Ensaio | Ademir Demarchi

A poesia que se vive

Ademir Demarchi, organizador da antologia 101 poetas paranaenses, traça um panorama da poética no Estado ao longo de 160 anos e explica como se deu o trabalho de seleção de poemas e poetas presentes no livro


ademir assunção


“No correr dos anos observei que a beleza, como a felicidade, é frequente. Não passa um dia em que não estejamos, por um instante, no paraíso. Não há poeta, por medíocre que seja, que não tenha escrito o melhor verso da literatura, mas também os mais infelizes. A beleza não é privilégio de uns quantos nomes ilustres. Seria muito raro que este livro, que abarca umas quarenta composições, não entesourasse uma só linha secreta, digna de acompanhar-te até o fim”.

A epígrafe acima, de Jorge Luis Borges, ainda no gosto dos anos 1980 em que muitos nos formamos, na tradução do Pepe Escobar que líamos no famoso “Caderno 2” do Estadão, é muito apropriada para pensar o que seja uma antologia como esta, que foca o extenso período de aproximadamente um século e meio, tendo como marco inicial a data de emancipação do Estado, em 1853, chegando até os nossos dias e englobando 101 poetas, boa parte tão distintos quanto irregulares em sua produção poética. Ela responde à elogiável iniciativa da Biblioteca Pública do Paraná de publicar antologias da literatura do Estado, como forma de ampliar seu conhecimento e circulação, estimular a reflexão e fornecer conteúdo aos estudantes, mas também aos escritores em atuação e aos novos escritores, na medida em que cartografias assim possibilitam reconfigurações dos mapas conhecidos, através da leitura crítica que se possa fazer.

Em vez de uma antologia que se baseasse apenas em alguns poucos autores tidos como fundacionais, por isso já instituídos nas leituras de críticos e nas republicações de suas obras, preferiu-se uma forma mais ampla, “rizomática”, de lidar com o cenário, encarando-se o risco da pesquisa extensa que levou ao significativo número de 101 poetas. Muitos dos que já morreram ou desistiram da poesia não chegaram a realizar uma obra que por si tenha sido significativa, por isso o desafio de historicização se impôs, levando a considerar-se o papel histórico e social de cada um, expresso também nos textos publicados, dos quais se selecionou algo que possa interessar ao leitor contemporâneo, ao mesmo tempo em que ilustre o tempo vivido pelo autor e sua poética, sempre na expectativa de que cada um deles tenha alcançado uma resolução estética eficiente.

Em antologias que se andam publicando no país tem sido comum a tentação do julgamento estético, sujeitando- as a uma cegueira em relação à complexidade do campo. A motivação de evitar julgamentos estéticos e não fazer escolhas de apenas alguns numa antologia como esta, localizada, se justifica ainda mais quando se considera e se concorda com a constatação de Leminski de que a literatura do Estado é recente e que esta antologia, chegando até os nossos dias, encontra a metade dos poetas ainda em campo, com a experiência pelo meio do caminho ou no início. Assim é que se deu a escolha desse critério em aberto, que olha para as escritas poéticas como “experiências” que se realizaram nos poemas publicados, nos movimentos poéticos como fatos sociais, nas revistas, nos livros e, mais recentemente, na interatividade possibilitada pela internet, que muda radicalmente a forma como se produz a literatura.

As pequenas edições, as raríssimas reedições ou publicações de antologias que permitam conhecer os poetas e mesmo contrastá-los para o bom aprendizado da formação de novas escritas também motivam um trabalho como este, de trazer ao leitor uma representação textual amplificada da história da poesia realizada no Estado.

Optou-se por ordenar a antologia cronologicamente, a partir do ano de nascimento de cada autor, definindo-se um conjunto de páginas mais ou menos semelhante para todos, variando pouco, de acordo com o potencial encontrado em cada um. Em geral, preferiu-se que o leitor encontrasse o prazer da leitura no contraste desse babélico vozerio que se entrecruza rizomaticamente, se aproxima, se distancia, na medida em que sejam comparados uns aos outros, uma vez que “uma das características mais importantes do rizoma talvez seja a de ter sempre inúmeras entradas”, conforme as palavras de Deleuze.

