TRADUÇÃO | Hannah Arendt 30/03/2023 - 11:04

70.

Morte de Erich Neumann

 

O que restou de ti?

Uma mão, apenas

teus dedos apenas, tremendo tensos

ao pegar uma coisa, ao apertar outra mão.

 

Pois esse aperto resta, como rastro

em minha mão, que não esquece, que

ainda sentia quem eras, quando há muito

tua boca e teus olhos cediam.

70.

Erich Neumanns Tod

 

Was von Dir blieb?

Nicht mehr als eine Hand,

nicht mehr als Deiner Finger bebende Gespanntheit,

wenn sie ergriffen und zum Gruss sich schlossen.

 

Denn dieser Griff verblieb als Spur

in meiner Hand, die nicht vergass, die

wie Du warst noch spürte, als Dir längst

Dein Mund und Deine Augen sich versagten.

 

***

 

59.

A doutrina das cores de Goethe

 

        O dia é amarelo.

        A noite, azul.

        Verde é o mundo.

Luz à treva se entrelaça

no claro, também no escuro.

Já a cor tudo atravessa

distingue as coisas do mundo.

 

E enfim o sol e a chuva

livres da plúmbea querela

unem o seco e o molhado

em casamento-aquarela

brilha o claro, brilha o escuro –

um arco raia no céu

        nosso olhar, nosso mundo.

59.

Goethes Farbenlehre

 

        Gelb ist der Tag.

        Blau ist die Nacht.

        Grün liegt die Welt.

Licht und Finsternis vermählen

sich im Dunklen wie im Hellen.

Farbe lässt das All erscheinen,

Farben scheiden Ding von Ding.

 

Wenn der Regen und die Sonne

ihrer Wolkenzwiste müde

noch das Trockne und das Nasse

in die Farbenhochzeit einen,

glänzet Dunkles so wie Helles –

Bogenförmig strahlt vom Himmel

        Unser Auge, unsere Welt.

 

***

 

32.

[Sem título]

 

Isto foi o adeus.

Alguns amigos vieram.

E quem não veio, não era mais amigo.

 

Isto foi a noite.

Hesitante baixou o passo

lançou janela afora nossas almas.

 

Isto foi o trem.

Ele mediu no voo a terra

e emperrou no estreito de certas vilas.

 

Isto é a chegada.

Pão tem outro nome agora

e o vinho em língua estranha altera a fala.

32.

[Ohne Titel]

 

Dies war der Abschied.

Manche Freunde kamen mit

und wer nicht mitkam war ein Freund nicht mehr.

 

Dies war der Abend.

Zögernd senkte er den Schritt

und zog zum Fenster unsre Seelen raus.

 

Dies war der Zug.

Vermass das Land im Fluge

und stockte durch die Enge mancher Stadt.

 

Dies ist die Ankunft.

Brot heisst Brot nicht mehr

und Wein in fremder Sprache ändert das Gespräch.

 

 

 

A alemã Hannah Arendt (1906-1975) foi uma das mais importantes filósofas políticas do século XX, conhecida por obras como Origens do Totalitarismo (1951) e A Condição Humana (1958). Originalmente não destinados à publicação, seus poemas foram lançados pela primeira vez na Alemanha, em 2015. O material publicado pelo Cândido integra a edição bilíngue do livro Também Eu Danço, com 71 poemas, em pré-venda pela Relicário Edições.

 

O tradutor Daniel Arelli nasceu em Belo Horizonte, em 1986. É doutor em Filosofia pela Universidade de Munique e professor da Universidade do Estado de Minas Gerais. Publicou os livros de poemas Lição da Matéria (vencedor do Prêmio Paraná de Literatura 2018, organizado pela Biblioteca Pública do Paraná), Pavilhão (Macondo, 2020) e O Pai do Artista (Círculo de poemas, 2022), além de outros títulos e artigos sobre estética e filosofia moderna e contemporânea. Traduziu textos de Alain Badiou, Martin Heidegger, Walter Benjamin, Theodor W. Adorno e Hans Magnus Enzensberger, entre outros. É um dos editores da revista de poesia e crítica cultural Ouriço.