paralelamente algum livro que não tenha nada a ver. Porque é muito fácil você começar e, dali a pouco, querer tentar fazer igual ao outro. Somos muito influenciáveis. Tenho medo disso, então procuro me libertar dos livros que leio. Se eu acho que ele falou muito comigo, me distancio, não pego nele por um bom tempo, vou ler outra coisa.

Você também é fã do J.D. Salinger. É possível dizer que o escritor americano fez essa ponte da Ana Paula Maia leitora para a Ana Paula Maia autora?
Acho que sim, me ajudou muito porque trouxe muita coisa da minha própria adolescência. Então tinha alguma coisa não só minha, mas das vivências, das lembranças que eu tinha de pessoas que me cercavam, trouxe essa experiência da leitura. Aquilo abriu a minha cabeça pra escrever e o meu primeiro livro fluiu muito rápido, escrevi em dois meses e meio, que era o tempo que eu tinha de férias na faculdade. Mas, apesar de eu sentir que passei pro outro lado do balcão, quando você lança o primeiro livro não tem a menor ideia do que vai acontecer, nem se você vai conseguir escrever outro ou se aquilo ali é só uma besteira. Você não sabe no que vai dar. Mas você escreve e sente pelo menos um conforto, um alívio.

Outra questão pontual em sua literatura é em relação à voz masculina, presente em seu último livro, Carvão animal. De que forma você trabalha isso, sendo mulher e se utilizando de um narrador masculino?
Eu não sei se é pelas minhas referências de leitura, o mundo é muito construído pelos homens. Você tem as artes mesmo sendo produzidas pelos homens. Certamente só isso não faz efeito, porque quantas autoras consumiram literatura, cinema e teatro produzidos por homens e não absorveram da mesma forma? Então é aquilo que eu falo, algo muito particular em mim, que tem essa empatia e gosta desse universo, e que tem um interesse de escrever sobre o universo feminino, mas não numa condição feminina, mas sim numa condição masculina. Como seria estar ali? Isso pra mim flui com muita facilidade, tenho uma dificuldade imensa em escrever na primeira pessoa feminina, ou realmente, até de sentar pra escrever sobre o universo feminino. Essas particularidades femininas, pra mim, são coisas complicadas.