Deixou-se de incluir nesta antologia vários escritores que estão a merecer uma compilação de textos para possibilitar sua circulação e avaliação de importância literária, histórica e social, que, dada a dificuldade de acesso, escassez de tempo e ao tamanho a que se chegou esta antologia, não puderam ser lidos. São os casos de poetas como Bento Cego (Antonina?, 1821?), Salvador José Correa Coelho (Lapa, 1821), Fernando Amaro (Paranaguá, 1831), Georgina Mongruel (1861, Bélgica), José Cadilhe (Antonina, 1874). Outros, ainda que incluídos, estão a merecer sair do esquecimento ou da precariedade de publicação, como João Itiberê da Cunha, que publicou numerosos poemas em francês nas revistas simbolistas Azul, Club Curitibano, O Cenáculo e Almanach Paranaense, tal como Georgina Mongruel, que precisam ser traduzidos. Essas revistas mesmas, assim como Ideia, contemporânea da Joaquim, estão necessitando de uma edição compilada ou fac-similar, tal como se fez com Joaquim e como se faz este ano com o Nicolau, reeditado pela Biblioteca Pública do Paraná, para que os leitores deste tempo reencontrem aquele tempo dessas publicações. Outra iniciativa que se tem que tomar é digitalizar todas elas para que atinjam ainda maior público leitor em todo o Estado e por todo o país e até mais, dada a importância configurada nessas publicações.

São inovações como essa que possibilitaram, por exemplo, o acesso ao banco de dissertações e teses da UFPR, onde se destaca o trabalho orientador recente de professores como Édison J. Da Costa e Rodrigo Vasconcelos Machado em relação ao estudo da poesia paranaense, antes iniciado com a professora Cassiana Lacerda, com relação ao simbolismo, ela também uma continuadora dos estudos feitos por Andrade Muricy, entre outros.

Ana guadalupe
Nesses 161 anos de emancipação do Estado podem se identificar, grosso modo, pelo menos quatro momentos intensos de vida cultural que tiveram reflexos na criação poética. O primeiro deles situa-se por volta de 1890 a 1910 aproximadamente, com o movimento simbolista e suas revistas e o Templo das Musas, com Emiliano Perneta e Dario Vellozo à frente, sendo o segundo o que tem a obra simbolista esteticamente mais bem realizada, enquanto que Perneta destaca-se pelos poemas decadentistas e lúbricos e aos quais se soma, presente nesta antologia, Silveira Neto.

No modernismo, se não fosse por Brasil Pinheiro Machado, que conseguiu a proeza de inserir-se no movimento modernista e publicar poemas na Revista de Antropofagia, nada restaria de interessante. Isso apesar de Tasso da Silveira ter tido atuação destacada, criando revistas ou participando delas ativamente, sem conseguir, porém, repercussão ou uma poética consistente, a ponto de Mário de Andrade referir-se a ele e aos seus como “um grupo de literatos no Brasil que vai passando por demais na sombra” por seus aspectos conservadores e alheios ao que mais vital o cenário cultural apresentava.

O segundo momento está nos anos 1940, quando a revista Joaquim, com Dalton Trevisan à frente, e a revista Ideia, com José Paulo Paes e outros como Armando Ribeiro Pinto, Glauco de Sá Brito e Samuel Guimarães da Costa, buscaram uma renovação de ideias contra o paranismo bairrista imperante e estagnante. Como se sabe, Dalton e Paes foram longe com suas obras, sendo Dalton um marco estético por sua ficção e Paes um exemplo por sua poesia de viés modernista/ concretista, que repercute em diálogo com obras como a de Marcelo Sandmann, mas também exemplo tradutório que se soma ao do concretismo e se propaga em Leminski, Jaques Brand e grupo OSS, com Antonio Thadeu Wojciechowski, Marcos Prado, Sérgio Viralobos, Roberto Prado e outros e chega até hoje, quando há um significativo número de poetas traduzindo textos de várias línguas e tempos, especialmente a partir de cursos da UFPR, numa experiência que terá forte impacto nas criações poéticas em curso e futuras.

Um terceiro momento situa-se dos anos 1960 a 2000. De 1960 a 1980, aproximadamente, com os influxos da contracultura e da ditadura encontramos escritores de esquerda, militantes politizados a ponto de serem presos ou exilados, como Walmor Marcellino e Manoel de Andrade, ou preocupados com novas formas estéticas, como Sossélla e Leminski. É impressionante o que fez Sossélla, exilando-se no interior do Estado e constituindo uma enorme biblioteca e uma poética do fragmento, com a edição de centenas de livros artesanais em pequenas tiragens, reproduzindo algo do modo característico da chamada Poesia Marginal com o cuidado de um artista, obra essa que está relegada, precisando circular em uma boa edição, para além das antologias limitadas já publicadas. Leminski, por sua vez, buscou diálogo com a vanguarda concretista, distanciando-se anos-luz do bairrismo, indo para o campo do experimentalismo expresso no Catatau, de 1975, que chega nos anos 1980 com o esforço de tradução de textos de várias línguas. Em meio a esse momento há também a metafísica de Foed Castro Chamma e de João Manuel Simões, que busca na agonia algum sentido. Jair Ferreira dos Santos, com um único livro, porém impactante em sua forma de ver o Estado a distância, através de descrições dos familiares, sempre tendo como fundo um país marcado pela restrição das liberdades.

Ainda dos anos 1970 para os anos 1980 poetas participantes se somam com publicações inspiradas no movimento da Poesia Marginal e do Concretismo, com destaque para o grupo que publicou a antologia Sala 17, vários deles presentes nesta antologia, como Antonio Thadeu Wojciechowski, Marcos Prado, Paulo Venturelli, Roberto Prado, mas também outros, como Domingos Pellegrini, Hamilton Faria, Reinoldo Atem, Solda, Nilson Monteiro e Nelson Capucho, que tiveram intensa participação no movimento estudantil nas universidades, em saraus, no teatro (Pellegrini) ou participação em cooperativas de escritores e jornais. Alberto Cardoso se destaca aí pela capacidade de realizar saraus e agregar escritores em múltiplas declamações, a marca da sua poética, que acabaram invariavelmente no seu famoso Bar do Cardoso, mesclando no próprio nome do local o poeta etéreo e o éter da bebida como a marca de muitos desses poetas, afinal consumidos por cirrose antes que as musas os consumissem...

De 1987 a 1996, circulou o jornal Nicolau, editado por Wilson Bueno, marcante pela repercussão obtida no Estado, dando voz a numerosos escritores e poetas paranaenses, mas também exercitando o que já se pode dizer que é uma tradição, apesar do paranismo mais arraigado, que é a busca do diálogo com escritores e artistas de todo o país e até mesmo do exterior, característica essa que, no campo cultural, se ampliará nos anos seguintes, especialmente a partir de 2000. O jornal teve impressionantes tiragens, sendo distribuído nacionalmente e deu amplo espaço à poesia e à tradução.

Os intensos anos da contracultura, dos quais Leminski e Alice Ruiz são as maiores referências, começam a se diluir nos anos 1990, anunciando poetas orgulhosos da influência, ou apontando a mudança da vida social sob a sombra da Aids, como sugere a poética de Rollo de Resende que, com Jane Sprenger Bodnar, fez o projeto Homeopoética pelos bares de Curitiba.

Um ponto criativo vital nesse momento esteve na página Musa Paradisíaca, publicada de 1995 a 2000 nos jornais Gazeta do Povo e A Notícia, por Josely Vianna Baptista e Francisco Faria, empenhada na discussão com interlocutores nacionais e estrangeiros, sinalizando a vocação vanguardista e antropofágica dos editores e escritores nela presentes e a impressionante variedade de assuntos abordados, que vão da cultura ameríndia à tradução e reflexão sobre escritores das Américas do Norte, Central e do Sul. Musa Paradisíaca, ao começar após o fim do Nicolau, como que o continua, amplificando muitas das suas qualidades e características, tendo sido Josely Vianna Baptista ela mesma partícipe da equipe que o criou, e lá iniciado a publicação de textos da cultura Ameríndia, entre outros trabalhos.
José Paulo Paes

A cena mudaria fortemente na primeira década do século XXI, o quarto período referido, que chega até este momento, marcado pela criação de novas revistas de literatura de projeção nacional, todas com olhar globalizante, com muitas traduções. De 1998 a 2000, com seis edições, a revista Medusa sinaliza esse novo momento. Surgem então as revistas Coyote, Oroboro, EtCetera, Babel, Bólide, o jornal Rascunho, o jornal RelevO, e uma significativa quantidade de novos poetas de escrita refinada, à qual se soma, ou até mesmo antecede (com Josely Vianna Baptista em relação aos hispânicos, Ricardo Corona e Rodrigo Garcia Lopes com os norte- americanos e outros, bem como as experiências editoriais do Nicolau e da Musa Paradisíaca), um impressionante esforço tradutório que não se limita aos clássicos latinos (Guilherme Gontijo Flores, por exemplo, com as Elegias de Sexto Propércio e as Odes de Horácio), ingleses românticos (o Shelley traduzido por Adriano Scandolara), ou modernistas (o Ulysses de Joyce, por Caetano W. Galindo), ingleses e irlandeses (por Luci Collin), norte-americanos mais recentes (Bukowski por Fernando Koproski), a pegada variada de Ivan Justen Santana e Rodrigo Madeira e outros, e um blog como Escamandro, de poesia, tradução e crítica, também transformado numa nova revista impressa, aprofundando essa experiência.

Quanto aos poetas e seus poemas propriamente ditos presentes nesta antologia, muitas outras relações e leituras podem ser feitas. Na poesia de Júlia da Costa pode se conhecer a rudeza de seu tempo e a sua vida trágica, expressa pelo viés do romantismo, que se pode relacionar aos poemas de amor não correspondido da melhor fase de Helena Kolody, também aos poemas ao som de valsa e bar de Colombo de Sousa e com o lirismo amoroso e por vezes irônico de Fernando Koproski.

É instigante também descobrir o que fez no Paraná um imigrante japonês como Nenpuku Sato, em sua determinada disseminação do haicai e das poéticas e cultura japonesas, que encontra em Alice Ruiz uma continuadora persistente na observação da natureza, contra essa paisagem agrícola que parece onitemporal no Estado; ou, por outro aspecto, pode-se rir das diatribes de um Emilio de Meneses, no que há de melhor de sua poética, a irônica, que está também em Antonio Thadeu Wojciechowski e Solda, em distintas modulações.

Outros escritores se somam nesses cenários com suas poéticas peculiares, como Fábio Campana, repercutindo o clima político dos tempos de chumbo dos anos 1970; Mirian Paglia Costa, com seu primeiro livro premiado e de grande repercussão pela contundência poética com que retrata a infância em Londrina; Domingos Pellegrini, com uma impressionável vitalidade que vai do poema engajado dos anos 1970 ao soneto crítico mais recente, passando pelos bem-humorados haicaipiras; os poemas cancionados de Neuza Pinheiro; Wilson Bueno, do barroco à poesia amorosa; a simplicidade irônica e crítica de Hélio Leites; Miguel Sanches Neto, com sua poética que vai da autobiografia à biografia dum outro si mesmo na barroca Ouro Preto; Josely Vianna Baptista, Sylvio Back e Ricardo Corona, entre outros motivos pelas poéticas inspiradas na tradição indígena do Estado e na exploração da performance estética do texto, ampliando-a para uma relação com a arte, no espaço das galerias e da ação performática que envolve o escritor como artista; Marcelo Sandmann com sua poesia sintética, rigorosamente formal, ao mesmo tempo irônica, que dialoga com o modernismo e chega à canção; Mário Bortolotto com poemas que ressoam blues, a violência urbana e a marginalidade, que podem ser lidos em contraste e pelas similaridades com os poemas de um novo escritor como Nelson Alexandre; a reinterpretação do simbolismo em Andreia Carvalho; as paisagens e a vida interiorana na lírica poesia de Marco Aurélio Cremasco, em contraste com o sujeito poético “ultracontemporâneo” de Ana Guadalupe, conforme remarcou Heloísa Buarque de Hollanda ao selecioná- la para uma antologia espanhola... Um lirismo contemporâneo marcante, cujo “eu poético” ganha complexidade em poetas como Mauro Faccioni Filho, Marcos Losnak, Luiz Felipe Leprevost, Alexandre França e Rodrigo Garcia Lopes. Ou fica cindido com a exposição dos excessos da linguagem, conforme exposto nas poéticas de Ricardo Pedrosa Alves e Amarildo Anzolin.

Essas questões estão todas presentes em poéticas mais recentes, em geral marcadas por um rigor na escrita ou pelo experimentalismo que chamam a atenção, sinalizando vigorosa renovação poética sob os influxos desse cenário cultural complexo em suas múltiplas manifestações. Destacam-se por suas peculiaridades, citando aleatoriamente, Mario Domingues, Rodrigo Madeira, Ivan Justen Santana, Ricardo Pozzo, Adriano Scandolara, Guilherme Gontijo Flores, Estrela Ruiz Leminski, Pedro Carrano, Homero Gomes, Beatriz Bajo, Adriano Smaniotto e Ricardo Schmitt Carvalho.

Outra característica importante é o fato de que a poesia já não está somente na capital, mas muito ativa no interior do Estado, nem por isso, contudo, desconectada, como se pode constatar por poetas como Jairo B. Pereira, de Quedas do Iguaçu, com uma poesia experimental que parte de si e chega aos sem-terra e aos índios; e Solivan Brugnara, também de lá, com poemas que retratam de modo singular a fronteira. Como esses, outros poetas podem ser descobertos sob essa ótica transcendente do local, em pontos como Maringá, Foz do Iguaçu, Rio Negro... ou no Rio de Janeiro, Campinas, Florianópolis, São Paulo, Santos...

Outra marca comum a vários autores é a metapoética, como na de Glauco Flores de Sá Brito, que remete a Dalton Trevisan (no qual se pode ler Emiliano Perneta), ou na de Marcelo Sandmann em relação a José Paulo Paes, Dalton, Leminski; e de tantos outros poetas a estes últimos, como Sossélla, com um livro dedicado ao “cachorro louco Paulo Leminski”, além de vários livros ou poemas em que se refere a outros escritores paranaenses transformados em personagens, assim como João Manuel Simões com um livro de poemas que remetem a escritores. Essa escrita poética, assim configurada, estabelece uma prática de leitura crítica curiosa, alimentando um universo próprio de escritores que vão habitando esse espaço imaginário da poesia como se fosse o bairro imaginado do escritor português Gonçalo M. Tavares.

É interessante também, sob esse aspecto, a predileção dos escritores paranaenses pela forma poética do haicai e do tanka, que se dissemina como prática e diálogo por quase todos, indo dos já observados Nenpuku Sato, Alice Ruiz, Antonio Thadeu Wojciechowski, Wilson Bueno, passando por uma variante divertida e naturalizada ao local como os “haicaipiras” de Pellegrini e chegando nas versões de Alvaro Posselt, tendo até mesmo em Dalton Trevisan, na ficção, uma espécie de horizonte perseguido por seu texto que, depurado à exaustão com o tempo, ganha contundência para se tornar quase um haicai em poucas pinceladas que desvelam eficientemente seu universo ficcional.

É marcante também a articulação da poesia contemporânea, que não fica mais confinada ao local, com os poetas em diálogo com outros e com revistas de todos os lugares, na medida do seu empenho e alcance, fato constatável nas biobibliografias. Isso se expressa também em premiações de todo tipo, sinalizando um espírito competitivo que deve, necessariamente, se refletir em poéticas mais rigorosas e críticas e obras mais bem realizadas que não parem nos primeiros livros.

A inspiração rizomática da antologia, sob outro aspecto, permite várias conexões, como ler a Sulamita de Dalton Trevisan ecoando os simbolistas, em Emiliano Perneta mesmo, sendo ele um dos que a tematizou em sua poesia mais lúbrica; essa Sulamita de ambos ecoa também na escritora mais jovem incluída na antologia, Bruna Siena.

Nessa massiva ação de leitura e releituras muito chamou a atenção, mas dois livros merecem destaque pela peculiaridade. O primeiro deles é Colar de maravilhas, de Mirian Paglia Costa, publicado em 1981 por Massao Ohno — Roswitha Kempf Editores, com ilustrações de Darcy Penteado, que recebeu o Prêmio de Revelação Literária da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e foi elogiado por escritores como Carlos Drummond de Andrade, Millôr Fernandes e Paulo Rónai; a contundência poética sobre a infância e a vida às margens do Tibagi dos anos 1950 para os anos 1960 é notável e algo dele pode ser lido na antologia. O outro é Brisais, de Jaques Brand, publicado em 1997 e que, nos poemas podemos encontrar exemplos de como a relação com a tradição pode ser divertida e interessante, sobre como a tradução pode ser transcriativa sem ser pedante; sobre como a poesia é sinônima de amizade e irmanamento que se dá tanto com os autores que se lê e se traduz ou transcria, quanto com os poetas e leitores contemporâneos com os quais se compartilha essa experiência.

Feitas todas essas observações, caberia ainda dizer algo quanto aos critérios mais pessoais que nortearam as escolhas dos poemas, questão perfeitamente pertinente, uma vez que está no cerne da discussão quanto ao que seja a poesia para quem ousa se situar nesse campo. Devo dizer que depois do legado do alto Modernismo, em seu empenho de discussão estética que atingiu fortemente a poesia, não se pode mais querer fazê-la sem uma mínima consciência crítica do que seja, impondo-se ainda ao poeta contemporâneo aquelas primazias que caracterizam a poesia da modernidade, que são as categorias negativas, tal como apontadas por Hugo Friedrich, somadas ao antagonismo à sociedade, assunto caro a Adorno e outros estudiosos, como Barthes. Ilustrativa dessa questão do antagonismo social é a antologia Vinagre, feita no calor da hora das manifestações que tomaram o país em junho de 2013, na qual participaram diversos poetas paranaenses.

Sob esse aspecto, portanto, encarar a missão de elaborar uma antologia tem um tanto de buscar respostas ao fato de que “a tensão dissonante é um objetivo das artes”, considerando-se que, para o antologista, essa tensão continua válida contemporaneamente, tanto quanto foi para a modernidade, cabendo, portanto, buscar nos escritores, sob diversos aspectos, esse sentido de dissonância em sua obra em relação ao tempo em que vivem ou viveram. No entanto, ainda que haja uma predileção por esse critério, oriundo de uma estética pessoal, ao definir a pesquisa numa gama tão ampla de escritores, há que se considerar não apenas o critério de “transformação”, fortemente associado ao referido antagonismo, mas também os de “sentimento” e de “observação”, tidas essas como as três maneiras possíveis de comportamento da composição lírica que domina a poesia moderna e ainda repercute.

Paulo Leminski, num texto muito comentado, também intentava responder a essa demanda, pois ao referir-se à poesia, compreendendo seu sentido máximo de dissonância, dizia que ela está além da utilidade, pois a poesia é dessas coisas “que não precisam de justificação nem de justificativas” porque ela “é o princípio do prazer no uso da linguagem” e só tem sentido, só é poesia, se proporciona prazer e tem capacidade de produzir “mundos novos” ou sentidos novos, alheios ao utilitarismo da sociedade que impõe valor cambiável a tudo.

Feitas essas observações todas, nunca suficientes, cabe ao leitor e aos poetas a fruição desse recorte, com a expectativa de que novas leituras, recortes e descobertas se realizem, produzindo “os novos mundos” de que falava Leminski, bem como o necessário prazer da linguagem.

a poesia

que se vive

o leitor

que se vire

Ademir Demarchi nasceu em Maringá, em 1960. Foi editor das revistas BABEL e Babel Poética. Também organizou a antologia Passagens, que reúne 26 poetas paranaenses. Como poeta, publicou Os mortos na sala de jantar (2007), Do sereno que enche o Ganges (2007) e Pirão de sereia (2012). Vive em Santos (SP).